Parecer n.º 2/2008, de 17 de Janeiro de 2008

Parecer n. 2/2008

I

Dignou -se Vossa Excelência solicitar o parecer deste Conselho Consultivo sobre as dúvidas suscitadas pela interpretaçáo e aplicaçáo do artigo 10. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos às Forças Armadas, no sentido de saber a quem pertence a legitimidade processual passiva nas acçóes administrativas especiais interpostas nos

Tribunais Administrativos contra actos ou omissóes dos Chefes de Estado-Maior (CEM) dos diversos ramos das Forças Armadas, «tendo em conta a especial natureza administrativa dos Ramos das Forças Armadas».

Cumpre, pois, emitir parecer com a urgência solicitada.

II

1. Duas notas preliminares.

Uma para sublinhar que a natureza urgente do parecer reclama um compromisso entre o extensáo e aprofundamento dos temas a tratar e

N. O. Nome Naturalidade

Data de nascimento

Situaçáo actual

Data da nomeaçáo

21-06-2004

344 JOAQUIM CONSTANTINO BALTAZAR MOREIRA

DA SILVA

380 JOSÉ JOAQUIM MARCELO PENAMACOR 17-07-1959 0 4 2 Tribunal Administrativo Fiscal - Contencioso Administrativo - LISBOA

01-09-2006

01-09-2006

2356 a celeridade na preparaçáo da resposta, pelo que alguns aspectos náo essenciais poderáo náo ser objecto de maior desenvolvimento.

A outra, para destacar, como decorre da documentaçáo junta, onde se dá conta da submissáo aos tribunais da matéria litigiosa similar à do objecto do parecer, que a posiçáo a perfilhar pelo Conselho Consultivo sobre as questóes submetidas à sua apreciaçáo náo vincula os tribunais.

Com efeito, como tem sido abundantemente sublinhado pelo Conselho Consultivo e decorre da lei [artigos 34., alínea a), e 40., n. 1, da Lei n. 47/86, de 15 de Outubro], os pareceres emitidos por este órgáo nos limites da sua competência, restritos à matéria de legalidade nos casos de consulta obrigatória previstos na lei e naqueles em que o Governo o solicite, sobre disposiçóes de ordem genérica, quando homologados e publicados no esclarecer.

Porém, essa interpretaçáo náo vincula os tribunais, os quais, nos termos da Constituiçáo da República (CRP), sáo independentes e apenas estáo sujeitos à lei (artigo 203.), sendo as suas decisóes obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo ainda sobre as de quaisquer outras autoridades (artigo 205., n. 2).

2 - A disposiçáo do artigo 10. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) preceitua o seguinte:

Artigo 10.

Legitimidade passiva

1 - Cada acçáo deve ser proposta contra a outra parte na relaçáo material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.

2 - Quando a acçáo tenha por objecto a acçáo ou omissáo de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgáos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgáos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.

3 - Os processos que tenham por objecto actos ou omissóes de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, sáo intentados contra o Estado ou a outra pessoa colectiva de direito público a que essa entidade pertença.

4 - O disposto nos dois números anteriores náo obsta a que se considere regularmente proposta a acçáo quando na petiçáo tenha sido indicado como parte demandada o órgáo que praticou o acto impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensáo do interessado, considerando -se, nesse caso, a acçáo proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgáo pertence.

5 - Havendo cumulaçáo de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas colectivas ou ministérios, devem ser demandados as pessoas colectivas ou os ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensóes formuladas.

6 - Nos processos respeitantes a litígios entre órgáos da mesma pessoa colectiva, a acçáo é proposta contra o órgáo cuja conduta deu origem ao litígio.

7 - Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relaçóes jurídico -administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.

8 - Sem prejuízo da aplicaçáo subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervençáo de terceiros, quando a satisfaçáo de uma ou mais pretensóes deduzidas contra a Administraçáo exija a colaboraçáo de outra ou outras entidades, para além daquela contra a qual é dirigido o pedido principal, cabe a esta última promover a respectiva intervençáo no processo.

Como adiante melhor se analisará (infra ponto IV), as dúvidas decorrem essencialmente do preceituado no n. 2, que é uma disposiçáo inovadora no regime processual actualmente em vigor, no sentido de determinar se a legitimidade passiva nas acçóes administrativas especiais interpostas nos tribunais administrativos, por actos ou omissóes dos CEM, pertence ao Ministério da Defesa Nacional (MDN) ou, ao invés, aos respectivos Chefes de Estado -Maior.

