Parecer n.º 31/2018

Data de publicação09 Janeiro 2019
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 31/2018

ADSE - Hospitais Privados - Contrato Administrativo Regulamento Administrativo

1.ª O acesso dos beneficiários aos cuidados de saúde e demais prestações sociais disponibilizados pelo Instituto de Proteção e Assistência na Doença IP (ADSE) pode ser feito mediante o reembolso das despesas ao beneficiário (previamente suportadas por este) ou, então, mediante o pagamento direto à entidade prestadora de serviços, em conformidade com as tabelas e regras de pagamento em vigor (artigo 19.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro)

2.ª Para este efeito, «o diretor-geral da ADSE pode celebrar acordos com instituições hospitalares do setor público, privado ou cooperativo, bem como com quaisquer outras entidades singulares ou coletivas, em ordem a obter e a oferecer, com a necessária prontidão e continuidade, as prestações que interessam ao prosseguimento dos seus fins» (artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro).

3.ª A celebração destes acordos obedece a uma minuta tipo (que pode ser consultada no sítio online da ADSE) da qual constam as condições em que esta celebra com o interessado a convenção destinada a regular a prestação de serviços de saúde aos seus beneficiários.

4.ª Entre essas condições, consta a possibilidade de atualização automática das tabelas e das regras em vigor, mediante mera notificação ao segundo outorgante (cláusula 5.º, n.º 2, da Convenção tipo).

5.ª Em 2009, atendendo às revindicações de alguns dos convencionados, a ADSE celebrou com os prestadores de serviços atas adicionais às convenções anteriormente outorgadas, criando dois códigos globais, sem preços fixos, que permitem a faturação global de todos os consumos utilizados.

6.ª Neste último caso, contudo, nos termos das referidas atas adicionais, a ADSE «reserva-se o direito de corrigir os valores faturados através dos códigos 6032 e 6074 sempre que excederem em 10 % os valores médios praticados pelos prestadores congéneres e depois de ponderadas as justificações do prestador».

7.ª Por despacho do Diretor Geral, de 29 de agosto de 2014, a ADSE agregou num mesmo documento todas as tabelas de preços em vigor, bem como as regras gerais específicas aplicáveis a cada um dos cuidados de saúde/códigos referenciados, que anteriormente estavam dispersos por vários documentos autónomos.

8.ª Para além disso, alterou, igualmente, alguns códigos que anteriormente tinham um valor fixo, passando o prestador a poder proceder à faturação global destes consumos e a ADSE a poder regularizar os valores apurados, caso sejam superiores às médias acrescidas de 10 %, ou, em algumas situações, com base no menor valor praticado pelos prestadores envolvidos.

9.ª Essas alterações foram devidamente comunicadas às entidades prestadoras convencionadas em finais de agosto de 2014, sendo aplicáveis aos serviços de saúde prestados a partir de 1 de outubro de 2014, tendo as entidades convencionadas mantido a faturação nos códigos sujeitos a regularizações já existentes e passado a utilizar os novos códigos regularizáveis então criados.

10.ª As convenções devidamente celebradas entre a ADSE e os prestadores de serviços são contratos administrativos atípicos.

11.ª Mesmo assim, estas convenções, apesar de serem contratos administrativos, contêm cláusulas regulamentares que são fonte de direitos e deveres para terceiros, que não participaram na sua celebração.

12.ª Os efeitos regulamentares desencadeados com a celebração do negócio jurídico, não modificam, contudo, a natureza contratual do ato jurídico em causa (contrato), não pressupondo, pois, o regime juridicamente previsto para a formação e para a impugnação dos regulamentos.

13.ª O poder de atualização unilateral das tabelas de preços e das regras de faturação decorre do próprio contrato (cláusula 5.ª, n.º 2), sendo uma manifestação paradigmática e legítima da vontade inicial das partes.

14.ª O procedimento de regularização relativo aos anos de 2015 e 2016 é legal, não podendo ser afastado por eventuais vícios na elaboração, formação e celebração da convenção e na atualização automática das tabelas de preços e regras em vigor.

Senhora Ministra da Saúde,

Excelência:

I

Submeteu Sua Excelência o, então, Ministro da Saúde, nos termos da alínea a), do artigo 37.º, do Estatuto do Ministério Público, a emissão de parecer urgente a este Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (1) invocando o seguinte:

«Considerando o diferendo surgido entre a ADSE, IP. e a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada no que respeita às regularizações dos valores faturados relativos aos anos de 2015 e 2016, previstas nas "regras, procedimentos e tabelas da rede ADSE" (doravante designadas por "Tabelas") adotadas em 2009 e 2014 foi solicitado parecer à Senhora Auditora Jurídica, junto deste Ministério, relativamente à legalidade de tal procedimento objeto de controvérsia.

