Parecer n.º 3/2017

Data de publicação08 Maio 2017
SeçãoSerie II
ÓrgãoEducação - Conselho Nacional de Educação

Parecer n.º 3/2017

Parecer Sobre Acesso ao Ensino Superior

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Parecer elaborado pelo relator António Pedro Barbas Homem, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 20 de março de 2017, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim o seu segundo Parecer do ano de 2017.

Parecer

Introdução

O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem vindo a refletir ao longo dos anos acerca da natureza, missão e atribuições do ensino superior, quer na sua comissão especializada quer no plenário dos seus membros.

Mais recentemente e no âmbito dos estudos realizados por ocasião dos 30 anos da Lei de Bases do Sistema Educativo, teve ocasião de realizar diversos seminários e ainda de organizar, no âmbito da sua 3.ª Comissão Especializada Permanente - Ensino Superior, Investigação e Cultura Científica, debates sobre questões relevantes acerca do ensino superior na hora presente.

O Governo, através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, decidiu lançar uma iniciativa no sentido de avaliar os mecanismos de acesso ao ensino superior. No Despacho 6930/2016, de 25 de maio, que cria o Grupo de Trabalho para a avaliação do acesso ao Ensino Superior, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior evoca a necessidade de refletir sobre o alargamento e o aprofundamento da democratização do ensino superior, visando em particular a modernização e a adequação do sistema de acesso a novos contextos.

Na preparação desse Relatório foi ouvida a 3.ª Comissão Especializada Permanente do CNE.

O Conselho Nacional de Educação deliberou realizar um debate alargado acerca do relatório final apresentado pelo grupo de trabalho para a avaliação do acesso ao ensino superior, com o título Relatório sobre a avaliação do acesso ao ensino superior (diagnóstico e questões para debate), abaixo referido como Relatório. Considerando a relevância social da temática, decidiu ainda emitir um Parecer sobre esta matéria.

O Conselho Nacional de Educação saúda a oportunidade deste debate público, tendo apreciado de modo muito positivo quer a metodologia adotada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de apresentar para discussão pública trabalhos preparatórios de eventuais reformas legislativas, quer a profundidade, seriedade e atualidade do estudo e das propostas que constam do referido Relatório.

Este Parecer está organizado do seguinte modo:

1 - Os princípios normativos no acesso ao ensino superior e as condições de sucesso escolar

2 - O regime de acesso ao ensino superior

3 - A situação atual do acesso ao ensino superior

4 - Objetivos e vias propostas de reforma

5 - Recomendações

1 - Os princípios normativos no acesso ao ensino superior e as condições de sucesso escolar

Atente-se, primeiro, nos parâmetros constitucionais e, seguidamente, no enquadramento da Lei de Bases do Sistema Educativo, no direito internacional e na legislação de acesso ao ensino superior.

I - Os parâmetros constitucionais de acesso ao ensino superior

A Constituição da República Portuguesa (adiante CRP) prevê, no artigo 43.º, da Parte I, Título II, Capítulo I - Direitos, liberdades e garantias pessoais - a liberdade de aprender e ensinar, que inclui a proibição de o Estado programar a educação segundo diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, a proibição do ensino público confessional e a garantia de criação de escolas particulares e cooperativas (1).

Concomitantemente dedica os artigos 73.º a 77.º, da Parte I, Título III, Capítulo III - Direitos e deveres culturais - à educação e ao ensino (2). Especificamente em matéria de ensino superior, a CRP garante, na alínea d) do n.º 2 do artigo 74.º,

"a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino [...]."

E determina que o regime de acesso assegure

"a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país." (art. 76.º).

Identifica-se, a este respeito, um princípio especial de igualdade que acresce ao princípio geral de igualdade dos cidadãos perante a lei. De outro lado prevê-se, como critério que se deve igualmente refletir no acesso aos cursos do ensino superior, que o Estado deve promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário, e assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efetivação do direito ao ensino (artigo 74.º).

A especial delicadeza destas disposições já se encontra refletida em vasta jurisprudência constitucional e de outros tribunais. Em especial, identificou-se que os critérios de avaliação do mérito dos candidatos ao ensino superior devem ser objetivos e que quaisquer alterações legislativas no regime de acesso devem respeitar eventuais expetativas que os interessados possam ter adquirido legitimamente (princípio da confiança).

