Lei n.º 7/2008, de 15 de Fevereiro de 2008

Lei n. 7/2008

de 15 de Fevereiro

Lei da pesca nas águas interiores

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161. da Constituiçáo, o seguinte:

CAPÍTULO I

Objecto, âmbito e princípios

Artigo 1.

Objecto

A presente lei estabelece as bases do ordenamento e da gestáo sustentável dos recursos aquícolas das águas interiores e define os princípios reguladores das actividades da pesca e da aquicultura nessas águas.

Artigo 2.

Âmbito territorial

1 - A presente lei é aplicável à actividade da pesca e da aquicultura exercida em todas as águas interiores superficiais, públicas ou particulares.

2 - A presente lei é ainda aplicável à actividade da pesca e da aquicultura exercida nas massas de água fronteiriças, ressalvadas as obrigaçóes assumidas pelo Estado Português.

Artigo 3.

Definiçóes

Para os efeitos da presente lei, considera -se:

a) «Águas interiores» todas as águas superficiais doces lênticas ou lóticas (correntes) e as águas de transiçáo náo submetidas à jurisdiçáo da autoridade marítima;

b) «Águas livres» as águas públicas náo submetidas a planos de gestáo e exploraçáo nem a medidas de protecçáo específicas;

c) «Águas particulares» as águas patrimoniais pertencentes, de acordo com a lei, a entes privados ou públicos; d) «Águas públicas» as águas pertencentes ao domínio público e as águas patrimoniais pertencentes, de acordo com a lei, a entes públicos;

e) «Águas de transiçáo» as águas superficiais na proximidade das fozes dos rios, parcialmente salgadas em resultado da proximidade de águas costeiras, que sáo também significativamente influenciadas por cursos de água doce;

f) «Aquicultura» a cultura de organismos aquáticos, nomeadamente peixes, crustáceos, bivalves ou anfíbios, entendendo -se por cultura qualquer forma de intervençáo no processo de desenvolvimento destinada a aumentar a produçáo;

g) «Caudal ecológico» o regime de caudais que permite assegurar a conservaçáo e manutençáo dos ecossistemas aquáticos naturais, o desenvolvimento e a produçáo das espécies aquícolas com interesse desportivo ou comercial, assim como a conservaçáo e manutençáo dos ecossistemas ripícolas;

h) «Domínio hídrico» o conjunto de bens que integra as águas, doces ou salobras, das correntes de água, dos lagos, lagoas e albufeiras e os terrenos que constituem os leitos dessas águas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes e ainda o subsolo e espaço aéreo correspondentes;

i) «Jornada de pesca» o período que decorre entre a meia hora que antecede o nascer do Sol e meia hora após o pôr do Sol, excepto em situaçóes a regulamentar;

j) «Leito» o terreno coberto pelas águas quando náo influenciadas por cheias extraordinárias, inundaçóes ou tempestades, nele se incluindo os mouchóes, lodeiros e areais nele formados por depósito aluvial, limitado pela linha que corresponde à estrema dos terrenos que as águas cobrem em condiçóes de cheias médias, sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto, e que é definido, conforme os casos, pela aresta da crista superior do talude molhado das motas, cômoros, valados, tapadas ou muros marginais;

l) «Margem» a faixa de terreno contígua ao leito ou sobranceira à linha que delimita o leito das águas, de largura variável em funçáo da classificaçáo do curso de água para efeitos de navegaçáo ou flutuaçáo;

m) «Meios de pesca ou aparelhos de pesca» o conjunto de artes e instrumentos utilizados na captura de espécies aquícolas, incluindo aqueles que sáo destinados apenas a ser usados como auxiliares;

n) «Património aquícola das águas interiores» os ecossistemas aquáticos entendidos como o conjunto das espécies da fauna e da flora e seus habitats, incluindo água, leitos e margens, vegetaçáo ripícola, bem como as suas relaçóes de dependência funcional;

o) «Pesca» a prática de quaisquer actos conducentes à captura de espécies aquícolas no estado de liberdade natural exercida nas águas interiores ou nas respectivas margens;

p) «Pesca lúdica» a pesca exercida como actividade de lazer ou recreio em que náo podem ser comercializados os exemplares capturados;

q) «Pesca desportiva» a pesca lúdica exercida em competiçáo organizada tendo em vista a obtençáo de marcas desportivas, incluindo o treino e a aprendizagem;

r) «Pesca profissional» a pesca exercida como activi-dade comercial, praticada por indivíduos devidamente licenciados;

s) «Pesqueira fixa» a obra hidráulica permanente, construída no leito ou margens de um curso de água, destinada a instalar aparelhos de pesca profissional;

