Parecer n.º 10/2017

Data de publicação28 Julho 2017
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 10/2017

Videovigilância - Atividade policial ou de segurança

Investigação criminal

1 - O regime sobre utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum (RUCVFSS) aprovado pela Lei n.º 1/2005, de 29 de julho, na redação que se encontra em vigor após a revisão operada pela Lei n.º 9/2012, de 23 de fevereiro, visa a manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes restringindo a utilização de câmaras em contextos espaciais de uso comum à prossecução de um conjunto de finalidades específicas enunciadas taxativamente na lei, atento, nomeadamente, o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, do RUCVFSS.

2 - A admissão da instalação e utilização de câmaras regulada no RUCVFSS compreende um procedimento complexo com as seguintes etapas:

a) Pedido de autorização formulado por dirigente máximo de força ou serviço de segurança ou por presidente de câmara municipal;

b) Parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD);

c) Decisão de autorização do membro do Governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente ou que vai monitorizar as câmaras (quando a instalação foi requerida por presidente de câmara municipal), a qual é suscetível de delegação nos termos legais.

3 - O parecer da CNPD proferido ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, do RUCVFSS está funcionalmente vinculado à dimensão relativa ao tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização de dados pessoais, e as eventuais análises e recomendações relativas à captação e gravação de imagens e/ou sons estão dependentes de específicas conexões com o potencial tratamento de dados de pessoas individualizáveis.

4 - A pronúncia da CNPD ao abrigo do artigo 3.º, n.os 2 e 7, do RUCVFSS não é vinculativa para a entidade com competência decisória ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1, do RUCVFSS, a qual pode, nomeadamente, rejeitar eventuais recomendações da CNPD relativas à captação e gravação de imagem e som e proferir decisão de autorização apesar de parecer negativo da entidade administrativa independente.

5 - A utilização de câmaras de vídeo regulada pelo RUCVFSS apenas pode compreender a captação de sons quando, além das finalidades referidas na conclusão 1.ª, se verifique perigo concreto para a segurança de pessoas e bens.

6 - O regime estabelecido no RUCVFSS sobre a captação e gravação de som por câmaras de vídeo utilizadas ao abrigo desse diploma deriva de uma ponderação legislativa sobre colisões entre liberdades e segurança.

7 - As limitações e condições de uso do sistema devem ser estabelecidas na decisão governamental de autorização e os requisitos técnicos mínimos do equipamento têm de ser prescritos, ouvida a CNPD, por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna, ao abrigo do artigo 5.º, n.os 3 e 7, do RUCVFSS.

8 - A eventual captação e gravação de sons depende de um juízo da força ou serviço de segurança responsável pela utilização das câmaras sobre a necessidade, adequação e proporcionalidade dessa captação em face dos específicos fins de manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes prosseguidos bem como dos efeitos colaterais sobre direitos individuais à privacidade e palavra, no quadro estabelecido pelo artigo 272.º, n.os 1 a 3, da Constituição, e pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.os 3 e 7, 6.º, n.º 1, e 7.º, n.os 1 e 3, do RUCVFSS e dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.º 2, 30.º e 32.º, da Lei de Segurança Interna aprovada pela Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto.

9 - A utilização de câmaras de vídeo ao abrigo do RUCVFSS para abranger interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência quando não exista consentimento dos proprietários e de quem o habite legitimamente carece de autorização judicial, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 7.º do RUCVFSS.

10 - Relativamente a conversas realizadas em espaço público de utilização comum, a circunstância de se destinarem a um universo restrito de ouvintes unidos por uma expetativa de reserva e sigilo não determina uma proteção irrestrita contra a suscetibilidade de captação de sons, sendo certo que, em regra, as conversas com relevo para prevenção de infrações penais e que envolvem perigo concreto para a segurança de pessoas e bens compreendem pactos de silêncio e pretensões de que o seu conhecimento seja reservado aos diretamente envolvidos na interação comunicativa.