II - Os parâmetros da Lei de Bases do Sistema Educativo

Por seu turno, a Lei n.º 46/86, de 14 de outubro (3), que aprovou as bases do sistema educativo, dedica a sua subsecção III ao ensino superior e determina que compete ao Governo definir, através de decreto-lei, os regimes de acesso e ingresso no ensino superior, em obediência, designadamente, aos princípios da democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades, objetividade dos critérios utilizados para a seleção e seriação dos candidatos, universalidade de regras para cada um dos subsistemas de ensino superior, utilização obrigatória da classificação final do ensino secundário no processo de seriação e caráter nacional do processo de candidatura à matrícula e inscrição nos estabelecimentos de ensino superior público.

O caráter unitário do sistema de ensino decorre do princípio segundo o qual, como regra geral, têm acesso ao ensino superior os indivíduos habilitados com o curso do ensino secundário ou equivalente que façam prova de capacidade para a sua frequência (artigo 12.º).

Importa não perder de vista que as disposições relativas ao ensino superior da Lei de Bases resultam da redação que lhe foi conferida em 2005, na sequência do que se convencionou chamar processo de Bolonha (Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto). A nova estrutura de três ciclos formativos e graus do ensino superior - licenciatura, mestrado e doutoramento - foi completada com o expresso reconhecimento de que os estabelecimentos de ensino superior podem realizar cursos não conferentes de grau académico cuja conclusão com aproveitamento conduza à atribuição de um diploma (novo artigo 13.º B).

De outro lado, consagrou-se a possibilidade de acesso ao ensino superior de pessoas sem a conclusão do ensino secundário em duas situações: maiores de 23 anos de idade que façam prova de capacidade para a sua frequência através da realização de provas especialmente adequadas, realizadas pelos estabelecimentos de ensino superior; e titulares de formações pós-secundárias adequadas (artigo 12.º, n.º 5).

Em termos paralelos, aponta-se para a previsão de regimes especiais de acesso, ingresso e de frequência do ensino superior para os trabalhadores-estudantes, de modo a garantir os objetivos da aprendizagem ao longo da vida e da flexibilidade e mobilidade dos percursos escolares (artigo 12.º, n.º 7).

Em conclusão, dos parâmetros constitucionais e da legislação de bases decorrem princípios de grande densidade no que respeita ao acesso ao ensino superior - igualdade e igualdade de oportunidades, mérito -, diretrizes programáticas de alargamento do acesso a pessoas que não tiveram possibilidade de aceder no tempo normal (trabalhadores estudantes e maiores de 23 anos) ou que têm naturais dificuldades (portadores de deficiência) e a possibilidade de ser concretizado um regime próprio para titulares de formações pós-secundárias.

III - O direito internacional de educação

A estas disposições acresce o modo como o direito internacional se tem ocupado do ensino superior, elevando o direito à educação, em geral, e, em particular, o direito de acesso ao ensino superior à dignidade de direito humano.

O n.º 2 do artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê que

"o acesso aos estudos superiores deve ser aberto a todos, em plena igualdade, em função do mérito."

Concretizando esta disposição, o Protocolo Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (de acordo com a tradução oficial para a língua portuguesa, dada pela Lei n.º 45/78, de 11 de julho), veio determinar que, para assegurar o pleno exercício do direito à educação,

"o ensino superior deve ser tornado acessível a todos em plena igualdade, em função das capacidades de cada um, por todos os meios apropriados e nomeadamente pela instauração progressiva da educação gratuita." (artigo 13.º)

Em termos similares, a Convenção sobre os direitos das crianças (de acordo com a versão oficial aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro), estabelece que os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, tendo em vista assegurar progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades, tornam o ensino superior acessível a todos, em função das capacidades de cada um, por todos os meios adequados (artigo 28.º).

IV - Os princípios democráticos e a justiça no acesso à educação

O acesso ao ensino superior constitui um tema central das teorias da justiça dos nossos dias.

Procura-se um equilíbrio complexo entre as aspirações sociais à elevação do nível educativo, cultural e científico da sociedade e dos cidadãos e o financiamento do sistema de ensino superior por parte de muitos que não vão poder ou não têm ambição de frequentar cursos e instituições de ensino superior. Os sistemas sociais exigem, deste modo, um equilíbrio entre a igualdade de oportunidades e a possibilidade de redistribuição de rendimentos através dos impostos ou através do financiamento privado do...

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