Parecer n.º 83/2007, de 30 de Julho de 2008

Parecer n. 83/2007

Militar das Forças Armadas - Estatuto do Trabalhador-Estudante - Direitos económicos, sociais e culturais - Restriçáo de direitos - Dever de disponibilidade - Licença para estudos - Colisáo de direitos - Princípio da concordância prática

  1. O direito fundamental à protecçáo das condiçóes de trabalho dos trabalhadores -estudantes, consagrado no artigo 59, n. 2, alínea f), da Constituiçáo da República Portuguesa, encontra -se, hoje, densificado no Código do Trabalho (artigos 79 a 85) e na Lei n. 35/2004, de 29 de Julho (artigos 147 a 156);

  2. Os artigos 79 a 85 do Código do Trabalho e 147 a 156 da Lei n. 35/2004 - regime do trabalhador -estudante - aplicam -se à relaçáo jurídica de emprego público que confira ou náo a qualidade de funcionário ou agente da Administraçáo Pública, por força do disposto no n. 2 daquele artigo 147;

  3. De acordo com o n. 1 do artigo 35 da Lei n. 29/82, de 11 de

    Dezembro - Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas -, as Forças Armadas inserem -se na administraçáo directa do Estado através do Ministério da Defesa Nacional;

  4. Os militares dos quadros permanentes das Forças Armadas incluem-se, pois, no conceito de emprego público;

  5. As restriçóes ao exercício de direitos fundamentais previstas nos artigos 31 a 31 -F da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, em conformidade com o artigo 270 da Constituiçáo, náo abarcam os direitos económicos, sociais e culturais em que se integra o direito à protecçáo das condiçóes de trabalho dos trabalhadores -estudantes;

    34154 6ª Assim, o regime do trabalhador -estudante, constante do Código do Trabalho e da Lei n. 35/2004, é aplicável aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas;

  6. A compatibilizaçáo entre o exercício do direito fundamental à protecçáo das condiçóes de trabalho dos trabalhadores -estudantes e o dever de disponibilidade que impende sobre os militares dos quadros permanentes das Forças Armadas haverá de fazer -se segundo o princípio da harmonizaçáo ou da concordância prática.

    Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Excelência:

    I - Dignou -se Vossa Excelência solicitar a emissáo de parecer do Conselho Consultivo sobre a matéria da «aplicabilidade do Estatuto do Trabalhador -Estudante aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas», com a urgência possível1, concordando com o entendimento expresso no parecer de 10 de Dezembro de 2007 do Auditor Jurídico.

    Ali se reconhece que se impóe definir uma orientaçáo, pois, o pare-cer produzido pelo seu antecessor2 evidencia orientaçáo divergente da contida no Parecer n. 6/97, de 9 de Junho de 19993, deste Conselho Consultivo e bem assim no Acórdáo, de 16 de Novembro de 2004, do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n. 777/04.

    Cumpre, assim, emitir parecer.

    II - Com vista a um mais completo enquadramento, afigura -se pertinente atentar nos elementos que o processo fornece.

    1. Na sequência de expediente recebido a partir de exposiçóes de dois oficiais do Exército, na Direcçáo -Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, foi elaborado, em 19 de Setembro de 2007, o Parecer n. 422/DSCJE/DTJ sobre a aplicabilidade do Estatuto do Trabalhador-Estudante aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas, onde se concluiu:

      Nos termos do disposto no n. 2 do artigo 147 da Lei n. 35/2004, de 29 de Julho, os artigos 79 e 85 do Código do Trabalho e a respectiva regulamentaçáo aplicam -se à relaçáo jurídica de emprego público que confira ou a náo a qualidade de funcionário ou agente da Administraçáo Pública.

      Embora constituindo um corpo especial, os militares estáo integrados na Administraçáo Directa do Estado, através do Ministério da Defesa Nacional (n 1 do artigo 35 da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA), aprovada pela Lei n. 29/82, de 11 de Dezembro, na redacçáo que lhe foi conferida pelas Leis n.os 41/83, de 21 de Dezembro, 111/91, de 29 de Agosto, 113/91, de 29 de Agosto, 18/95, de 13 de Julho e Lei Orgânica n. 4/2001, de 30 de Agosto), encontrando -se inseridos no conceito de funcionário público em sentido amplo.

      Atento o exposto supra, consideramos que o ETE [Estatuto do Trabalhador -Estudante] é aplicável aos militares do QP, náo sendo incompatível com o dever de permanente disponibilidade para o serviço (alínea f) do artigo 2 da Lei n. 11/89, de 11 de Junho (BGECM) e n. 1 do artigo 14 do EMFAR).

      Inserindo -se as restriçóes dos direitos dos militares nos chamados "estatutos ou relaçóes especiais de poder", a necessidade de os seus direitos serem conjugados com outros princípios constitucionais deve "(...) preservar o equilíbrio entre o respeito pela liberdade das pessoas e a prossecuçáo dos fins institucionais".

      Verificamos que náo obstante os militares, no caso em análise os do QP, se encontrarem sujeitos aos mesmos deveres, designadamente o de disponibilidade permanente, existe um entendimento diverso sobre esta matéria entre os ramos das Forças Armadas: a Marinha4x e a Força Aére-a5xx aplicam o Estatuto do Trabalhador -Estudante a todos seus militares, no que respeita ao Exército, o Estatuto do Trabalhador -Estudante náo se encontra a ser aplicado aos militares do QP, por força do Despacho do Chefe do Estado -Maior do Exército, de 8 de Outubro de 2000.