11 - Em sede de captação e gravação de imagens e sons por câmaras de vídeo utilizadas ao abrigo do RUCVFSS, as ponderações casuísticas sobre colisões entre os valores de tutela da privacidade, proteção da imagem e palavra com as exigências de prevenção relativas a perigo(s) concreto(s) para segurança de pessoas e bens são empreendidas, no quadro estabelecido legalmente, pelas forças ou serviços de segurança em sintonia com a arquitetura sistémico-funcional estabelecida no artigo 272.º da Constituição e em coerência com o modelo subjacente ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, e à Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, também de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados.

12 - Existindo notícia de crime relativamente ao qual a gravação realizada ao abrigo do RUCVFSS pode compreender elementos de investigação e/ou prova, deve ser transmitida ao Ministério Público a fita ou suporte original das imagens e sons, com o objetivo de as ponderações sobre colisões de valores relativos, por um lado, à tutela da privacidade, proteção da imagem e palavra e, por outro, aos interesses e fins do processo penal, nomeadamente de recolha e preservação de meios de prova, serem empreendidas por autoridade judiciária, atentas, nomeadamente, as disposições dos artigos 8.º, n.º 1, do RUCVFSS e dos artigos 124.º, 164.º, 165.º, 167.º, 171.º, 242.º, 248.º e 249.º do Código de Processo Penal.

Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna

Excelência:

I. Relatório

A consulta foi determinada por Sua Excelência a Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna com indicação do seguinte assunto: Interpretação dos requisitos de admissibilidade da captação e gravação de som no âmbito da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 39-A/2005, de 29 de julho, 53-A/2006, de 29 de dezembro e 9/2012, de 23 de fevereiro (1).

Cumpre emitir parecer atenta, nomeadamente, a urgência referida na solicitação.

II. Fundamentação

§ II.1 Objeto do parecer e enquadramento metodológico

A questão objeto de consulta foi colocada pelo membro do Governo competente ao abrigo do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público (EMP).

A consulta visa a pronúncia sobre questões jurídico-práticas no quadro funcional da Administração Pública.

A entidade consulente, depois de apresentação do tema, identifica três questões objeto da consulta nos seguintes termos:

«a) Decorre da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 39-A/2005, de 29 de julho, 53-A/2006, de 29 de dezembro e 9/2012, de 23 de fevereiro, que a captação e gravação de som, no caso de verificação de perigo concreto para a segurança de pessoas e bens, não é admissível quando a captação e gravação de som, nessas particulares situações, afete conversas de natureza privada?

b) Encontra-se no âmbito das competências e atribuições da CNPD determinar a proibição total de captação e gravação de som, independentemente dos seus pressupostos de admissibilidade?

c) À luz da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 39-A/2005, de 29 de julho, 53-A/2006, de 29 de dezembro e 9/2012, de 23 de fevereiro, quais os pressupostos de admissibilidade de captação e gravação de som?».

A fundamentação da consulta subscrita por Sua Excelência a Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna compreende, nomeadamente, referências a casos concretos e pareceres da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) (2).

Elementos ilustrativos e clarificadores sobre as questões suscitadas que foram devida e claramente recortadas pela entidade consulente por referência a dimensões genéricas de legalidade, relativamente às quais os casos concretos apresentados apenas servem como exemplificadores da problemática suscita, não integrando nos seus particularismos o objeto da consulta. Neste domínio importa ressaltar que, embora nos casos concretos que acompanham o pedido de consulta sejam controvertidas especificidades dos procedimentos de renovação de autorizações, a consulta tem por referência apenas o procedimento de admissão inicial da instalação de sistemas de videovigilância.

A delimitação do âmbito da consulta tem de respeitar os termos das questões colocadas. Já o enquadramento jurídico dos problemas suscitados será da responsabilidade do Conselho Consultivo, de acordo com uma matriz conformada pelos princípios da legalidade e objetividade.

As questões apresentadas na consulta reportam-se ao exercício de competências estaduais de órgãos concretos, no caso do Governo (e organismos na dependência orgânica do Ministro da Administração Interna) no âmbito do regime legal sobre a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum.

Importa reiterar neste domínio as considerações formuladas no parecer n.º 45/2012, de 15 de janeiro de 2013 (3), que se aplicam ao presente:

«O Conselho Consultivo pode ser convocado, no exercício de função consultiva facultativa, para se pronunciar sobre condições de ação que podem envolver a sistematização de regras advenientes da interpretação jurídica da lei trabalhando sobre dados...

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