Parecer n.º 21/2017

Data de publicação29 Agosto 2017
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 21/2017

Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), I. P.

Técnico de emergência pré-hospitalar - Posicionamento remuneratório - Princípio para trabalho igual salário igual

1.ª Ocorre uma contradição entre a previsão e a estatuição da norma contida no n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 19/2016, de 15 de abril, porquanto ao preencher-se a previsão - «Sempre que, por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, a remuneração base a que atualmente têm direito seja inferior à 1.ª posição remuneratória da categoria para a qual transitam [...]» - a estatuição já está atribuída.

2.ª Uma vez que o preenchimento da previsão do n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 19/2016, de 15 de abril, pressupõe aplicar o n.º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, então, pressupõe criar automaticamente «um nível remuneratório não inferior ao da primeira posição da categoria para a qual transitam» e cujo montante há de corresponder, pelo menos, ao da remuneração base a que já tinham direito (cfr. estatuição do n.º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro).

3.ª Contudo, a partir do sentido que inequivocamente o legislador quis atribuir ao preceito, é possível e razoável uma correção hermenêutica que lhe devolva pleno sentido, ainda que diferenciador de remunerações para trabalhadores na mesma carreira e categoria.

4.ª A garantia constitucional de salário igual para trabalho igual (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição) aplica-se aos trabalhadores em funções públicas e sem desvios ou restrições consentidos nem pelo artigo 269.º da Constituição nem por outro qualquer preceito constitucional.

5.ª O disposto no n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 19/2016, de 15 de abril, infringe direta e ostensivamente a alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, na parte em que reposiciona os trabalhadores do INEM, I. P., transitados para a nova carreira especial e categoria de técnico de emergência pré-hospitalar em posição e nível remuneratório inferiores aos dos novos trabalhadores a recrutar e ingressar na mesma categoria. Obriga mesmo a que os primeiros sejam reposicionados em «nível remuneratório inferior à 1.ª posição da categoria para a qual transitam»

6.ª Introduziu-se uma distorção remuneratória desconforme com a garantia de salário igual para trabalho igual, pois não se encontram diferenças ao nível do conteúdo funcional a desempenhar por uns e outros trabalhadores do INEM, I. P., nem, indistintamente, ao nível das habilitações quer gerais quer específicas, designadamente a idêntica formação profissional requerida para exercer as mesmas funções.

7.ª A organização do trabalho em funções públicas segundo carreiras e destas em categorias com várias posições remuneratórias de valor crescente destina-se a assegurar a igualdade e a fomentar um tratamento justo, não podendo, ao invés, constituir fator das distorções que justamente se pretendem evitar.

8.ª Decorre da garantia de salário igual para trabalho igual, na expressão do Tribunal Constitucional, um «princípio geral da não inversão das posições relativas de trabalhadores por mero efeito da reestruturação de carreiras».

9.ª Este princípio vincula diretamente as entidades públicas (cfr. n.º 1 do artigo 18.º da Constituição), uma vez que a referida garantia, apesar de sistematicamente situada entre os direitos económicos, sociais e culturais, ostenta natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (cfr. artigo 17.º da Constituição).

10.ª De modo a evitar distorções, como aquela que surge por efeito da norma controvertida, o n.º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 12 A/2008, de 27 de fevereiro, contém uma cláusula que salvaguarda, como mínimo, o nível remuneratório correspondente à 1.ª posição da categoria para a qual transitam e outra que fixa, como máximo, o montante da remuneração base a que têm direito ao tempo da transição, se aquele montante for superior. Por conseguinte, não abre as portas a acréscimo algum incompatível com a alínea b) do n.º 2 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, até porque os acréscimos que esta norma veda pressuporiam aplicar o n.º 1, e não o n.º 2, da citada Lei n.º 12-A/2008.

11.ª Contudo, apesar da incompatibilidade do n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 19/2016, de 15 de abril, com o artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e com o artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, o certo é que nenhum destes atos legislativos possui valor reforçado, em termos de fundar um juízo de ilegalidade constitucional (inconstitucionalidade indireta qualificada).

12.ª Em todo o caso, a inconstitucionalidade material direta do n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 19/2016, de 15 de abril, é motivo mais do que suficiente para o legislador empreender com brevidade a sua revisão em ordem a pôr termo à discriminação iniciada com a sua entrada em vigor.

