Jurisprudência n.º 10/2001, de 27 de Dezembro de 2001

Jurisprudência n.º 10/2001 Processo n.º 3313/2000 - 4.' Secção Acordam, em plenário, na Secção Social do Supremo Tribunal Justiça: I - Relatório. - 1 - António de Jesus interpôs a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra Constrói - Batista & Tavares, Lda., e Global - Companhia de Seguros, S. A., pedindo que as rés sejam condenadas aopagamento: a) Da quantia de 736 770$00, relativa a indemnizações devidas a título de incapacidade temporária, no período compreendido entre 20 de Julho e 31 de Dezembro de 1994, nos termos da base XVI da Lei n.º 2127, calculada com base no salário anual de 1 617 300$00, a que corresponde uma remuneração mensal de 134 775$00; b) Da pensão anual e vitalícia devida a partir de 1 de Janeiro de 1995, nos termos da alínea c) da base XVI da Lei n.º 2127, calculada com base no salário anual de 1 617 300$00 e na IPP que lhe vier a ser atribuída após a realização do exame por junta médica; c) Da quantia de 379 000$00 de despesas de transportes, assistência médica, medicamentosa e tratamentos devidas nos termos das bases XI, XII, XIII e XIV da mesma lei; d) De juros à taxa legal nos termos do artigo 138.º do CPT; e) A facultar-lhe e suportar todas as despesas e encargos com os tratamentos de fisioterapia intensiva para a recuperação da mobilidade da coluna.

2 - Alega para tanto que, no dia 20 de Julho de 1994, quando trabalhava por conta e sob as ordens e direcção da ré Constrói foi vítima de um acidente de trabalho.

A 9 de Setembro de 1994, dois dias após ter retomado a sua actividade, que havia sido interrompida em virtude do acidente de 20 de Julho de 1994, voltou a sofrer um novo acidente de trabalho.

Dos acidentes advieram as lesões descritas nos autos de exame médico, tendo como consequência das mesmas sido submetido a diversos exames e tratamentos, com recurso a médicos particulares da especialidade de ortopedia e neurologia, estando afectado de uma incapacidade permanente parcial de 40% para o exercício da sua profissão habitual de pedreiro, bem como para o exercício de profissão compatível.

A ré Constrói, à data dos factos, havia transferido a sua responsabilidade infortunística para a ré Global, que, reconhecendo o acidente como de trabalho, bem como o nexo de causalidade entre este e as lesões apresentadas, declinou toda a responsabilidade por não existir um seguro válido para o sinistrado.

Por seu turno a ré Constrói, embora reconhecendo o acidente, o nexo de causalidade, a retribuição e as incapacidades apontadas, afastou igualmente a sua responsabilização, por entender que a sua responsabilidade infortunística estava devidamente transferida para a ré seguradora.

3 - Nas contestações, relativamente à determinação da responsabilidade pelas consequências do acidente, as rés reassumiram as posições já expostas na tentativa de conciliação.

4 - Na sentença, a fls. 238 e seguintes, considerou-se o autor afectado por uma incapacidade permanente parcial de 10%, julgando-se a acção improcedente relativamente à co-ré Constrói, sendo a mesma absolvida do pedido, e parcialmente procedente em relação à co-ré Global, condenando-a a pagar a quantia de 381 124$00 relativa às indemnizações por ITA entre 20 de Julho e 7 de Setembro e 9 de Setembro e 31 de Dezembro de 1994; a pensão anual e vitalícia de 87 306$00 a partir de 1 de Janeiro de 1995, a pagar em duodécimos, na residência do autor e acrescida em Dezembro de cada ano de uma 13.' prestação de valor igual a um duodécimo; a quantia de 353 544$00 de despesas de transportes, assistência médica, medicamentosa e tratamentos, e ainda juros de mora, à taxa legal.

