Acórdão n.º 10/97, de 15 de Maio de 1997

Acórdão n.º 10/97 Processo n.º 85 860. - Acordam, em tribunal pleno, no Supremo Tribunal de Justiça: CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., recorreu para o tribunal pleno do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1994, proferido no processo n.º 84 887, de expropriação por utilidade pública, em que figura como expropriante, sendo expropriados Maria José de Sá Monteiro e marido, José Moreira da Silva, invocando encontrar-se em oposição com o do mesmo Tribunal de 17 de Junho de 1993, transitado em julgado e publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,ano I, t. II, p. 155.

Com efeito, decidiu o acórdão recorrido que, de harmonia com o vigente Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, do acórdão da Relação que fixar o valor global da indemnização não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o acórdão fundamento decidido em contrário.

A secção, por unanimidade, julgou a questão preliminar no sentido da existência da oposição que serve de fundamento ao recurso, o que é, de resto, de tal forma evidente que dispensa qualquer futuro comentário.

A recorrente apresentou alegações sustentando a decisão do acórdão fundamento e juntou douto parecer subscrito por ilustre professor da Faculdade de Direito de Lisboa.

O Ex. Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, concluindo que o conflito jurisprudencial deve ser solucionado com a formulação de assento nos termos seguintes: 'O Código das Expropriações vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão da Relação sobre a fixação do valor da indemnização devida.' Importará referir, em resumo, a evolução das disposições legais sobre recursos em matéria de expropriações por utilidade pública.

A Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, dispunha, no artigo 14.º, n.º 3, que do resultado da arbitragem cabia recurso para o tribunal da comarca da situação dos bens, de harmonia com as disposições legais em vigor.

E o Decreto n.º 37 758, de 27 de Fevereiro de 1950, que a regulamentou, estabelecia, no artigo 23.º, que da decisão dos árbitros que fixasse a indemnização a pagar pelo expropriante se recorria para o juiz de direito da comarca. Mas da decisão deste não havia recurso - § 2.º do artigo 31.º A Lei n.º 2063, de 3 de Junho de 1953, veio estipular, nos artigos 1.º e 2.º, que as decisões do juiz de direito proferidas na fase anterior ao recurso de arbitragem ou na pendência do recurso para ele interposto da decisão dos árbitros admitiam recurso para os tribunais superiores, de harmonia com as regras gerais das alçadas; e no artigo 8.º que das decisões dos árbitros que fixavam indemnizações se recorria para o juiz de direito da comarca e da decisão deste para os tribunais superiores.

O Regulamento das Expropriações, aprovado pelo Decreto n.º 43 587, de 8 de Abril de 1961, manteve este último regime, pois no artigo 41.º, n.º 3, fez expressa remissão para o disposto no artigo 8.º da dita Lei n.º 2063.

Depois o Decreto n.º 71/76, de 27 de Janeiro, dizendo, no início do seu preâmbulo, rever toda a legislação sobre expropriações, deste fez constar, no seu n.º 7: 'Ao estabelecer a arbitragem com o recurso para os tribunais, exclui-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pois não se justifica a existência de quatro graus de jurisdição.' Daí que no seu artigo 43.º, n.º 1, se prescrevesse: 'Na falta de acordo sobre o valor global da indemnização, será este fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas. Não haverá, porém, recurso das decisões da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.' E da conjugação dos artigos 56.º, n.º 1, e 80.º, n.º 4, resultava que da decisão arbitral cabia recurso para o juiz da comarca e da sentença deste poderia ser interposto recurso, sem efeito suspensivo, para a Relação.

O Decreto n.º 71/76 teve curto lapso de tempo de vigência, pois pelo Decreto n.º 845/76, de 11 de Dezembro, foi publicado o Código das Expropriações, que, no entanto, nos pontos em apreciação, manteve o regime fixado naquele decreto-lei - artigos 46.º, n.º 1, 59.º, n.º 1, e 83.º, n.º 4.

Sucedeu que o Decreto n.º 438/91 aprovou novo Código das Expropriações, com revogação expressa do Decreto n.º 845/76, dispondo, no artigo 37.º, que, na falta de acordo sobre o valor global da indemnização, será este fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas. Ou seja, redacção igual ao primeiro período do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto n.º 71/76 e do artigo 46.º, n.º 1, do Decreto n.º 845/76, mas com a supressão do segundo período: 'Não haverá, porém, recurso das decisões da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.' Estipula ainda o vigente Código das Expropriações que da decisão arbitral cabe recurso para o tribunal da comarca da situação dos bens a expropriar ou da sua maior extensão - artigo 51.º, n.º 1 - e que da sentença pode ser interposto recurso com efeito meramente devolutivo para o tribunal da relação artigo 64.º, n.º 2.

É regra geral e tradicional do nosso direito a existência de três graus de jurisdição, em correspondência com a hierarquização dos tribunais - de 1.' instância, Relações e Supremo Tribunal de Justiça.

A possibilidade da existência de quatro graus de jurisdição seria, assim, privilégio único e injustificado dos processos de expropriação por utilidade pública, pois se trata de determinar montante de indemnização por vezes até sem as dificuldades inerentes à determinação de qualquer outra derivada de responsabilidade contratual ou extracontratual.

E alude-se a quatro graus de jurisdição porque, conforme o Acórdão deste Supremo Tribunal, em secções reunidas, de 9 de Outubro de 1970, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 200, p. 168, o acórdão dos árbitros, nestes processos de expropriação, representa o resultado de um julgamento, constituindo verdadeira decisão e não um simples arbitramento, susceptível de recurso em sentido próprio, recurso que, como se viu, o actual Código das Expropriações, no artigo 51.º, n.º 1, manteve. Devendo salientar-se que tal orientação jurisprudencial vem sendo seguida - v. Acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Maio de 1990, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 397, p.

423.

De resto, a existência de tribunais arbitrais está prevista no artigo 211.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. E, tal como dispunha o artigo 1522.º do Código de Processo Civil, estabelece agora o artigo 26.º, n.º 2, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, que a decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1.' instância.

Pretende, porém, sustentar-se que, não se tendo reproduzido no artigo 37.º do vigente Código das Expropriações a proibição do recurso das decisões da Relação para este Supremo Tribunal, tal recurso é agora admissível, dependendo, nos termos gerais, do valor da causa e da sucumbência.

Haverá, no entanto, que dizer que, não ignorando o legislador a evolução sofrida, em matéria de recursos, pelos processos de expropriação por utilidade pública, tendo expressamente eliminado aquele quarto grau de jurisdição, que afirmou não se justificar no preâmbulo do Decreto n.º 71/76, e constituindo esse quarto grau de jurisdição uma excrescência no nosso sistema jurídico, será anormal que viesse repô-lo no vigente Código das Expropriações, em significativa inovação, sem que no preâmbulo do Decreto n.º 438/91 lhe fizesse qualquer referência, embora aí salientasse 'os aspectos mais inovadores do presente diploma e que, como inicialmente se disse, significam uma alteração...

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