3. O General Chefe do Estado -Maior da Força Aérea, pronunciando -se sobre a questáo, exprime -se, em síntese, nos seguintes termos:

Os CEM detêm um amplo leque de competências próprias e exclusivas, entre elas «as previstas no Decreto -Lei n. 264/89, de 18 de Agosto, em matéria de pessoal civil, e no EMFAR, em matéria de pessoal militar»;

No âmbito das competências que lhes estáo legal e exclusivamente cometidas, os CEM decidem de forma definitiva as situaçóes jurídico -

-funcionais do pessoal militar e do pessoal civil dos respectivos ramos

;

A inserçáo das Forças Armadas na administraçáo directa do estado, através do Ministério da Defesa Nacional, e a consequente dependência dos CEM do Ministro da Defesa Nacional é de natureza estritamente jurídico-política

;

Este entendimento resulta claramente do disposto no número 3 do artigo 1. da LOBOFA, nos termos da qual o Ministro da Defesa Nacional "é politicamente responsável ... pela administraçáo directa das Forças Armadas"

;

Os actos dos CEM praticados no exercício daquelas competências correspondem aos tradicionalmente designados "actos definitivos e executórios", sendo a legitimidade passiva determinada estritamente nos termos do número 1 do artigo 10. do CPTA (...)

;

A admissáo de que a defesa em juízo das decisóes proferidas pelos CEM, no exercício das suas competências autónomas (de promover, de colocar, de louvar, de punir, etc.), só pode ser assegurada por uma entidade administrativa (para este efeito) distinta daqueles (o MDN), importa a subversáo da estrutura de competências dos CEM que actualmente se encontra prevista na lei

.

4. O Senhor Auditor Jurídico do Ministério da Defesa Nacional, chamado a emitir parecer sobre a questáo controvertida, concluiu, na parte que interessa, como segue:

«1ª. Na estrutura superior da defesa nacional e das Forças Armadas, sáo órgáos do Estado directamente responsáveis pela defesa nacional e pelas Forças Armadas, entre outros, o Governo e os Chefes de Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea (artigos 37., n.os 1, alínea c), e 2, alínea c), da Lei n. 29/82, de 11 de Dezembro - lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA);

2ª. Os Chefes de Estado -Maior dos ramos das Forças Armadas dispóem do poder de praticar os actos administrativos, com eficácia externa, compreendidos nas suas competências próprias e exclusivas, actos esses imediatamente impugnáveis contenciosamente através de Acçáo Administrativa Especial (artigos 59., n.os 2 e 4 da LDNFA, artigos 105., n. 6, e 106., n. 1, do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto -Lei n. 236/99, de 25 de Junho, na redacçáo dada pelo Decreto-Lein.197-A/2003, de 30 de Agosto, e 46., n. 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n. 15/2002, de 22 de Fevereiro);

3ª. Tendo sido proposta uma acçáo Administrativa Especial, com

vista à anulaçáo de um acto administrativo produzido por um Chefe de Estado -Maior de um dos ramos das Forças Armadas, parte demandada na Acçáo é o Ministério da Defesa Nacional, por nele se integrar o órgáo a quem é imputável o acto jurídico impugnado (artigos 10., n. 2, e 78., n. 3, do CPTA)

;

4.ª Estando em causa a defesa em juízo de uma decisáo do Chefe de Estado -Maior de um dos ramos das Forças Armadas, nada obsta, do ponto de vista legal, a que o Ministério de Defesa Nacional, possa ser representado por licenciado em direito pertencente aos quadros do respectivo ramo, expressamente designado para o efeito pelo Auditor Jurídico ou pelo responsável pelos serviços jurídicos do Ministério (artigo 11., n.os 1 e 2, do CPTA)

;

(....)

.

III

Expostos os contornos da questáo e em satisfaçáo ao pedido, metodologicamente, a abordagem da mesma considera: o estudo do regime jurídico das Forças Armadas, incluindo a sua inserçáo na administraçáo estadual, na específica dimensáo do objecto da consulta, nas vertentes constitucional e infra -constitucional, com recurso aos contributos doutrinários considerados relevantes, o que se fará neste ponto III; o estudo do regime da legitimidade passiva, constante do CPTA, recenseando as contribuiçóes pertinentes quer dos trabalhos preparatórios do diploma em vigor, quer da doutrina e da jurisprudência (ponto IV); a fundamentaçáo da soluçáo adoptada (ponto V); e a conclusáo (ponto VI).

1. A Constituiçáo da República dedica o Título X da Parte III, sobre a organizaçáo do poder político, à defesa nacional (artigos 273. a 276 .ª

Nos termos do disposto no artigo 273., é obrigaçáo do Estado assegurar a defesa nacional (n. 1), tendo esta por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituiçóes democráticas e das convençóes internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populaçóes contra qualquer agressáo ou ameaça externas (n. 2).

O artigo 275. respeita especificamente às Forças Armadas, tendo a seguinte redacçáo:

Artigo 275.

Forças Armadas

1 - às...

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