Acórdão n.º 589/2004, de 04 de Novembro de 2004

Acórdão n.º 589/2004 Processo n.º 337/99 Acordam no plenário do Tribunal Constitucional: I - O pedido e os seu fundamentos 1 - O Provedor de Justiça requereu, nos termos do artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, que dispõe o seguinte: 'Artigo 13.º 1 - ............................................................................

2 - A promoção e constituição de associações internacionais em Portugal depende de autorização do Governo.' São os seguintes os fundamentos do pedido: O n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 594/74 sujeita a promoção e constituição de 'associações internacionais' à autorização do Governo; Sendo difícil definir os contornos do conceito de 'associações internacionais' utilizado por aquela norma, não parece que se possa reconduzir às pessoas colectivas internacionais, referidas no artigo 34.º do Código Civil; As associações internacionais objecto do Decreto-Lei n.º 594/74 parecem dever identificar-se com as organizações não governamentais, compreendendo, assim, as pessoas colectivas de substrato pessoal sem carácter lucrativo cujos fins impliquem o desenvolvimento ou a projecção das suas actividades fora de Portugal ou sobre a ordem jurídica internacional; A necessidade de autorização governamental para a constituição e promoção de associações internacionais em Portugal constitui uma restrição à liberdade de associação, constitucionalmente tutelada pelo artigo 46.º, n.º 1, na sua vertente de direito positivo de associação; Com efeito, a Constituição é clara ao determinar, no seu artigo 46.º, n.º 1, que os cidadãos podem constituir associações sem dependência de qualquer autorização, desde que aquelas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal, sendo esses os únicos limites que a Constituição admite à liberdade de formação de associações, e mostrando-se quaisquer outros, previstos por lei, inconstitucionais; Integrando a liberdade de associação o elenco dos direitos, liberdades e garantias, as restrições de que seja alvo têm de respeitar os pressupostos contidos nos artigos 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição; Por conseguinte, tais restrições só poderão ter lugar nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e terão de assumir a forma de lei geral e abstracta, sem efeito retroactivo e sem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais; No caso do direito positivo de associação, os únicos 'casos expressamente previstos pela Constituição' (na expressão do seu artigo 18.º, n.º 2) de restrição legal reportam-se à proibição de associações cujos fins sejam contrários à lei penal ou promovam a violência, não estando o legislador credenciado para prever restrições a este direito fundamental em nenhuma outrasituação; É necessário diferenciar os casos de colisão de direitos dos casos de restrição legal de direitos. Se é certo que podem surgir situações de conflitos entre direitos ou interesses constitucionalmente protegidos fora dos casos expressamente referidos pela Constituição, só quando esta antecipou e previu essas situações de confronto pode o legislador editar soluções genéricas e abstractas para a solução desses conflitos. As demais situações de colisão terão de ser resolvidas, caso a caso, pelos operadores judiciários, através da interpretação directa dos preceitos constitucionais; Neste contexto, a norma contida no artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 594/74 não se enquadra, claramente, nos casos de restrição expressamente admitidos pelo artigo 46.º, n.º 1, da Constituição: nos termos da norma constitucional, só podem ser proibidas as associações - nacionais ou internacionais - que se destinem a promover a violência ou cujos fins sejam contrários à lei penal, âmbito do qual exorbita a atribuição, ao Governo, de um poder absolutamente discricionário para autorizar a constituição de associaçõesinternacionais; Não se pode pretender que a norma constante do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 594/74 seja passível de uma interpretação conforme à Constituição, nos termos da qual se consideraria que o Governo só não estaria vinculado a autorizar a constituição de associações internacionais nos casos em que os fins destas fossem contrários à lei penal ou promovessem a violência; Com efeito, a finalidade da autorização governamental prevista pelo artigo 13 .