Acórdão n.º 148/94, de 03 de Maio de 1994

Acórdão n.° 148/94 - Processo n.° 530/92 Acordam no plenário do Tribunal Constitucional: I 1 - O Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional, em 28 de Setembro de 1992, nos termos da alínea a) do n.° 2 do artigo 281.° da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, e dos artigos 51.°, n.° 1, e 62.°, n.° 1, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, 12.°, n.° 2, alínea a), 13.°, n.° 2, e 16.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, que estabelece normas relativas ao sistema de propinas.

O requerimento foi assim fundamentado: 1 - A Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, procedeu à revisão do sistema de propinas devidas pela matrícula e pela inscrição anual nos cursos das instituições de ensino superior público, constante do Decreto-Lei n.° 31 658, de 21 de Novembro de 1941. Pretendeu-se estabelecer 'um sistema que correlacione o valor das propinas com a natureza e a organização das instituições e os seus custos de funcionamento' (cf. exposição de motivos da proposta de lei n.° 26/VI, in Diário da Assembleia da República, 2.' série-A, n.° 39, de 23 de Maio de 1992) e prosseguir dois objectivos fundamentais: 'assegurar a justiça social no respeito pelo princípio constitucional da garantia de igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior; contribuir para a moralização do sistema' (cf. intervenção do Sr. Ministro da Educação, in Diário da Assembleia da República, 1.' série, n.° 69, de 29 de Maio de 1992).

O sistema de propinas por esta lei instituído, muito especialmente no que respeita à sua fórmula de cálculo, tem vindo, porém, a suscitar dúvidas de constitucionalidade.

2 - O artigo 6.°, n.° 2, daquela lei prescreve, com efeito, que o valor das propinas se situará entre um montante mínimo, correspondente a uma percentagem - determinada nos termos do n.° 2 do artigo 16.° - do resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital do ano imediatamente anterior pelo número total de alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo, e um montante máximo cuja expressão percentual não poderá ser superior ao dobro da correspondente ao montante mínimo.

Nos termos do artigo 16.°, n.° 2, a referida percentagem é fixada em 12 % no ano lectivo de 1992-1993, em 20 % no ano lectivo de 1993-1994 e em 25 % nos anos lectivos de 1994-1995 e seguintes.

A estas propinas acresce, de acordo com o disposto no artigo 11.°, n.os 1 e 2, uma 'taxa de matrícula' - propina de matrícula, na expressão do diploma de 1941 - pelo ingresso ou reingresso, após interrupção por período superior a um ano, do aluno numa instituição. O seu valor mínimo não será inferior a 10 % do montante calculado nos termos do n.° 2 do artigo 6.°, não sendo estabelecido qualquer limite para a fixação do seu valor máximo.

Assim sendo, caso se conclua que, ao abrigo destas disposições da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, se permite que o valor das propinas (de matrícula e de inscrição anual dos cursos) possa vir a ser fixado, pelos órgãos competentes das universidades ou pelo Conselho Técnico dos Institutos Politécnicos, em montantes que ultrapassem os limites de uma simples actualização face ao crescimento geral dos preços, especialmente nos segmentos em que é permitida a fixação dos montantes máximos, poderá estar a ser violado o disposto no artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da Constituição.

Mais do que um exercício de natureza contabilística, coloca-se a questão de saber em que medida é compatível com a obrigação estadual de estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, a caracterização das propinas como 'taxas de cobertura de custos' - porque baseadas apenas numa relação entre os custos de funcionamento e de capital e o número de alunos -, sem qualquer 'cláusula travão' que contenha permanentemente os seus aumentos, pelo menos nos limites do crescimento geral dos preços.