Subsequentemente, foi elaborado o competente parecer, anexo ao presente ofício, o qual conclui que:

A prestação de cuidados de saúde em regime convencionado assenta em acordos/convenções celebradas pela ADSE, IP, com entidades prestadoras privadas, que estabelecem os cuidados de saúde objeto dos mesmos e a tramitação da entrega da faturação, integrando as regas e tabelas de preços correspondentes.

As entidades prestadoras conhecem e aderiram aos termos da convenção que preveem regularização, ou seja, aceitaram que os valores faturados sejam suscetíveis de ser corrigidos de acordo com as regas fixadas.

Os métodos de regularização dos pagamentos efetuados relativamente a cuidados de saúde prestados em códigos abertos, são não só legais, como exigíveis em obediência aos princípios que regem a atuação da ADSE, IP., nomeadamente os princípios de garantia de eficiência económica na gestão, da transparência e da sustentabilidade, previstos no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2017, de 9 de janeiro.

Tendo em conta eventuais medidas de limitação de acesso dos beneficiários da ADSE à rede de convencionados que a APHP possa levar a cabo, o elevado número de beneficiários afetados e as consequências que tais medidas poderiam acarretar para o aumento da procura no Serviço Nacional de Saúde (SNS), serve a presente para, neste contexto, ao abrigo do disposto no artigo 37.º, al.ª a), do Estatuto do Ministério Público, solicitar parecer do Conselho Consultivo, quanto ao tema da legalidade das pretendidas regularizações».

Importa, pois, emitir parecer relativo à legalidade das regularizações dos valores faturados, relativos aos anos de 2015 e 2016, de acordo com as regras, procedimentos e tabelas da rede ADSE, adotadas em 2009 e 2014.

II

Origem e natureza da ADSE

A ADSE (Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado) foi criada em 1963, pelo Decreto-Lei n.º 45002, de 27 de abril. Embora já existissem algumas normas especiais, válidas para alguns serviços autónomos, só nessa altura foi criado um regime geral, aplicável a todos os funcionários civis do Estado. Como, então, se referia no preâmbulo do referido diploma: «pelo presente decreto-lei estabelece-se uma proteção na doença, segundo esquema capaz de abranger, com a maior latitude, as modalidades de assistência médica e cirúrgica, materno-infantil, de enfermagem e medicamentosa, em realização gradual por todo o País, a fim de abranger a totalidade dos servidores. Além disso, prevê-se que tais benefícios possam vir a estender-se aos agregados familiares, e que se institua ainda uma ação social em ordem a completar o esquema agora introduzido, no que se refere à correção dos problemas surgidos ou interferidos pela doença».

Desta forma pioneira, ainda antes da criação do Serviço Nacional de Saúde, o legislador nacional procurava equiparar os servidores do Estado aos trabalhadores das empresas privadas, que, através dos mecanismos consagrados no Estatuto do Trabalho Individual usufruíam (como à data se dizia) de «um esquema de benefícios muito mais amplo do que o concedido àqueles que constituem o vasto número dos servidores do Estado» (2). Logo no ano seguinte, prosseguindo naquele louvável desiderato inicial, o Decreto n.º 45688, de 27 de abril de 1964, regulamentou o referido regime legal, criando efetivas condições para a sua concretização e implementação prática.

Apesar da Constituição da República Portuguesa prever a criação do Serviço Nacional de Saúde (3) (depois instituído pela Lei n.º 56/79, de 15 de setembro), a ADSE não foi extinta com a revolução de 25 de abril de 1974 (e a nova mundividência dai resultante), mantendo-se, enquanto sistema autónomo, continuando os funcionários públicos a beneficiar dos seus serviços diferenciados e a contribuir, obrigatoriamente, para o seu financiamento.

Com efeito, pouco tempo depois da criação do SNS, procurando reorganizar e redimensionar os serviços da ADSE «em ordem a dotá-los dos meios materiais e humanos necessários e suficientes à prossecução de modo adequado, dos seus objetivos», o Decreto-Lei n.º 476/80, de 15 de outubro, embora mantendo a sigla inicial, transformou a Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado em Direção-Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública, enquanto serviço específico dotado de autonomia administrativa, na direta dependência do Ministério das Finanças e do Plano. Desta forma, foi criado - como logo se alertou no preâmbulo do diploma - um organismo central de proteção social na administração pública, dotado da estrutura adequada à coordenação de todos os benefícios ao tempo oferecidos pelo sistema. Em vez de optar pela inclusão dos beneficiários da ADSE no SNS, o legislador post revolucionário manteve a autonomia do sistema supletivo que lhes é aplicável.

Em 1983, procurando regulamentar este novo regime legal, reunir uma série de legislação avulsa, mas também introduzir algumas inovações, o Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, estabeleceu o funcionamento e o esquema de benefícios da Direção-Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE), «no sentido de...

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