Acórdão n.º 522/2006, de 10 de Novembro de 2006

Acórdáo n.o 522/2006

Processo n.o 110/2006

Acordam na 1.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

I- A causa. -1-A Caixa Geral de Aposentaçóes recorre, a fl. 167 - sendo recorrida Lucília das Flores Oliveira Henri-ques - para este Tribunal, nos termos do artigo 70.o, n.o 1, alínea a), da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdáo constante de fl. 155 a fl. 163 v.o do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), indicando como norma recusada nesta decisáo o artigo 41.o, n.o 2, do Estatuto das Pensóes de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 142/73, de 31 de Março, na redacçáo introduzida pelo Decreto-Lei n.o 191-B/79, de 25 de Junho (o diploma será doravante designado por EPS).

Para uma exacta compreensáo do que está em causa no presente recurso de constitucionalidade, importa relatar sucintamente o percurso processual que conduziu o processo à presente fase decisória.

1.1 - Interpôs a ora recorrida (de fl. 2 a fl. 4), no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - e assim se iniciou o presente processo -, uma acçáo ordinária contra a Caixa Geral de Aposentaçóes, pedindo o reconhecimento por esta entidade da sua (da aqui recorrida) situaçáo de carência de alimentos e da qualidade de herdeira hábil da pensáo de sobrevivência, decorrente do falecimento do seu «cônjuge de facto», subscritor da referida Caixa.

Foi tal acçáo julgada procedente (cf. fl. 82 a fl. 87), consignando-se na sentença ser «[a] pensáo [. . .] devida desde o início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário {artigo 36.o, n.o 3 [do] Decreto-Lei n.o 322/90}» (transcriçáo a fl. 87).

1.1.1 - Inconformada, apelou a Caixa Geral de Aposentaçóes, delimitando o recurso ao trecho da decisáo antes transcrito (data do início do pagamento da pensáo).

Decidindo o recurso, consignou o Tribunal da Relaçáo de Coimbra (acórdáo de fl. 124 a fl. 126), fundamentando a confirmaçáo da sentença de 1.a instância:

A base do direito à pensáo de sobrevivência náo é o requerimento do respectivo pagamento, mas a habilitaçáo demonstrativa das condiçóes.

É com a habilitaçáo que se adquire o reconhecimento do direito e quando o beneficiário se apresenta, munido da sentença proferida na habilitaçáo judicial, a requerer o seu pagamento, vai executar esse direito.

Dito de outro modo, é com a habilitaçáo que se requer a pensáo, funcionando aquela como condiçáo ou causa de pedir desta.

Concluímos: o pronome 'a' do inciso do texto 'em que a requeira' da norma do artigo 41.o, n.o 2, do [EPS] refere-se à habilitaçáo judicial e náo ao requerimento do pagamento da pensáo a apresentar na CGA.

Assim sendo, quanto ao pagamento da pensáo, por analogia, secundada pelo princípio da igualdade num ponto em que as situaçóes díspares sáo legalmente identificadas, deve aplicar-se o disposto no artigo 30.o [do EPS] para a habilitaçáo administrativa:

Se a habilitaçáo judicial for requerida no prazo de seis meses contados da data em que se verificar o óbito do contribuinte, presumindo-se que a necessidade de alimentos já existe no momento do óbito, a pensáo de sobrevivência é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que ocorreu o óbito do contribuinte;

Só é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que foi requerida a habilitaçáo judicial, se esta, por inércia do sobrevivente ou por ocorrência superveniente das condiçóes da habilitaçáo, for requerida depois de esgotado o prazo de seis meses a contar do óbito do contribuinte.

[. . .] Ora, no caso, tendo o óbito do subscritor da CGA [. . .] ocorrido em 10 de Agosto de 2002 e tendo sido instaurada a presente acçáo de habilitaçáo judicial em 28 de Outubro de 2002, isto é, dentro do prazo de seis meses a contar daquele óbito, a pensáo de sobrevivência da autora é devida desde o dia 1 de Setembro de 2002, mês seguinte àquele em que se verificou o óbito do contribuinte.

(Transcriçáo a fls. 125 v.o e 126.)

1.1.2 - Recorreu de novo a Caixa Geral de Aposentaçóes, desta feita da revista para o STJ (interposiçáo a fl. 131, alegaçóes de fl. 137

a fl. 141), originando tal recurso a prolaçáo do mencionado acórdáo de fl. 155 a fl. 163 v.o, a decisáo ora recorrida, da qual apresentam interesse para o presente recurso de constitucionalidade as seguintes passagens:

[. . .] a única questáo colocada na revista é a de saber se, no caso concreto, o direito à pensáo de sobrevivência se conta a partir do 1.o dia do mês seguinte àquele em que se requeira tal prestaçáo social, como pretende a recorrente, ou a partir do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, como se decidiu na sentença de 1.a instância e foi confirmado pelo acórdáo recorrido.

