Acórdão n.º 282/86, de 11 de Novembro de 1986

Acórdão n.º 282/86 Processo n.º 4/85 Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional: 1 Relatório 1.1 - O pedido O Provedor de Justiça, na sequência de uma petição da Associação Portuguesa de Técnicos de Contas (APTC), requer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos artigos 130.º e 131.º do Código do Imposto de Transacções (CIT) e dos artigos 147.º, 160.º e 161.º do Código da Contribuição Industrial (CCI), que prevêem, por um lado, a responsabilidade dos técnicos de contas por algumas infracções fiscais e, por outro lado, a suspensão ou cancelamento da respectiva inscrição oficial, seja por efeito directo de procedimento ou condenação penal, seja em consequência de decisão do Ministro das Finanças.

No entendimento do Provedor, tais normas legais ofendem vários preceitos constitucionais, nomeadamente os 'preceitos contidos no artigo 47.º (liberdade de escolha de profissão), 26.º (direito ao bom nome e reputação), 30.º, n.º 4 (limites das penas e das medidas de segurança), 32.º, n.os 1 e 2 (princípios da garantia de defesa do arguido e da presunção de inocência do mesmo até à condenação final), 18.º, n.º 2 (princípio da proporcionalidade nas restrições aos direitos fundamentais), 18.º, n.º 3 (carácter geral e abstracto das restrições aos direitos fundamentais), todos da Constituição da República Portuguesa(CRP).

Chamado a pronunciar-se sobre o pedido, o Primeiro-Ministro fez remeter ao Tribunal um parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros (AJPCM), o qual se pronuncia pela não inconstitucionalidade das referidasnormas.

1.2 - Problemas a resolver As normas em apreço devem dividir-se em três grupos, pois tantos são os diversos problemas que elas, separadamente, suscitam.

A primeira norma é a do artigo 147.º do CCI, que prevê a responsabilidade penal dos técnicos de contas (juntamente com os contribuintes, directores, administradores, gerentes, etc.) por certas infracções fiscais, designadamente a recusa de exibição da escrita, dos livros legalmente exigidos ou dos documentos com ela relacionados, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação. Estando claramente abrangido no âmbito do pedido do Provedor, a verdade é que não se aduz nenhuma fundamentação específica da alegada inconstitucionalidade desse preceito.

O segundo grupo é o dos artigos 160.º da CCI e 130.º do CIT, cuja redacção é idêntica. Eles prescrevem que, em caso de instauração de procedimento por causa de certas infracções, tal facto será averbado no registo do técnico de contas, provocando a suspensão dos direitos derivados daquela inscrição (assim dispõe o corpo desses preceitos), inscrição que será mesmo cancelada em caso de condenação (é o que estipula o § único de ambas as disposições).

No entendimento do Provedor, essas normas violam, não somente a liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1, da CRP), o direito ao bom nome e reputação (artigo 26.º, n.º 1), mas também o princípio que proíbe os efeitos automáticos das penas (artigo 30.º, n.º 4) e o princípio da presunção da inocência dos arguidos (artigo 32.º, n.º 2).

O pedido de apreciação da constitucionalidade não distingue as duas referidas componentes normativas destes dois preceitos, embora a sua análise esteja exclusivamente centrada sobre a figura da suspensão dos direitos do técnico de contas (prevista no 'corpo' daquele preceito), sem referência ao cancelamento da inscrição (prevista no § único). Pode, por isso, questionar-se desde logo qual é o verdadeiro alcance do pedido nesta área.

O terceiro grupo de normas questionadas é formado pelos artigos 161.º do CCI e 131.º do CIT, que conferem ao Ministro das Finanças o poder de cancelar a inscrição dos técnicos de contas no caso de estes haverem subscrito declarações nas quais se verifiquem omissões ou inexactidões cuja responsabilidade deva ser-lhes imputada. No juízo do Provedor, tais normas, além de afectarem o conteúdo essencial do direito de escolha e exercício de profissão por parte dos técnicos de contas, ofende o princípio da tipificação, que é um princípio constitucional de âmbito geral em matéria de direito sancionatório.

2 Fundamentação 2.1 - Questões prévias 2.1.1 - A questão da revogação do CIT. - Não obsta ao conhecimento do pedido quanto às normas do CIT o facto de este ter sido entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, que aprovou o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA). Tal revogação efectivou-se a partir da data da entrada em vigor desse novo Código (artigo 2.º, n.º 1), data que, tendo sido inicialmente fixada em 1 de Julho de 1985 (artigo 10.º, n.º 1), veio a ser protelada, primeiro por efeito da suspensão determinada pela Resolução n.º 17/85 da AR (publicada na 1.' série do DR, de 27 de Junho de 1985) e, depois, por determinação da Lei n.º 42/85, de 22 de Agosto, que, tendo introduzido diversas alterações ao CIVA, fixou a sua entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1986.

