Parecer n.º 32/2015

Data de publicação29 Novembro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 32/2015

Acordo com a Industria Farmacêutica - Contrato de Comparticipação - Contrato Administrativo - Interpretação - Declaração Negocial - Caso de Força Maior - Alteração das Circunstâncias - Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica.

1.ª O Acordo celebrado, em 21 de novembro de 2014, entre os Ministérios das Finanças e da Saúde e a Indústria Farmacêutica, por intermédio da APIFARMA - Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica e o Contrato de Comparticipação celebrado, em 17 de fevereiro de 2015, entre o INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (INFARMED, I. P.), a Gilead Sciences, Lda., associada da APIFARMA que aderiu, em 7 de janeiro de 2015, ao Acordo de 21 de novembro de 2014 e a Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P.) revestem a natureza de contratos administrativos.

2.ª A Administração não detém o poder de fixar com obrigatoriedade o sentido dos contratos administrativos, sendo as declarações do contraente público sobre a interpretação destes contratos meras declarações negociais - Cfr. artigo 307.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.

3.ª Nos contratos administrativos, constituem casos de força maior os atos de terceiros ou factos naturais que, sendo alheios à vontade dos contraentes, impossibilitam absolutamente o cumprimento das obrigações contratuais.

4.ª Assim sendo, uma medida estruturante de saúde pública, adotada com vista à erradicação de uma doença crónica - tratamento da hepatite C crónica em adultos, não pode ser considerada como um facto de natureza idêntica à de um surto epidémico, não sendo suscetível de integrar o conceito de força maior previsto na Cláusula 14.ª do Acordo celebrado em 21 de novembro de 2014 entre os Ministérios das Finanças e da Saúde e a Indústria Farmacêutica, por intermédio da APIFARMA - Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica.

5.ª Na alínea a) do artigo 312.º do Código dos Contratos Públicos estabelece-se um fundamento para a modificação do contrato que é essencialmente idêntico à condição de admissibilidade estabelecida, para a resolução ou modificação do contrato, no artigo 437.º, n.º 1, do Código Civil, apenas ocorrendo que, enquanto neste n.º 1 se alude a «alteração anormal», naquela alínea a) se alude a «alteração anormal e imprevisível».

6.ª Ora, o Ministério da Saúde comprometera-se, nos termos da cláusula 8.ª do referido Acordo de 21 de novembro de 2014 - celebrado em momento em que o Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal já expirara - «a promover condições para o acesso dos doentes aos medicamentos que se demonstrem inovadores, nomeadamente através do cumprimento dos prazos de avaliação e decisão previstos na lei, da adoção de metodologias inovadoras de contratualização, designadamente sistemas de gestão partilhada do risco, e do reconhecimento da especificidade de determinados medicamentos, nomeadamente os órfãos e os destinados a populações específicas».

7.ª Acrescendo que as datas de autorização de introdução no mercado (AIM) dos medicamentos com os nomes comerciais Solvadi e Harvoni, a que se reporta o Contrato de Comparticipação, foram, respetivamente, 16 de janeiro de 2014 e 17 de novembro de 2014, sendo, assim, a primeira bastante anterior e a segunda igualmente anterior à celebração do Acordo em apreço, que ocorreu em momento em que decorriam negociações em vista da celebração do Contrato de Comparticipação, tudo circunstâncias do conhecimento da APIFARMA, de quem a Gilead Sciences, Lda. é associada.

8.ª E sendo alteração anormal aquela que provoque uma alteração extraordinária e imprevisível das circunstâncias, necessário igualmente se torna que tal alteração se revista de gravidade, afetando gravemente, manifestamente, a equação negocialmente estabelecida.

9.ª Ora, cabendo à APIFARMA, nos termos do n.º 2 da cláusula 3.ª do Acordo de 21 de novembro de 2014, «determinar a fórmula de contribuição financeira dos seus associados e aderentes ao Acordo», apurou-se que a metodologia adotada pela APIFARMA, para apuramento da contribuição individual dos seus associados aderentes ao Acordo, assenta no formato do regime da contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica aprovado pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro - Orçamento do Estado para o ano de 2015, sendo certo que esta contribuição extraordinária incide sobre o total de vendas de medicamentos realizadas em cada trimestre, nos termos do artigo 3.º deste regime, dela estando isentas as entidades que adiram, individualmente e sem reservas, a «acordo entre o Estado Português, representado pelos Ministros das Finanças e da Saúde, e a indústria farmacêutica visando a sustentabilidade do SNS através da fixação de objetivos de valores máximos de despesa pública com medicamentos e de contribuição de acordo com o volume de vendas das empresas da indústria farmacêutica para atingir aqueles objetivos», nos termos do artigo 5.º do mesmo regime.