º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 594/74 não é, seguramente, a verificação de que os fins das associações internacionais a constituir são lícitos; essa tarefa cabe ao Ministério Público, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 594/74, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 71/77, de 25 de Fevereiro, que lhe permite promover a declaração judicial de extinção das associações nacionais ou internacionais - não conformes 'à lei e à moral pública'; É, pois, de concluir que a norma contida no artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 594/74 viola o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, ao prever uma restrição à liberdade de associação que não encontra expressa cobertura constitucional; É certo que um importante sector da doutrina defende que o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição não limita a possibilidade de previsão de restrições legais aos direitos, liberdades e garantias apenas aos casos expressamente previstos no texto constitucional, por entender que a salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos obriga a admitir a existência de restrições implícitas, fundadas não em normas, mas em princípios constitucionais; A ser assim, o que se admite aqui a título de mera hipótese, haveria que confrontar a restrição corporizada pela necessidade de obtenção de autorização governamental para a constituição de associações internacionais com os outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que ela visa salvaguardar, e verificar se essa restrição se mostraria conforme ao princípio da proporcionalidade, isto é, se poderia ser considerada uma medida adequada, necessária e tolerável, atento o fim que se propunha alcançar; Porém, não se vislumbra com clareza qual o fim que o legislador pretendeu alcançar com a submissão da promoção e constituição de associações internacionais a prévia autorização governamental; Em princípio, parece dever considerar-se que os amplos poderes conferidos ao Governo neste domínio se destinam à verificação da compatibilidade dos fins das associações internacionais a constituir com a prossecução dos interesses do Estado Português, em especial na área das relações internacionais; Poderá aventar-se, assim, que a necessidade de autorização para a promoção e constituição de associações internacionais se prende com a salvaguarda dos interesses do Estado Português no âmbito das relações internacionais, balizados pelo artigo 7.º da Constituição, que poderiam ser prejudicados pelo desenvolvimento das actividades dessas associações em países estrangeiros ou pela sua projecção sobre a ordem jurídica internacional; Contudo, mesmo que se aceite que um conceito tão vago como os 'interesses superiores e gerais da comunidade política' se possa subsumir aos outros 'direitos ou interesses constitucionalmente protegidos' referidos pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a medida restritiva aqui em análise seria claramentedesproporcionada; Com efeito, se ela pode ser considerada adequada para a salvaguarda dos interesses do Estado Português no âmbito das relações internacionais, na medida em que obsta, em termos absolutos, à constituição das associações internacionais que o Governo considere inconvenientes, não é, seguramente, necessária para aquele fim; Desde logo, porque não se entende que a protecção dos interesses superiores da comunidade política careça de instrumentos diferentes, no que respeita à constituição e actuação das associações, consoante esteja em causa a ordem jurídica nacional ou as ordens jurídicas estrangeiras e a ordem jurídica internacional; E, depois, porque serão suficientes para a protecção dos interesses comunitários os limites directamente instituídos pelo artigo 46.º, n.º 1, da Constituição relativamente à liberdade de constituição de associações: proibição da prossecução da violência e de fins contrários à lei penal; Deve, assim, considerar-se que a sujeição da constituição de associações internacionais a autorização do Governo também contraria o princípio da proporcionalidade, na sua vertente necessidade.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o Primeiro-Ministro veio oferecer o merecimento dos autos.

Discutido o memorando elaborado nos termos do artigo 63.º da LTC e fixada a orientação do Tribunal, cumpre formular a decisão.

II - Questões preliminares à apreciação do pedido 2 - Interessa começar por referir que a norma sub judicio não foi revogada, expressa ou tacitamente, por direito ordinário posterior.

Com efeito, a única alteração expressa sofrida pelo Decreto-Lei n.º 594/74 foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 71/77, de 25 de Fevereiro. Essa modificação legislativa, incidindo apenas sobre o artigo 4.º daquele diploma com vista a reduzir os custos económicos implicados pelo regime de publicidade dos actos constitutivos das associações, não tem relevância directa para o caso emapreço.

E também não pode considerar-se a norma tacitamente revogada, designadamente pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, que procedeu à adaptação à Constituição, em cumprimento do comando do n.º 3 do seu artigo 293.º desta, na versão originária, além de outras, das normas do Código Civil atinentes às associações. Além de alterações de regime que não vêm ao caso (designadamente, quanto à aquisição, alienação e oneração de imóveis), o...

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