Parecer n.º 23/2017

Data de publicação01 Fevereiro 2018
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 23/2017

Contrato de Aquisição de Energia (CAE) - Cessação Antecipada - Custo para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) - Uso Global do Sistema (UGS) - Ajustamento Anual - Direito a Compensação - Tarifa Autorização Legislativa - Reserva de Lei - Homologação - Deslegalização Usurpação de Poder - Nulidade.

1.ª O Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro, contempla as disposições aplicáveis à cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia (CAE), previstos no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, estabelecendo o n.º 2 do artigo 2.º que a cessação antecipada dos CAE determina a atribuição a um dos seus titulares - produtor ou entidade concessionária da rede nacional de transporte (RNT) - do direito ao recebimento de compensações pela cessação antecipada de tais contratos, as quais têm o intuito de garantir a obtenção de benefícios económicos equivalentes aos proporcionados pelos contratos anteriores, que não estejam devidamente garantidos através de receitas esperadas em regime de mercado;

2.ª As regras aplicáveis à determinação do montante dos custos para a manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) e dos respetivos ajustamentos são enunciadas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, estabelecendo-se no n.º 5 que os montantes dos CMEC são suscetíveis de ajustamentos anuais e de um ajustamento final;

3.ª Os ajustamentos anuais devem ser efetuados nos termos do n.º 6 do referido artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, com base nos critérios constantes dos artigos 4.º a 6.º do Anexo I e nas condições enunciadas no artigo 11.º (n.os 1 a 11), todos daquele diploma;

4.ª No caso de os ajustamentos anuais conduzirem à determinação de montantes devidos aos produtores - ajustamentos positivos, o respetivo valor será repercutido nas tarifas pela totalidade dos consumidores de energia elétrica no território nacional, constituindo encargos respeitantes ao uso global do sistema a incorporar como componentes permanentes da tarifa de uso global do sistema - UGS (n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 240/2004);

5.ª E no caso de os ajustamentos anuais conferirem à entidade concessionária da RNT o direito a compensações - ajustamentos negativos, os respetivos montantes pagos por cada produtor devem ser repercutidos para posterior redução da tarifa UGS, de forma a garantir uma repartição equitativa entre todos os consumidores do sistema elétrico (n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 240/2004);

6.ª O Decreto-Lei n.º 240/2004 foi editado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 52/2004, de 29 de outubro, que lhe definiu o objeto (artigo 1.º), o sentido (artigo 2.º) e a extensão (artigo 3.º);

7.ª Ora, os CMEC refletem-se na estrutura da tarifa UGS e os CMEC positivos podem mesmo ser considerados tributos de natureza unilateral, suscetíveis de ser reconduzidos à figura das contribuições especiais;

8.ª A Assembleia da República ao emitir a Lei n.º 52/2004 e o Governo ao utilizar a autorização legislativa assumiram tratar-se de matéria de reserva de lei parlamentar [cf. alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa];

9.ª De todo modo, dada a natureza dos CMEC, sempre se terá de considerar estar-se perante matéria de reserva de lei, pelo que não pode o Governo proceder a uma deslegalização, remetendo para a via contratual a regulação primária de aspetos essenciais do respetivo regime;

10.ª Consequentemente, os acordos de cessação dos CAE não podem introduzir novos fatores nos cálculos dos ajustamentos anuais e final dos CMEC;

11.ª No cálculo dos CMEC, o valor do CAE reporta-se à data prevista para a sua cessação antecipada e calcula-se de acordo com as disposições nele previstas, incluindo a amortização e remuneração implícita ou explícita no CAE do ativo líquido inicial e do investimento adicional, conforme definidos no respetivo contrato, devidamente autorizados e contabilizados;

12.ª O procedimento da revisibilidade dos CMEC, com vista ao apuramento dos ajustamentos anuais, processa-se nos termos dos n.os 1 a 11 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, sendo, após a determinação do respetivo valor, enviados os ajustamentos anuais ao membro do governo responsável pela área de energia para efeitos de homologação (cf. n.º 7);

13.ª O despacho homologatório do montante do ajustamento anual dos CMEC configura um ato administrativo;

14.ª Assim, o ato de homologação com fundamento na sua invalidade, pode ser declarado nulo, a todo o tempo, no caso da ocorrência de vício gerador de nulidade (cf. artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo - CPA -, em vigor, e, anteriormente, artigos 133.º e 134.º do CPA de 1991), ou ser objeto de anulação administrativa (n.º 2 do artigo 165.º do CPA), nos termos e condições dos artigos 166.º e 168.º do CPA;

15.ª Ora, no caso de o ato homologatório considerar aspetos abrangidos pela matéria de reserva de lei, e que tenham inovatoriamente sido regulados nos acordos de cessação dos CAE, terá de ser considerado nulo por estar viciado de usurpação de poder [cf. artigo 161.º, n.º 2, alínea a), do CPA e, anteriormente, artigo 133.º, n.º 2, alínea a), do CPA de 1991].

