Parecer n.º 33/2018

Data de publicação11 Dezembro 2018
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 33/2018

Responsabilidade Política - Comissão Eventual de Inquérito

Convocatória de Membro do Governo - TAP. Serviços Público de Transporte Aéreo - Região Autónoma da Madeira

1.ª - O reconhecimento às comissões de inquérito da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (cf. artigo 178.º, n.º 5, ex vi do artigo 232.º, n.º 4, da Constituição) não implica o reconhecimento de todos os poderes daquelas autoridades, em especial daqueles que se encontram reservados aos tribunais e ao Ministério Público.

2.ª - Uma tal limitação, de resto literalmente consignada no preceito constitucional, vale para a Assembleia da República e, por maioria de razão, para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

3.ª - Mais ainda, os poderes de inquérito parlamentar reconhecidos constitucionalmente à Assembleia da República (cf. artigo 178.º, n.º 5 da Constituição) são insuscetíveis de transposição, sem mais, para as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.

4.ª - A adaptação prevista no artigo 232.º, n.º 4, da Constituição, seja por parte do legislador, seja por parte do intérprete e aplicador, é sempre necessária em vista das diferenças entre as Assembleias Legislativas e o órgão de soberania Assembleia da República, única «assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses» (cf. artigo 147.º da Constituição).

5.ª - No que toca à adaptação dos poderes parlamentares de fiscalização política, esta faz-se inteiramente no interior do sistema de governo regional, não consentido criar nenhuma forma de responsabilidade política do Governo da República perante a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

6.ª - A responsabilidade política do Governo da República opera exclusivamente perante a Assembleia da República (cf. artigo 191.º da Constituição), órgão ao qual compete «apreciar os atos do Governo e da Administração» (cf. artigo 162.º, alínea a]).

7.ª - Algumas normas do Decreto Regional n.º 23/78/M de 29 de abril, o qual define o regime dos inquéritos aprovados pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, apresentam um elemento literal compatível somente com poderes de um órgão de soberania, devendo, por conseguinte, ser interpretadas restritivamente, de modo a ajustar o seu teor ao sistema político e ao âmbito regional, algo que está implícito em todas as normas sobre atribuições e competências regionais autonómicas.

8.ª - Sem prejuízo das competências de audição e participação do Governo Regional da Madeira, é ao Governo da República, em especial, através da Inspeção-Geral de Finanças, e à Autoridade Nacional de Aviação Civil que cumpre fiscalizar o cumprimento das obrigações de serviço público do transporte aéreo regular entre o território continental e o arquipélago da Madeira (cf. Decreto-Lei n.º 138/99, de 23 de abril) incluindo a observância das específicas vinculações que decorrem do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira em prol da liberdade de deslocação dos residentes, onerados pela insularidade e pelas contingências da oferta no mercado do transporte aéreo para os demais aeroportos e aeródromos do território nacional.

9.ª - Por contraponto, os serviços prestados pela SATA (Serviço Açoriano de Transportes Aéreos) podem subsumir-se ao disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea o), da Constituição, e considerados como de justificado interesse específico, de modo a sustentar os poderes de superintendência e fiscalização de empresas públicas a cargo do Governo Regional dos Açores, posto que, por um lado, a sua atividade é desenvolvida predominantemente em função daquela Região Autónoma, e esta, por outro lado, participa significativamente no capital social da companhia aérea.

10.ª - O mesmo não pode dizer-se dos serviços prestados pela TAP (Transportes Aéreos Portugueses) com relação ao transporte regular de passageiros e mercadorias de e para as ilhas do arquipélago da Madeira, considerando tratar-se de companhia aérea nacional, cujo capital social se reparte entre o Estado e privados, e considerando tratar-se de serviço público incumbido ao Estado.

11.ª - Uma vez que os inquéritos empreendidos pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, podendo incidir sobre qualquer assunto de interesse relevante para a Região, não podem ter outro objeto que não os atos do Governo Regional e da Administração Regional (cf. artigo 1.º do Decreto Regional n.º 23/78/M, de 29 de abril) o desempenho do Estado, enquanto maior acionista e enquanto responsável, através do Governo, pelo serviço público, encontram-se à margem do objeto possível de tais inquéritos.