Apesar de o CIT já não se encontrar em vigor, mantém-se o interesse em apreciar a constitucionalidade das normas aqui em causa, visto que o referido diploma preambular do CIVA preceitua expressamente que a revogação do CIT não prejudica a punição das infracções cometidas até à data da entrada em vigor daquele, 'continuando a aplicar-se as normas relativas a penalidades contidas nos diplomas reguladores dos impostos abolidos' (artigo 2.º, n.º 3).

(Aliás, registe-se, o novo CIVA contém normas em tudo idênticas às do CIT e do CCI naquilo que aqui importa, pois os artigos 120.º e 122.º são quase pura reprodução dos artigos 160.º e 161.º do CCI e 130.º e 131.º do CIT.) 2.1.2 - Delimitação do âmbito do pedido. - Ao dar-se conta do pedido do Provedor verificou-se que se suscitam dois problemas quanto à respectiva delimitação. É certo que, quer no intróito, quer na conclusão do pedido, se mencionam explicitamente os artigos 147.º, 160.º e 161.º do CCI e os artigos 130.º e 131.º do CIT. Tais preceitos vêm mesmo assinalados mediante sublinhado numa fotocópia que acompanha o pedido e que reproduz parte do articulado daqueles códigos (note-se, porém, que, seguramente por lapso, vem sublinhado também o artigo 147.º-A do CCI, que nem sequer é mencionado no pedido ...).

Pese embora essa aparente clareza do pedido na identificação das normas questionadas, a verdade é que uma análise mais cuidada faz levantar dois problemas.

O primeiro diz respeito ao artigo 147.º do CCI. Apesar de vir expressamente incluído no elenco das normas a apreciar, sucede que nenhum dos fundamentos de inconstitucionalidade aduzidos para justificar o pedido tem algo a ver com as suas normas.

Dispõe tal preceito: Artigo 147.º - A recusa de exibição da escrita, dos livros exigidos pelos artigos 133.º e 133.º-A ou dos documentos com uma e outros relacionados, ou a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação, serão punidas com multa de 40000$00 a 1000000$00, de 10000$00 a 200000$00 e de 2500$00 a 50000$00, consoante se trate de contribuintes dos grupos A, B ou C, na qual incorrerão, com os contribuintes, os directores, administradores, gerentes, membros do conselho fiscal, liquidatários, administradores da massa falida e técnicos de contas que forem responsáveis, sem prejuízo de procedimento criminal que no caso couber.

...

§ 3.º Transitada em julgado a decisão que aplicou a multa, o tribunal participá-lo-á, nos oito dias seguintes, ao agente do Ministério Público competente, nos termos e para os efeitos do artigo 164.º do Código de Processo Penal, independentemente da participação, no mesmo prazo, a outras entidades que devem tomar conhecimento da infracção para eventual procedimento disciplinar contra o respectivo técnico de contas e outros responsáveis.

É fácil verificar que não existe nenhuma relação entre este texto e os preceitos constitucionais invocados para fundamentar o pedido de declaração de inconstitucionalidade, a saber, os artigos 47.º, 26.º, 30.º, n.º 4, 32.º, n.os 1 e 2, e 18.º, n.os 2 e 3. Acresce que uma disposição em tudo idêntica àquela existe também no CIT (artigo 109.º), sem que ela venha mencionada no requerimento do Provedor, o que seria sobremodo incongruente se efectivamente se tivesse querido questionar o referido preceito do CCI.

De todo o modo, não basta que os pedidos de declaração de inconstitucionalidade refiram as normas a apreciar. Torna-se necessária a indicação - ainda que implícita - das regras ou princípios constitucionais ofendidos (artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro). É o que falta na ocorrência. Logo, deve concluir-se que em relação ao preceito em causa não deve conhecer-se do pedido.

O segundo problema que o pedido suscita quanto à sua delimitação objectiva diz respeito ao § único do artigo 160.º do CCI e ao § único do artigo 130.º do CIT. Também em relação a estas normas se verifica, por um lado, que o enunciado conclusivo do pedido as inclui - pois se refere genericamente a esses artigos, sem distinguir entre as normas do respectivo corpo e as dos parágrafos - e, por outro lado, igualmente, que não existe nenhuma referência expressa a elas na fundamentação do pedido, a qual se debruça explicitamente apenas sobre as normas do corpo desses dois preceitos - que prevêem a suspensão da inscrição dos técnicos de contas na pendência de processo penal-fiscal - e as dos artigos 161.º do CCI e 131.º do CIT - os quais se referem ao cancelamento da inscrição por decisão do Ministro das Finanças -, ao passo que os §§ únicos daqueles dois primeiros preceitos prevêem uma outra espécie de cancelamento, que decorre automaticamente da condenação em que haja incorrido o técnico de contas por determinadas infracçõesfiscais.

Apesar disso, é inegável que os fundamentos de inconstitucionalidade aduzidos no pedido do Provedor contra a suspensão automática se aplicam, por maioria de razão, ao cancelamento automático. Por isso, não se pode aqui...

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