Senhor Secretário de Estado da Energia,

Excelência:

I

Solicitou Vossa Excelência a emissão de parecer a este Conselho Consultivo para esclarecimentos adicionais sobre a interpretação do regime jurídico consagrado no Decreto-Lei n.º 240/2004.

Cumpre, pois, emitir o parecer.

II

Com vista a um melhor enquadramento, reproduz-se de seguida a fundamentação do pedido de parecer.

«Conforme se pode ler no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 29 de junho de 2017 (Proc. n.º 4/2016) "a avaliação que servirá de cálculo do CMEC reporta-se, como resulta das normas transcritas, a um momento temporal determinado: data da cessação antecipada de cada CAE. Será com referência a essa data que se determina o valor dos contratos, o montante das receitas expectáveis e o valor dos encargos variáveis de exploração."

Sendo que, e citando o mesmo Parecer "interessa sublinhar que, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, o valor do CAE deverá ser calculado tendo em atenção as respetivas disposições contratuais, aquilo que ficou convencionado" (cf. pág. 50).

Sendo que, a esse propósito não pode ser desconsiderado que a Comissão Europeia, "ao pronunciar-se sobre o projeto de cessação antecipada dos contratos de longo prazo no setor da eletricidade (CAE) e de atribuição de compensações relativamente a essa cessação, e ao analisar em que grau esta medida inclui auxílios estatais, na ação do n.º 1 do artigo 87.º do Tratado CE, examinou a questão de saber se tais compensações concedem uma vantagem aos respetivos beneficiários.

A Comissão considerou que a justificação apresentada - no sentido de que "tais compensações consistem apenas numa justa indemnização pelo facto de o Estado proceder à cessação antecipada dos CAE, que são contratos entre duas partes privadas, o que não poderá ser considerado uma vantagem" - não se aplica ao caso específico, "dado que os contratos iniciais, que serão objeto de cessação, já concedem uma vantagem aos produtores vinculados".

Tendo a Comissão entendido que "na verdade, os CAE eximem os produtores vinculados de todos os riscos associados aos investimentos cobertos pelos contratos: dispõem da garantia de reembolso de todos os seus custos e de venda de um montante fixo de eletricidade a um preço garantido e durante um período determinado e muito longo. Este fator de segurança contra todos os riscos, num mercado aliás muito cíclico, é proporcionado sem qualquer contrapartida. Constitui uma clara vantagem para os produtores que celebraram os CAE. Por conseguinte, a cessação dos CAE e a concessão de compensações a esse título constitui apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um modo de compensar uma desvantagem. De facto, após a cessação dos CAE, aqueles produtores receberão uma compensação que lhes permitirá, não obstante a abertura do mercado, manter o seu volume de vendas (deste modo limitando os riscos em que de outro modo incorreriam) ainda que os centros produtores em questão se venham a revelar intrinsecamente menos eficientes que outros centros produtores que possam ser construídos por novos concorrentes potenciais" (cf. págs. 54 e 55 do mesmo Parecer do Conselho Consultivo da PGR).

Não obstante o que vimos de citar, podemos ler, em seguida, no mesmo Parecer que, por via da introdução das regras de revisibilidade, o Decreto-Lei n.º 240/2004 fixou um regime que pondera elementos posteriores à data da cessação dos CAE, o que nos suscita as dúvidas que pretendemos ver esclarecidas com o presente pedido de Parecer.

É que, o Decreto-Lei n.º 240/2004 foi publicado ao abrigo da Lei de Autorização Legislativa n.º 52/2004, de 29 de outubro.

Dispõe este diploma que:

"Artigo 1.º

Objeto

É concedida ao Governo autorização para legislar sobra a atribuição de compensações no âmbito da cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia (CAE) celebrados entre a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Elétrica (RNT) e as entidades titulares de licenças vinculadas de produção de energia elétrica (produtores), bem como sobre a criação dos mecanismos necessários que visem assegurar o pagamento dos montantes compensatórios daí decorrentes, incluindo a repercussão dos respetivos encargos na tarifa de uso global do sistema (tarifa UGS).

Artigo 2.º

Sentido

O sentido da legislação a aprovar ao abrigo da presente autorização legislativa compreende a definição da metodologia para determinação do montante das compensações devidas pela cessação antecipada dos CAE celebrados entre a entidade concessionária da RNT e os produtores, bem como a forma e momento do seu pagamento, e o modo e mecanismo de repercussão dos respetivos encargos, a incorporar como componente permanente da tarifa UGS, por forma a assegurar o pagamento dos montantes compensatórios devidos aos produtores.

Artigo 3.º

Exten...

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