A decisão fundamentou-se no facto de que estando em causa um contrato de seguro na modalidade de folha de férias e não constando o sinistrado destas, remetidas pela entidade patronal à seguradora, a consequência de tal incumprimento traduzia-se apenas no direito de esta última cobrar um prémio agravado ou de poder resolver o contrato.

Não se provando que a omissão ou inexactidão do nome do sinistrado nas folhas de férias tivessem sido praticadas conscientemente com o propósito de induzir a seguradora em erro, influindo na intensidade do risco infortunístico e no valor do prémio, recai sobre a seguradora a responsabilidade pelas consequências do acidente.

5 - Inconformada, veio a ré seguradora apelar, tendo a Relação de Coimbra, por acórdão a fls. 300 e seguintes, perfilhado do mesmo entendimento, aditando que se está perante um caso de seguro obrigatório, correspondendo assim a um interesse público que impede a liberdade de contratação, devendo assim ser rejeitadas as interpretações que conduzam a uma defraudação dos interesses de quem se pretende proteger com a obrigatoriedade do seguro, isto é, o sinistrado.

De tal resulta que as faltas e as omissões relativas às folhas de férias apenas podem ser invocadas na relação seguradora/segurado, sendo como tal inoponíveis ao trabalhador sinistrado, restando apenas à seguradora a possibilidade de se ressarcir pelos meios competentes para a cobertura de riscos que suportou e que não conhecia, e consequentemente, cumprindo as obrigações da apólice nos termos contratados.

6 - Novamente inconformada, a ré Global veio interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: A lei não foi correctamente subsumida ao caso concreto atendendo aos factos que ficaram provados nos autos; A característica da imperatividade e obrigatoriedade de adesão ao contrato de seguro de acidentes de trabalho não deve servir de justificação para o incumprimento de determinadas regras contratuais, que no caso impendiam sobre a entidade patronal do sinistrado; Os contratos qualquer que seja a sua natureza têm de ser cumpridos pontualmente, atendendo ao que foi contratado ou ao conteúdo que uma das partes aderiu por imposição legal, como aliás sucede no seguro de acidentes detrabalho; Ora, no caso concreto, a entidade patronal do sinistrado não comunicou à ora recorrente que aquele trabalhador não estava a prestar trabalho para essa entidade, incluindo-o nas folhas de férias que enviava mensalmente para a seguradora, obrigação esta que decorria do próprio contrato de seguro; Assim, o trabalhador sinistrado não existia para a ora recorrente como trabalhador da Constrói, ora, neste caso concreto, o prémio de seguro calculado pela ora recorrente como contrapartida da transferência do risco não teve por base a existência desse trabalhador pelo facto de a recorrente desconhecer a sua existência; Sendo certo que a responsabilidade pelo pagamento da indemnização há-de impender sobre quem deu causa ao vício que afecta o contrato e ainda aquele que proferiu falsas declarações, que também consubstanciam um vício contratual que afecta o contrato de seguro celebrado entre a ora recorrente e a Constrói e que impede a produção dos efeitos do referido contrato em relação a este trabalhador, cuja transferência de responsabilidade infortunística laboral para a sociedade seguradora não foi efectuada pela sua entidade patronal; Atento o supra-exposto, o referido contrato de seguro de acidentes de trabalho não produz os seus efeitos relativamente ao trabalhador/sinistrado da Constrói; Deste modo, violou o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra o disposto nos artigos 406.º do Código Comercial e 429.º do Código Comercial.

7 - O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, requerer o julgamento ampliado de revista, alegando que o Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado soluções antagónicas relativamente à mesma questão fundamental de direito no domínio da mesma legislação.

8 - As partes pronunciaram-se no sentido da uniformização ser feita em conformidade com as decisões já proferidas nos autos (autor) ou em termos da pretensão apresentada nas alegações de revista (ré seguradora).

9 - Determinado, por despachos a fls. 381 e 383, o julgamento ampliado da revista, ao abrigo do disposto no artigo 732.º-A, o Ministério Público emitiu parecer no sentido do conflito jurisprudencial ser solucionado com a adopção do seguinte entendimento...

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