3 - Por outro lado, sendo o direito ao ensino, na sua dimensão de 'direito negativo à escola' (artigo 74.°, n.° 1, primeira parte, da Constituição), um direito de liberdade de natureza análoga aos 'direitos, liberdades e garantias', suscitam-se dúvidas sobre se as normas contidas nos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, 12.°, n.° 2, alínea a), 13.°, n.° 2, e 16.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, respeitam os pressupostos materiais de legitimidade constitucional das leis restritivas do seu exercício, na medida em que: 3.1 - Constituindo os montantes provenientes do pagamento de propinas e da taxa de matrícula receita própria das instituições (artigos 1.°, n.° 3, e 11.°, n.° 3, da lei em apreço), não deverá deixar de ser ponderado, face ao princípio da proporcionalidade, o efeito multiplicador desse aumento de receita - máxime, se prioritariamente afecto 'à prossecução de uma política de acção social e às acções que visem promover o sucesso educativo' nos custos de funcionamento e de capital das instituições e sua repercussão na fixação do valor do montante das propinas e da taxa de matrícula nos anosseguintes; 3.2 - Englobando a fórmula de cálculo do montante das propinas todas as despesas de funcionamento e de capital das instituições, com exclusão apenas das despesas de investimento, sem distinguir custos com o ensino e custos com a investigação, o disposto no artigo 6.°, n.° 2, da lei em apreciação poderá entrar em conflito com o princípio da proporcionalidade, tendo, designadamente, em conta as responsabilidades acrescidas das universidades públicas com as actividades de investigação, decorrentes da extinção do Instituto Nacional de Investigação Científica e dos investimentos do programa 'Ciência', bem como a tendência para, em ligação com as instituições, fazer participar entidades privadas no incremento da investigação, com partilha de custos e de resultados; 3.3 - Da simples aplicação das percentagens previstas no artigo 16.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, resulta uma progressão do aumento do valor do montante mínimo das propinas na ordem dos 108 %, escalonada por dois anos lectivos - 66 % no ano de 1993-1994 e 25 % no ano de 1994-1995 -, isto para além dos aumentos resultantes do incremento dos custos de funcionamento e de capital, como consequência dos investimentos e da inflação; 3.4 - Podem ainda suscitar-se dúvidas sobre a razoabilidade e a proporcionalidade das normas contidas nos artigos 12.°, n.° 2, alínea a), e 13.°, n.° 2, da referida lei, ao preverem a possibilidade de aplicação, a título de sanções acessórias, de medidas que parecem afectar o núcleo essencial do direito ao ensino, consagrado no artigo 74.°, n.° 1, primeira parte, da Constituição.

4 - Finalmente, a fórmula de cálculo do valor do montante das propinas, constante do artigo 6.°, n.° 2, da lei em apreciação, poderá ser geradora de diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes, o que, a verificar-se, configurará violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição).

Tais diferenciações de tratamento poderão decorrer, designadamente, do facto de os custos de funcionamento e de capital serem sensivelmente superiores nas instituições com maior incidência de licenciaturas em áreas tecnológicas ou de saúde e do agravamento que, por razões estranhas à natureza e à qualidade dos serviços prestados aos alunos pelas instituições, os chamados 'custos da interioridade e da insularidade' e as assimetrias regionais, inelutavelmente acarretam nos custos de funcionamento e de capital; 2 - Ouvido nos termos e para os efeitos dos artigos 54.° e 55.°, n.° 3, da citada Lei n.° 28/82, o Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, remetendo os exemplares do 'Diário da Assembleia da República relativos à discussão e aprovação do diploma' em causa.

3 - Foram depois apensados três pareceres académicos subscritos pelos Profs. Jorge Miranda e Pinto Barbosa e pelo Dr. Esteves de Oliveira, todos remetidos pelo Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, e também um parecer igualmente remetido pelo mesmo Gabinete, assinado por Victor João de Vasconcelos Raposo Ribeiro Calvete (também foi junto aos autos o exemplar do jornal Ervilha, ano I, n.° 2, Março de 1993, órgão oficial da Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa).

4 - Foi elaborado memorando pelo relator no qual se enunciaram as questões a resolver e se propôs a solução para elas e, na sequência da discussão desse memorando, foi colhida a decisão e registada no livro de lembranças na sessão de 16 de Dezembro de 1993.

II 5 - Como se lê no sumário que consta do Diário da República em que vem inserida, a Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, estabelece normas relativas ao sistema de propinas e doravante irá chamar-se-lhe Lei das Propinas.

No artigo 1.° fixa-se o princípio de que 'são devidas propinas pela inscrição anual dos cursos das instituições de ensino superior público' (n.° 1), cujos montantes 'constituem receita própria das instituições, a afectar, prioritariamente, à prossecução de uma política de acção social e às acções que visem promover o sucesso educativo' (n.° 3).

Para além das propinas, estabelece o artigo 11.° uma 'taxa de matrícula pelo ingresso do aluno numa instituição', a pagar, em princípio, 'no acto da primeira matrícula na instituição e de uma só vez'.

Nos artigos 2.° a 4.°, 7.° e 9.° definem-se, porém, os regimes de isenção e redução de propinas.

O artigo 5.° manda abater ao rendimento colectável para efeito de IRS o montante despendido com o pagamento das propinas.

Nos artigos 6.°, 8.° e 16.°, n.° 2, contêm-se regras sobre o cálculo do montante das propinas e, bem assim, sobre formas e prazos do respectivopagamento.

Os artigos 12.° e 13.° caracterizam como contra-ordenações a 'prestação de falsas declarações ou a omissão de dados que resultem...

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