Parecer n.º 49/2003, de 14 de Julho de 2006

Parecer n.o 49/2003

Estabelecimento prisional - Serviços prisionais - Advogado - Detido - Medida de segurança - Direito de visita - Revista - Incomunicabilidade do detido - Direitos fundamentais.

A utilizaçáo de detectores de metais, mediante passagem no pórtico ou por detector manual, em relaçáo a advogado que acede ao interior de estabelecimento prisional, para comunicar com cliente seu, náo colide com os direitos constitucionais e legais que lhe assistem no exercício da sua profissáo.

Sr. Ministro da Justiça:

Excelência:

I - A antecessora de V. Ex.a, tendo-se dignado concordar com a proposta do Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais (1) formulada nesse sentido, solicitou a audiçáo deste Conselho Consultivo (2) sobre a admissibilidade da sujeiçáo dos advogados a controlo de detecçáo de metais, através de passagem no pórtico ou detector manual, nas visitas aos estabelecimentos prisionais, em face das dúvidas e oposiçáo expressas por alguns causídicos.

Os termos da questáo, expostos no ofício dirigido pelo director-geral dos Serviços Prisionais à entáo Ministra da Justiça (3) estáo assim delineados:

Na sequência das questóes colocadas pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados relativamente à forma como os advogados eram tratados pelo sistema prisional aquando das suas visitas a reclusos e depois de analisadas as respostas a breve inquérito sobre as alegadas formas de tratamento e feita reflexáo jurídica sobre o assunto, exarei despacho orientador [. . .].

Tal despacho foi comunicado ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, sendo certo que resulta dos contactos com o Conselho que a questáo do controlo de advogados por detector de metais suscita dúvidas e mesmo oposiçáo por parte de alguns causídicos.

Tenho por certo que a posiçáo expressa no meu despacho orientador, e que, nalguns aspectos, era já a dos serviços, é a adequada. No entanto, creio que o assunto poderia merecer a análise do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o que poderia dilucidar de forma definitiva a questáo.

[...].

Apesar do despacho a que o ofício alude compreender diversas matérias, nomeadamente sobre revistas pessoais a advogados, estabelecendo que estas só sáo possíveis nos estritos termos legais, a única que se apresenta directamente questionada e sobre a qual o Conselho é chamado a pronunciar-se mostra-se assim redigida:

2 - Uso de detectores de metais. - Trata-se de uma medida de controlo de segurança indispensável, por razóes de segurança dos EP, mas, também, dos próprios visitantes. Os advogados sáo sujeitosao controlo de detecçáo de metais, através de passagem no pórtico, ou detector manual. No caso de ser sinalizado algum metal, deve, com toda a correcçáo, ser solicitado ao advogado que verifique a origem do sinal até se identificar a mesma

(4).

A medida adoptada, «no contexto das normas aplicáveis», funda-se na «existência de actuaçóes diversas por parte dos estabelecimentos prisionais (EP) relativamente ao tratamento de advogados que os visitam, em termos de controlo e segurança de horários» e é explicada pela necessidade de «tratamento institucional adequado relativamente a advogados e à dignidade que lhes é imanente, e de uniformizaçáo desejável e imprescindível de procedimentos no sistema», bem como «para prevenir a entrada nos EP de objectos que sejam armas, ou possam servir como tal», e de acautelar também aqueles que delas sáo objecto, pois «[b]asta náo ignorar a experiência e saber que, havendo conhecimento de procedimento que isentasse os advogados de controlos de segurança, os mesmos passariam a ser potenciais alvos de processos coactivos tendentes, designadamente, à introduçáo de armas nos EP, com risco grave para os próprios advogados, seus familiares, funcionários prisionais e, eventualmente, terceiros».

Acrescenta-se, ademais que «[o]s advogados devem ser informados, antes das visitas, das disposiçóes normativas às mesmas aplicáveis, designadamente que lhes é vedado, nos termos do artigo 37.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 265/79, de 1 de Agosto, entregar seja o que for ao recluso, com a excepçáo dos escritos e documentos referidos no n.o 2 do mesmo artigo».

Delimitado e concretizado o objecto da consulta, cumpre emitir parecer.

II-1-O enunciado da questáo deixa supor que a sua resoluçáo passa pela abordagem do estatuto do advogado, qualquer que seja a veste funcional em que se apresente, mas sobretudo como defensor ou patrono, quando necessita de comunicar com cliente detido em estabelecimento prisional, e também pelo exame do regime jurídico aplicável aos cidadáos privados de liberdade, em estabelecimentos prisionais do Ministério da Justiça.