      Atento o facto de os ramos terem um entendimento divergente nesta matéria, sugere -se que a mesma seja apreciada em Conselho de Chefes de Estado -Maior, por forma a que a prática dos três ramos assegure a necessária uniformidade na aplicaçáo deste regime

      .

      E, tendo aquele parecer, que mereceu a concordância do Director--Geral, sido remetido ao Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, veio, em 27/9/2007, a ser exarado por Vossa Excelência o seguinte despacho:

      Ao Auditor Jurídico do MDN para parecer antes do assunto ser submetido a parecer do CCEM.

      Dê -se conhecimento ao Gab. MDN, Gab. CEMGFA, CEMA, CEME e CEMFA. Também à DGPRM.

      Foi, entáo, elaborado pelo Auditor Jurídico do MDN o Parecer n. 10/07, em 4 de Outubro de 2007, que terminou com as seguintes conclusóes:

      1ª - O Estatuto do Trabalhor -Estudante previsto nos artigos 79 a 85 do Código do Trabalho, aplica -se à relaçáo jurídica de emprego público, que confira ou náo a qualidade de funcionário ou agente da Administraçáo Pública, nos termos do artigo 147, n. 2, da Lei n. 35/2004, de 29 de Julho;

      2ª - Os princípios gerais em matéria de emprego público constam do DL n. 184/89 de 2 de Junho e aplicam -se aos serviços e organismos da Administraçáo Pública, incluindo as Forças Armadas, de acordo com o disposto nos artigos 2 e 3 deste diploma legal;

      3ª - As Forças Armadas inserem -se na administraçáo directa do Estado, através do Ministério da Defesa Nacional (artigos 1, n. 1, da Lei n. 111/91 de 29 de Agosto, 35, n. 1, da Lei n. 29/82 de 11 de Dezembro e 2, da Lei n. 4/2004 de 15 de Janeiro), pelo que os militares sáo funcionários públicos, no sentido amplo da expressáo;

      4ª - Os militares gozam de todos os direitos reconhecidos aos demais cidadáos, com as restriçóes previstas no artigo 31, n. 1 da Lei n. 29/82 de 11 de Dezembro, na redacçáo dada pela Lei Orgânica n. 4/2001 de 30 de Agosto, atento o disposto no artigo 18, n. 1, do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo DL n. 236/99 de 25 de Junho, o qual se aplica aos militares das Forças Armadas em qualquer situ-açáo e forma de prestaçáo de serviço, nos termos dos seus artigos 2 e 3;

      5ª - Tendo em conta o que consta das conclusóes anteriores, e porque a tal náo obstam as restriçóes mencionadas no n. 1, do citado artigo 31, da Lei n. 29/82 de 11 de Dezembro, é aplicável aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas, o exercício do direito a beneficiar do Estatuto do Trabalhador -Estudante previsto na conclusáo 1ª;

      6ª - Porque os militares das Forças Armadas devem manter permanente disponibilidade para o serviço, de acordo com o disposto no artigo 14, n. 1, do EMFAR, e no artigo 2, al. f) do Estatuto da Condiçáo Militar, aprovado pela Lei n. 11/89 de 1 de Junho, o exercício do direito a usufruir do Estatuto do Trabalhador -Estudante deve ser harmonizado com o cumprimento daquele dever, de acordo com o estipulado no artigo 31, n. 4, da Lei n. 29/82 de 11 de Dezembro, na redacçáo dada pela mencionada Lei Orgânica n. 4/2001 de 30 de Agosto.

      Após o despacho, de 9 de Outubro de 2007, de Vossa Excelência, em que era proposto que o assunto fosse submetido a parecer do CCEM, o General Chefe do Estado -Maior -General das Forças Armadas determinou o envio para vossa consideraçáo de uma análise prévia que julgava adequado, face ao parecer de 1999 deste Conselho Consultivo e ao Acórdáo de 16 de Novembro de 2004 do STA, proferido no processo n. 777/04, bem como ao "Regulamento de Incentivos", aprovado pelo Decreto-Lei n. 320 -A/2000, de 15 de Dezembro, que o assunto fosse objecto de reanálise pelo Auditor Jurídico, o que, como vimos, veio a acontecer, dando origem ao pedido do presente parecer.

    2. Retira -se, desde logo, o entendimento diferente que tem vindo a ser seguido, por um lado, pela Marinha e Força Aérea - que aplicam o Estatuto do Trabalhador -Estudante a todos os seus militares - e, por outro lado, o Exército - que náo aplica aquele regime aos militares do Quadro Permanente (QP).

      Na verdade, pelo Vice -Almirante Vice -Chefe do Estado -Maior da Armada, no exercício das funçóes de Chefe do Estado -Maior da Armada, foi emitido o Despacho n. 59/93, de 24 de Agosto, com o seguinte teor:

      Tendo presente que constitui dever do militar desenvolver, de forma continuada, as suas aptidóes visando a valorizaçáo profissional;

      Considerando, também, que o normativo regulador da frequência de cursos em organismos ou estabelecimentos estranhos à Marinha, por iniciativa dos seus militares, se encontra desajustado perante os quadros legal e sócio -cultural actuais;

      Tendo, ainda, em conta o facto de se terem institucionalizado na Marinha programas de formaçáo, com recurso a entidades formadoras externas, que...

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