10.ª Sendo, assim, a metodologia adotada pela APIFARMA conforme à equidade - Cfr. artigo 400.º, n.º 1, do Código Civil, nos termos do qual a determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro e deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados.

11.ª Sendo certo que, nos termos do n.º 7 da cláusula 3.ª do Acordo de 21 de novembro de 2014, caso o valor da despesa pública com medicamentos nele previsto seja ultrapassado, «as empresas associadas da APIFARMA e aderentes ao Acordo apenas serão responsáveis pela parte que lhes for imputável no aumento da despesa pública com medicamentos no SNS de acordo com a proporção da respetiva quota de mercado».

12.ª E que, nos termos do n.º 3 da mesma cláusula, as empresas aderentes não associadas da APIFARMA colaboram no objetivo de redução da despesa referida naquele número n.º 2, «mediante uma contribuição considerando o total de vendas por tipo de medicamento de acordo com a metodologia de cálculo a definir pelo INFARMED.»

13.ª Assentando a metodologia de cálculo a definida pelo INFARMED, relativamente às empresas não associadas da APIFARMA e aderentes ao Acordo, na distribuição da contribuição remanescente pela quota percentual representativa do peso de cada empresa na despesa pública com medicamentos.

14.ª Assim, quer a contribuição prevista no Acordo de 21 de novembro de 2014, quer a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica, são determinadas em função do volume de vendas da indústria farmacêutica e, caso o valor da despesa pública com medicamentos previsto naquele Acordo seja ultrapassado, as empresas aderentes apenas serão responsáveis pela parte que lhes for imputável no aumento verificado.

15.ª Nesta conformidade, a celebração, em 17 de fevereiro de 2015, do referido Contrato de Comparticipação, em que figurou como contraente a Gilead Sciences, Lda., associada da APIFARMA e aderente ao mencionado Acordo de 21 de novembro de 2014, não afetou gravemente, ou sequer sensivelmente, a equação negocialmente estabelecida nesse Acordo relativamente às restantes empresas aderentes, sendo certo que a questão não se coloca em relação à Gilead Sciences, Lda., por não poder ser considerada «parte lesada» nesse Acordo - a que, aliás, aderiu em 7 de janeiro de 2015, sem quaisquer reservas - em função da superveniência daquele Contrato de Comparticipação, por si celebrado no mês seguinte.

16.ª Assim, a medida a que reportou a conclusão 4.ª não pode constituir fundamento para a modificação do Acordo de 21 de novembro de 2014 por alteração das circunstâncias, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 312.º do Código dos Contratos Públicos.

17.ª A obrigação decorrente do n.º 7 da cláusula 3.ª do Acordo de 21 de novembro de 2014, para as empresas associadas da APIFARMA e aderentes ao Acordo, como é o caso da Gilead Sciences, Lda., é uma das obrigações relativamente às quais, para que não subsistissem quaisquer dúvidas, se esclareceu, no n.º 11 da cláusula 5.ª do Contrato de Comparticipação de 17 de fevereiro de 2015, não se mostrarem prejudicadas por este contrato.

18.ª Aliás, a expressão «para que não subsistam quaisquer dúvidas» também tem o sentido de afastar quaisquer eventuais dúvidas sobre a incidência da Cláusula 14.ª - Força maior e alteração das circunstâncias do Acordo de 21 de novembro de 2014.

19.ª Assim, o supramencionado Contrato de Comparticipação não isenta a empresa contraente de cumprir os compromissos assumidos no Acordo de 21 de novembro de 2014.

Senhor Ministro da Saúde,

Excelência:

I

Em 2 de outubro de 2015, subordinado ao assunto Solicitação de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República - Contrato de comparticipação relativo aos medicamentos para a Hepatite C, dirigiu o Antecessor de Vossa Excelência à Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República ofício do seguinte teor:

«O pedido de parecer que segue e nos termos que se detalham, tem por objeto elucidar questões jurídicas decorrentes do contrato de comparticipação celebrado, em 17 de fevereiro de 2015, entre o INFARMED-AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I. P., a GILEAD SCIENCES, LDA e a ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, I. P., que regula a comparticipação do Serviço Nacional de Saúde no preço dos medicamentos indicados para o "tratamento da hepatite C crónica em adultos" e as suas implicações no que concerne aos termos do Acordo celebrado, em 21 de novembro de 2014, entre os MINISTÉRIOS DAS FINANÇAS E DA SAÚDE e a INDÚSTRIA FARMACÊUTICA, cujo âmbito consiste em regular os termos e condições em que os signatários se comprometem a atingir os objetivos orçamentais para o ano de 2015 com a despesa pública com medicamentos em ambulatório e hospitalar.

O impasse suscitado pelas questões que se pretendem ver elucidadas no que concerne ao cumprimento do Acordo pela indústria farmacêutica, bem como as implicações orçamentais aqui em jogo e o precedente que qualquer decisão que venha a ser adotada criará...

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