Tendo presente essas duas vertentes, considerar-se-á, primeiramente, o estatuto do advogado, sob o prisma constitucional e legal, com vista a indagar se o mesmo é incompatível com a medida de controlo de segurança consubstanciada na submissáo de advogado à detecçáo de metais, no modelo adoptado, e no quadro do regime que o legislador consagrou para as visitas aos cidadáos privados da liberdade.

2 - Na versáo originária, a Constituiçáo da República náo reservava nenhuma referência ao advogado (5), embora estivesse imbuída de precipitaçóes induzindo a sua compreensáo, como decorria, nomeadamente, do disposto no artigo 20.o, n.o 2, que entáo apenas conferia o direito fundamental de acesso ao direito, «à informaçáo e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário», ou no artigo 32.o, relativo às garantias do processo criminal, matéria onde a presença e a participaçáo destes profissionais do foro mais é reclamada.

Com a revisáo constitucional de 1997 (6), o conceito de «advogado» foi introduzido nas normas constitucionais. Assim acontece no artigo 20.o, n.o 2, quando consagra o direito de todos a «fazer-se acompanhar de advogado perante qualquer autoridade» (7), no n.o 3 do artigo 32.o, estabelecendo o princípio de que compete à lei ordinária especificar os casos e as fases do processo criminal em que a assistência por advogado é obrigatória, e no artigo 208.o (8), prevendo que «[a] lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato (9) e regula o patrocínio forense (10) como elemento essencial à administraçáo da justiça».

Traço característico comum a todos estes preceitos constitucionais é a devoluçáo da regulamentaçáo das realidades que cada um contempla para a lei ordinária, como resulta da expressáo «nos termos da lei», usada no artigo 20.o, n.o 2, ou «a lei», nas demais normas.

Consideremos aquela norma (artigo 208.o) com mais atençáo, tendo em conta que muitas das situaçóes de visitas de advogados a estabelecimentos prisionais relevaráo de relaçóes de mandato ou de patrocínio estabelecidas entre aqueles e os seus clientes que aí se encontram privados da liberdade.

No desenvolvimento do texto constitucional, a Lei n.o 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organizaçáo e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (11), veio estabelecer no artigo 6.o, sob a epígrafe «Advogados», que «[o]s advogados participam na administraçáo da justiça, competindo-lhes, de forma exclusiva e com as excepçóes previstas na lei, exercer o patrocínio das partes» (n.o 1), e no artigo 114.o, n.o 1, que «a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administraçáo da justiça».

Também o artigo 54.o do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) (12), relativo ao mandato judicial e à representaçáo por advogado, preceitua que «[o] mandato judicial, a representaçáo e a assistência por advogado sáo sempre admissíveis e náo podem ser impedidos perante qualquer jurisdiçáo, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para a defesa de direitos, patrocínio de relaçóes jurídicas controvertidas, composiçáo de interesses ou em processos de mera averiguaçáo, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza» (n.o 1), náo podendo o mandato judicial «ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha directa e livre do mandatário pelo mandante» (n.o 2).

Foi afirmado que a amplitude dos termos utilizados no n.o 1 do artigo 54.o do EOA «só pode significar que o advogado está legalmente autorizado a acompanhar o seu constituinte sempre que este precise da assistência dele: seja na esquadra da polícia seja para inquiriçáo como testemunha em instruçáo criminal; quer para prestar declaraçóes em processo disciplinar quer na assembleia geral da sociedade recreativa» (13).

Também António Arnault (14) sustenta que o mesmo artigo 54.o «consagra a competência plena do advogado 'perante qualquer jurisdiçáo, autoridade ou entidade', reconhecendo, assim, a relevância pública e social da profissáo» (em itálico no original).

Todavia, como este Conselho já referiu (15), o preceito legal em causa náo deixa «de poder ter, no plano da sua concretizaçáo, uma leitura menos abrangente resultante quer da sua teleologia, ligada à defesa de direitos e interesses no âmbito de procedimento a que o próprio representado ou assistido náo é alheio, quer da necessidade da sua compatibilizaçáo com outros quadros e disposiçóes legais». Efectivamente, a «remissáo constitucional para a lei náo é táo-só a remissáo para o Estatuto da Ordem dos Advogados (embora o seja também para este Estatuto). Por outro lado, o n.o 1 do artigo 54.o deste diploma náo é uma norma de valor absoluto, aplicável, em toda a sua extensáo, em qualquer circunstância e em espaços procedimentais que contêm, eles próprios, regras específicas reguladoras da intervençáo de advogado».

Fixados os limites e o conteúdo em que o preceito legal deve ser entendido, importa ainda acrescentar que, examinando o Estatuto da Ordem dos Advogados, náo se encontra norma alguma que, para o específico aspecto que nos ocupa, consagre um direito dos advogados a serem dispensados da observância de regras de segurança norma-tivamente fixadas nos estabelecimentos prisionais.

Pelo contrário, o artigo 62.o...

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