12.ª - O inquérito aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, através da Resolução n.º 21/2018/M, de 11 de julho, ao visar o apuramento da responsabilidade política do Governo da República e ao incidir em empresa pública que não integrar o setor empresarial público regional, revela-se ilegal (cf. artigo 1.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto Regional n.º 23/78/M, de 29 de abril) não podendo obrigar o Ministro do Planeamento e das Infraestruturas a obedecer a ordem ou mandado provenientes da comissão eventual constituída para o efeito.

13.ª - A norma que incrimina como desobediência qualificada (artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal) a falta de comparência e a recusa de depoimento perante uma comissão de inquérito parlamentar da Assembleia da República (cf. artigo 19.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março) é insuscetível de aplicação analógica a factos semelhantes que pudessem ocorrer no âmbito das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.

14.ª - O Ministro do Planeamento e das Infraestruturas e os demais membros do Governo da República, por motivo do exercício dessas funções, encontram-se juridicamente desobrigados de comparecer a uma convocatória remetida por comissão eventual de inquérito constituída na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

15.ª - A comunicação por ofício proveniente de uma comissão eventual de inquérito da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em cujo teor se convoca a presença do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas para uma reunião, na sede do órgão, sita no Funchal, e sob mera invocação do artigo 8.º do Decreto Regional n.º 23/78/M, de 29 de abril, deve interpretar-se como um convite, cuja aceitação ou recusa obedecem apenas a critérios de oportunidade para o superior interesse do Estado, de disponibilidade e de cortesia institucional. É nesse pressuposto que deve interpretar-se a faculdade de o destinatário acertar data da sua conveniência, ao longo de um período relativamente dilatado.

Senhor Ministro do Planeamento e das Infraestruturas,

Excelência,

Vem solicitado, com nota de urgência, parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público(1).

Interessa saber da legalidade de uma convocatória dirigida a Vossa Excelência por ofício do Deputado José Prada, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o qual preside à «Comissão Eventual de Inquérito à política de gestão da TAP em relação à Madeira, da Assembleia Legislativa da Madeira» constituída nos termos da Resolução n.º 21/2018/M, de 11 de julho(2).

Propõe-se a referida Comissão levar a cabo o «apuramento das responsabilidades do Governo da República, enquanto acionista maioritário da companhia aérea nacional», de par com o apuramento das responsabilidades desta, «enquanto empresa pública, relativamente aos constrangimentos, atrasos e cancelamentos de voos e na definição dos preços excessivos praticados de e para a RAM».

Em especial, pergunta-se pela «obrigação de comparência» de Vossa Excelência «perante a Comissão de Inquérito [...] tendo em conta a deliberação daquela Comissão de Inquérito e consequente convocatória pelo seu Presidente».

O pedido(3) vem acompanhado por (i) cópia do ofício, de 14 de setembro de 2018, do Senhor Deputado Regional, José Prada, presidente na referida Comissão de Inquérito, por meio do qual convoca o Senhor Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, assim como por (ii) parecer do Centro de Competências Jurídicas do Estado(4), de 10 de outubro de 2018, o qual conclui pela inconstitucionalidade de algumas das normas em que se fundamenta a convocatória e pela invalidade desta.

Cumpre pronunciarmo-nos, e com a urgência devida, o que aconselha abrir mão do desenvolvimento de aspetos colaterais concernentes à conformidade constitucional de algumas normas regionais e centrarmo-nos na adaptação do regime dos inquéritos parlamentares às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e no regime das relações jurídico-políticas entre a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e o Governo da República.

Isto com vista a tomar posição sobre se o ato de convocação é juridicamente eficaz, se pode vincular um Ministro do Governo da República e se a eventual recusa tem consequências jurídicas.

I

Por ofício de 14 de setembro de 2018, a Comissão Eventual de Inquérito à Política de Gestão da TAP em relação à Madeira, através do seu presidente, dirigiu-se ao Senhor Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, nos termos seguintes:

«Assunto: Agendamento de audição parlamentar

Para os devidos efeitos, informo V. Exa. que, com base no requerimento do Grupo Parlamentar do PSD, foi constituída uma Comissão de Inquérito Parlamentar à política de gestão da TAP em relação à Madeira, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 219.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 1/2000/M, de 12 de janeiro, na redação e sistematização dadas pelas Resoluções da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.os 5/2012/M, de 17 de janeiro e 9/2015/M, de 15 de setembro e ao abrigo do disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 23/78/M...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT