Acórdão n.º 469/2007, de 30 de Outubro de 2007

Acórdáo n.o 469/2007

Processo n.o 710/2006

Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

1- Relatório:

1.1 - Agostinho José Ferreira Veloso e José Maria Ferreira Veloso interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)don.o 1 do artigo 70.o da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.o 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 2006 - que, concedendo provimento a recurso de revista interposto por Rede Ferroviária Nacional - REFER, E. P., revogou o Acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Guimaráes de 16 de Novembro de 2005 (que concedera parcial provimento à apelaçáo deduzida pelos ora recorrentes), ficando a subsistir o decidido na sentença do Tribunal da Comarca de Braga de 6 de Abril de 2005 -, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violaçáo dos princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnizaçáo e do direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 13.o e 62.o da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos 23.o, n.o 1, 25.o, n.os 2 e 3, 26.o, n.o 12, e 27.o do Código das Expropriaçóes, aprovado pela Lei n.o 168/99, de 18 de Setembro, «quando interpretadas no sentido que lhes é atribuído no impugnado acórdáo, isto é, no sentido de excluírem da classificaçáo de solo apto para construçáo ou sequer de mera equiparaçáo directa ou analógica a uma tal classificaçáo - e de remeterem para a classe residual de solo para outros fins - os solos integrados em Reserva Agrícola Nacional, quando expropriados para a construçáo de um terminal ferroviário para apoio a parque industrial, mesmo que a parcela expropriada apresente elementos objectivos indicadores de potencialidade de urbanizaçáo/construçáo - designadamente: i) ser marginada por arruamento com baia de estacionamento e por caminho público pavimentado; ii) estar inserida numa zona em que a construçáo existente é predominantemente de rés-do-cháo e andar e que beneficia de escolas, parques e outros equipamentos desportivos, fazendo parte de aglomerado urbano e encontrando-se nas imediaçóes de aglomerado industrial; iii) dispor de serviço das redes de energia eléctrica, telefónica, saneamento com ligaçáo a estaçáo depuradora, abastecimento de água, etc., e iv) ser destacada de imóvel que se encontra parte em espaço urbanizável e parte na dita reserva e que confronta com terrenos destinados a fins urbanísticos».

1.2 - A sentença do Tribunal da Comarca de Braga de 6 de Abril de 2005 - considerando resultar dos factos provados que a parcela em questáo se enquadra perfeitamente na alínea a) do n.o 2 do artigo 25.o do Código das Expropriaçóes (por confrontar com caminho pavimentado, na extensáo de 122 m, dispondo de rede de distribuiçáo de energia eléctrica, rede telefónica, rede de saneamento e rede de abastecimento de água, estando inserida em aglomerado urbano), embora se encontrasse, à data da declaraçáo de utilidade pública, integrada, pelo Plano Director Municipal (PDM) em vigor, em espaço agrícola integrado em Reserva Agrícola Nacional (RAN), mas sendo certo que a expropriaçáo se destinava à realizaçáo das obras da empreitada de remodelaçáo do troço Nine-Braga, do itinerário ferroviário Porto-Braga, com vista à duplicaçáo e electrificaçáo da via e remodelaçáo das estaçóes e apeadeiros, e que a parcela em concreto se destinava à instalaçáo do terminal de Braga, em Aveleda, para apoio ao parque industrial de Celeirós -, deu conta de que esse Tribunal tinha vindo a decidir classificar este tipo de parcelas como «solo apto para construçáo». Nesse sentido apontariam a eliminaçáo do artigo 25.o do Código das Expropriaçóes de 1999 (correspondente ao artigo 24.o do Código de 1991) de disposiçáo equivalente ao n.o 5 do artigo 24.o do Código de 1991 («Para efeitos de aplicaçáo do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, náo possa ser utilizado na construçáo»), de que resultaria que, dada essa eliminaçáo, o solo que reúna as características de alguma das alíneas do artigo 25.o, ainda que por lei ou regulamento náo seja edificável, deverá ser considerado como «solo apto para construçáo» (neste sentido: Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriaçóes, 2.a ed., 2000, p. 97), devendo entáo utilizar-se o critério do artigo 26.o,n.o 12 (neste sentido: Alípio Guedes, Valorizaçáo de Bens Expropriados, 2.a ed., 2001, pp. 82 e 92), normativo este que significativamente passou a incluir, além dos solos classificados por plano de ordenamento do território como zona verde ou de lazer, também os solos destinados a equipamentos públicos. No entanto, o Tribunal de Braga, no presente caso, decidiu abandonar o referido critério, que vinha adoptando, por entretanto ter sido publicado o Acórdáo n.o 275/2004 do Tribunal Constitucional, que, sem votos de vencido, julgou inconstitucionais, por violaçáo do princípio da igual-dade, consagrado no artigo 13.o da CRP, as normas contidas nos artigos 23.o, n.o 1, e 26.o, n.o 1, do Código das Expropriaçóes de 1999, quando interpretadas no sentido de incluir na classificaçáo de «solo apto para construçáo» e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na RAN, expropriado para implantaçáo de vias de comunicaçáo. Foi por se subordinar a este juízo de inconstitucionalidade que a referida sentença acabou por classificar a parcela expropriada como solo «para outros fins», sendo o valor da indemnizaçáo fixado, nos termos do n.o 3 do artigo 27.o do referido Código, em E 374 999,50 (valor actualizável de acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusáo da habitaçáo).

1.3 - Desta sentença apelaram os expropriados para o Tribunal da Relaçáo de Guimaráes, que, por Acórdáo de 16 de Novembro de 2005, concedeu parcial provimento ao recurso. Começou esse acórdáo por salientar ter a decisáo arbitral, por unanimidade, dividido a parcela expropriada em duas faixas distintas - uma com a área de 4530 m2, que classificou como solo apto para construçáo, e uma outra, com a área de 16 316 m2, que classificou como solo apto para outros fins, fixando a indemnizaçáo global devida pela expropriaçáo (valor da parcela, benfeitorias e desvalorizaçáo das partes sobrantes) em E 480 386. Como os recursos interpostos do acórdáo arbitral visavam: o da expropriante, o valor da indemnizaçáo fixada, mas concordando com a classificaçáo feita quanto às duas faixas de terreno em que dividiu a parcela; e o dos expropriados, o da classificaçáo de uma das faixas como solo apto para outros fins - entendeu a Relaçáo ter-se constituído caso julgado do acórdáo arbitral quanto à classificaçáo como solo apto para construçáo da faixa com a área de 4530 m2, pelo que náo podia o juiz a quo tê-la reclassificado como solo apto para outros fins, sendo de atribuir a essa faixa, de acordo com o laudo unânime dos peritos, o valor de E 120 045. Passando à questáo da classificaçáo da faixa de terreno com a área de 16 316 m2, o Tribunal da Relaçáo, reiterando o argumento já aludido de que da náo reproduçáo, no Código de 1999, da norma do n.o 5 do artigo 24.o do Código de 1991, se pode retirar náo existir obstáculo no Código vigente a que um terreno classificado como área RAN ou REN possa vir a ser classificado como solo apto para construçáo ou equiparado, e citando a doutrina do Acórdáo do Tribunal Constitucional n.o 114/2005, a que adere, concluiu:

Tratando-se no caso de expropriaçáo de parcela de terreno, com vista à instalaçáo de infra-estrutura e equipamento público, que preenche os requisitos da alínea a) do n.o 2 do artigo 25.o do Código das Expropriaçóes, somos levados a classificá-la como solo equiparado a solo apto para construçáo, para efeitos do disposto no n.o 12 do artigo 26.o do Código das Expropriaçóes e consequentemente a determinar que a indemnizaçáo devida aos expropriados, no que respeita à faixa de 16 316 m2, seja calculada em funçáo do valor médio das construçóes existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perí-metro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.

Posto isto, resta dizer que, em face de os Srs. Peritos náo se terem pronunciado sobre a avaliaçáo da parcela expropriada, a perspectiva da sua avaliaçáo como solo equiparado a solo apto para construçáo, tendo em conta o disposto no n.o 12 do artigo 26.o do Código das Expropriaçóes, tem este Tribunal de anular parcialmente o julgamento para que se proceda à dita avaliaçáo, o que se decide ao abrigo do disposto no n.o 4 do artigo 712.o do Código de Processo Civil, devendo o tribunal de 1.a instância, em face dessa avaliaçáo, fixar a justa indemnizaçáo a atribuir aos expropriados pela faixa de 16 316 m2 e pelas partes sobrantes.

1.4 - Deste acórdáo (na parte em que decidiu classificar a faixa de terreno de 16 316 m2 como solo equiparado a solo apto para construçáo para efeito do disposto no n.o 12 do artigo 26.o do Código das Expropriaçóes e da que anulou a sentença com vista à avaliaçáo pericial), interpôs recurso de revista (com fundamento em oposiçáo entre o acórdáo recorrido e o acórdáo da mesma Relaçáo de 19 de Outubro de 2005, processo n.o 1410/2005-2, transitado em julgado) a expropriante Rede Ferroviária Nacional - REFER, E. P., aduzindo, em síntese, que: i) o acórdáo recorrido é contraditório com outrodo mesmo tribunal e assenta em pressupostos náo verificados à data da declaraçáo da utilidade pública da expropriaçáo; ii) a parcela de terreno náo poderá ser classificada como solo apto para construçáo ao abrigo do disposto no n.o 2 do artigo 25.o do Código das Expropriaçóes; iii) a desafectaçáo de terrenos integrados na reserva agrícola nacional para efeitos de expropriaçáo com vista ao melhoramento de uma via ferroviária náo lhes traz maior potencialidade edificativa; iv) por se tratar de realidades distintas, náo é aplicável...

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