[...]

Segundo o disposto no artigo 41.o, n.o 2, do [EPS] [transcriçáo da norma].

Por sua vez, o Decreto Regulamentar n.o 1/94, que define as condiçóes de atribuiçáo da pensáo de sobrevivência aos casos de uniáo de facto (na sequência do Decreto-Lei n.o 322/90, de 18 de Outubro, que consagrara a extensáo do regime jurídico da protecçáo da segurança social na eventualidade da morte aos referidos casos de uniáo de facto), estabelece no seu artigo 6.o [transcriçáo da norma].

Por conseguinte, temos em vigor dois regimes de segurança social, ambos garantindo às pessoas que se encontrem nas condiçóes pre-vistas no artigo 2020.o do Código Civil a pensáo de sobrevivência que ambos os regimes consagram.

O regime do [EPS] aplica-se aos funcionários e agentes da Administraçáo Pública, enquanto o regime do Decreto-Lei n.o 322/90, regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.o 1/94, de 18 de Janeiro, estabelece o regime geral da segurança social.

Ora, no que agora nos interessa, isto é, a partir de que momento é devida a pensáo de sobrevivência, há diferenças nos ditos dois regimes, pois, enquanto no regime geral a pensáo é devida a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando a pensáo for requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença que reconheça o direito a alimentos, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentaçáo do requerimento, se ele foi entregue depois dos referidos seis meses, no regime do [EPS], a pensáo é devida, sempre a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que for requerida.

É certo que o artigo 30.o,n.o 1, do [EPS] contém regra semelhante à do artigo 6.o do Decreto Regulamentar n.o 1/94, visto que, deter-mina que a pensáo 'é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que se verificar o óbito do contribuinte quando pedida no prazo de seis meses contados a partir da mesma data, ou desde o dia 1 do mês seguinte ao da apresentaçáo do requerimento no Montepio quando solicitado, a todo o tempo, depois de esgotado aquele prazo'.

Porém, para que náo surjam confusóes, convém notar que este preceito náo tem aplicaçáo aos casos de uniáo de facto, para os quais existe o preceito específico do artigo 41.o, n.o 2 [do EPS].

O referido artigo 30.o, n.o 1, aplica-se a todos os casos em que a qualidade de herdeiro hábil náo está dependente de qualquer sentença judicial que reconheça o direito a alimentos, isto é, aos casos em que essa qualidade resulta directamente da lei, como é o caso do cônjuge sobrevivo, dos filhos, descendentes e ascendentes (cf. artigo 40.o).

O artigo 41.o [. . .] aplica-se aos casos em que a qualidade de herdeiro hábil, para efeitos de pensáo de sobrevivência, só se adquire após sentença judicial que reconheça o direito a alimentos, como é o caso do ex-cônjuge e das pessoas em situaçáo de uniáo de facto.

Assim, sendo o âmbito de aplicaçáo dos artigos 30.o, n.o 1, e

41.o, n.o 2, completamente distinto, náo nos parece viável a inter-pretaçáo sistemática levada a efeito pelo acórdáo recorrido.

Além disso, a sentença judicial náo se requer. É o resultado lógico e final da instauraçáo de uma acçáo, no caso, de simples apreciaçáo.

O que se requer, perante a Caixa Geral de Aposentaçóes, depois de obtida a sentença a reconhecer o direito a alimentos, é a pensáo de sobrevivência, daí que o pronome 'a' contido na parte final do artigo 41.o, n.o 2, do EPS '[. . .] e a pensáo de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira [. . .]', refere-se ao requerimento para a atribuiçáo da pensáo, que terá de ser entregue à entidade competente para o seu pagamento só depois de obtida a referida sentença judicial a reconhecer o direito a alimentos de quem se arroga o direito à pensáo.

[...]

Náo se refere, pois, na nossa opiniáo o pronome 'a' a qualquer habilitaçáo judicial, que, aliás, náo é exigida.[...]

Posto isto, podemos concluir que, segundo o disposto no artigo 41.o, n.o 2, do [EPS], diploma aplicável ao caso concreto, a pensáo de sobrevivência [. . .] só seria devida a partir de 1 do mês seguinte àquele em que for requerida.

A situaçáo é, por isso, mais desfavorável do que no caso de o beneficiário e companheiro...

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