13.ª Não obstante proibidas as valorizações remuneratórias dos titulares de cargos políticos e dos trabalhadores em funções públicas, por meio das sucessivas leis orçamentais (v.g. n.º 1 do artigo 38.º do OE 2015, prorrogado no OE 2016 [Cfr. n.º 1 do artigo 18.º] e no OE 2017 [Cfr. n.º 1 do artigo 19.º]) excluíram-se os ajustamentos remuneratórios inerentes à transição dos trabalhadores em funções públicas para carreiras revistas (n.º 16 do artigo 38.º do OE 2015). Trata-se de um corolário da garantia constitucional de salário igual para trabalho igual (cfr. alínea a] do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição).

14.ª Por conseguinte, a correção do reposicionamento remuneratório dos trabalhadores do INEM, I. P., transitados para a carreira especial de técnico de emergência pré-hospitalar possui inteira cobertura nas leis orçamentais para os anos económicos de 2016 e de 2017, ao admitirem os ajustamentos decorrentes da garantia de salário igual para trabalho igual na revisão das carreiras dos trabalhadores em funções públicas que ainda não o tivessem sido.

Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Saúde,

Excelência:

Dignou-se Vossa Excelência tomar parecer deste corpo consultivo, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público(1), por lhe suscitar dúvidas a dualidade de posições e níveis remuneratórios dos trabalhadores na base da carreira especial e categoria de técnico de emergência pré-hospitalar (TEPH).

Por um lado, aqueles que transitaram para esta nova carreira especial, oriundos de carreiras privativas do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), I. P.

Por outro lado, os trabalhadores a recrutar para a mesma carreira e para exercerem iguais funções públicas ao serviço do mesmo instituto público.

Os trabalhadores que vierem a ingressar, ex novo, na carreira de técnico de emergência pré-hospitalar irão auferir uma remuneração base no valor de (euro) 738,05, ao passo que 1038 dos 1058 trabalhadores que transitaram de carreiras a extinguir auferem uma remuneração base de apenas (euro) 692,71.

Assim, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República é chamado a pronunciar-se acerca da questão concretamente enunciada nestes termos:

«Perante o disposto no n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 19/2016, de 15 de abril, que determinou a colocação numa posição remuneratória dos trabalhadores que transitaram para a carreira TEPH inferior àquela em que serão posicionados os novos TEPH que, por isso, irão usufruir ab initio uma remuneração base superior, não serão colocados em causa princípios em matéria laboral e constitucional, nomeadamente as seguintes normas - n.º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro(2), n.º 2 do artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho(3), e alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa?».

A iniciativa vem acompanhada pelo parecer n.º 3/2017, da Exma. Auditora Jurídica, concluído em 10 de abril de 2017, e por dois ofícios remetidos ao Exmo. Chefe do Gabinete de Vossa Excelência, a saber, o ofício n.º 1330, de 13 de março de 2017, da parte do Exmo. Presidente do Conselho Diretivo do INEM, I. P., e o ofício S-3719/2017/ACSS, de 24 de março de 2017, da parte de um dos vogais do Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), I. P.

Vem ainda solicitada urgência na apreciação requerida a este corpo consultivo(4), considerando o facto de se encontrar em marcha o ingresso de 100 novos trabalhadores na mencionada carreira especial(5), o que convola a abstração das dúvidas expostas por Vossa Excelência em questões concretas e de crescente relevância social.

Distribuído o pedido(6), cumpre-nos formular projeto de parecer com a maior brevidade possível, o que justifica centrarmo-nos no essencial das questões controvertidas.

§1.º Da nova carreira especial de técnico de emergência pré-hospitalar: posicionamento dos novos trabalhadores v. reposicionamento remuneratório dos trabalhadores transitados de anteriores carreiras do INEM, IP.

No centro das questões controvertidas encontra-se o Decreto-Lei n.º 19/2016, de 15 de abril (carreira especial de técnico de emergência pré-hospitalar) e em especial, o conteúdo do artigo 18.º, cujo teor se transcreve na íntegra:

«Artigo 18.º

(Transição para a carreira especial de técnico de emergência pré-hospitalar)

1 - Transitam para a carreira especial de TEPH os trabalhadores pertencentes ao mapa de pessoal do INEM, I. P., atualmente integrados nas carreiras de técnico de ambulância de emergência, de técnicos operadores de telecomunicações de emergência, incluindo aqueles que transitaram para a carreira de assistente técnico ao abrigo do Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de julho, e os auxiliares de telecomunicações e emergência com contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, desde que detentores dos requisitos previstos no artigo anterior.

2 - Os trabalhadores acima referidos transitam para a categoria de técnico de emergência pré-hospitalar, sendo reposicionados em termos remuneratórios de acordo com o disposto no...

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