t) «Processos de pesca ou métodos de pesca» o conjunto das diferentes técnicas de utilizaçáo dos meios de pesca; u) «Recursos aquícolas ou espécies aquícolas» o conjunto de espécies da fauna passível de ser considerado alvo intencional de pesca ou aquicultura, tais como peixes, crustáceos, bivalves e anfíbios ocorrentes nas águas interiores, e que figurem na lista de espécies a publicar com vista à regulamentaçáo da presente lei, considerando o seu valor aquícola, em conformidade com as convençóes internacionais e as directivas comunitárias transpostas para a legislaçáo portuguesa;

v) «Repovoamento» a disseminaçáo ou libertaçáo, num determinado território ou massa de água, de um ou mais espécimes de uma espécie aquícola indígena ou de uma espécie náo indígena aí previamente introduzida e apresentando populaçóes já bem estabelecidas e espontâneas;x) «Utilizador dos recursos aquícolas das águas interiores» toda a pessoa singular ou colectiva que usufrua dos recursos aquícolas das águas interiores.

Artigo 4.

Princípios gerais

1 - O património aquícola das águas interiores constitui um recurso natural cuja protecçáo, conservaçáo e utilizaçáo sustentável, no respeito pelos princípios de conservaçáo da natureza, da biodiversidade da protecçáo do estado da qualidade das massas de água, sáo de interesse nacional, comunitário e internacional.

2 - A protecçáo, conservaçáo, fomento e utilizaçáo racional dos recursos aquícolas implica que a sua gestáo e ordenamento obedeçam aos princípios de sustentabilidade e de conservaçáo da integridade genética do património biológico, no respeito pelas normas nacionais e internacionais que a eles se apliquem.

3 - A utilizaçáo sustentável dos recursos aquícolas, através do exercício da pesca, constitui um factor de riqueza nacional, de desenvolvimento regional e local e de apoio e valorizaçáo do mundo rural.

4 - As águas interiores devem ser progressivamente sujeitas a normas específicas de gestáo, no quadro geral do ordenamento dos recursos aquícolas, com vista à protecçáo, conservaçáo e utilizaçáo racional do património aquícola.

Artigo 5.

Atribuiçóes do Estado

Sáo atribuiçóes do Estado:

a) Zelar pela protecçáo e conservaçáo da biodiversidade nos seus diferentes níveis de organizaçáo, bem como pela utilizaçáo sustentável dos recursos aquícolas, em articulaçáo com os outros usos existentes e previstos;

b) Promover o ordenamento aquícola das águas interiores, em articulaçáo com os instrumentos de gestáo territorial;

c) Promover e incentivar a participaçáo, no ordenamento e gestáo dos recursos aquícolas, das organizaçóes de pescadores, de agricultores, de defesa do ambiente e de produtores florestais, das autarquias e de outras entidades interessadas na conservaçáo, protecçáo e utilizaçáo dos recursos aquícolas;

d) Regular o exercício da pesca e da aquicultura;

e) Promover a investigaçáo científica para um melhor conhecimento e preservaçáo dos ecossistemas aquáticos; f) Assegurar o cumprimento dos objectivos de qualidade das massas de água previstos no contexto dos instrumentos de planeamento dos recursos hídricos.

Artigo 6.

Competências do Governo

1 - Compete ao Governo definir a política aquícola nacional.

2 - Compete ainda ao Governo:

a) Assegurar o ordenamento e a gestáo dos recursos aquícolas nacionais;

b) Promover a aplicaçáo das medidas e a execuçáo das acçóes necessárias à concretizaçáo daquela política, nomeadamente através da regulaçáo da presente lei;

c) Incentivar e promover a investigaçáo científica no domínio dos recursos aquícolas das águas interiores e a formaçáo dos seus utilizadores;

d) Promover e apoiar a manutençáo ou recuperaçáo da qualidade dos habitats e ecossistemas para benefício do património aquícola;

e) Promover e apoiar a participaçáo da sociedade civil na definiçáo e concretizaçáo da política aquícola nacional;

f) Planear e coordenar as acçóes de ordenamento e gestáo dos recursos aquícolas, em harmonia com as utilizaçóes do domínio hídrico e com a conservaçáo da natureza;

g) Emitir os títulos necessários ao exercício das actividades previstas na presente lei.

CAPÍTULO II

Protecçáo e conservaçáo dos recursos aquícolas

Artigo 7.

Gestáo sustentada dos recursos aquícolas

1 - A gestáo sustentável dos recursos aquícolas é efectuada de acordo com princípios consignados na legislaçáo relativa à gestáo da água e dos recursos hídricos nacionais, à preservaçáo dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens e à introduçáo de espécies náo indígenas na natureza.

2 - Os recursos aquícolas sáo avaliados regularmente em termos de distribuiçáo geográfica das diferentes espécies, quantificaçáo dos seus efectivos e tendências populacionais.

3 - Os resultados alcançados através dos dados obtidos na avaliaçáo constituem a base para a definiçáo de planos de gestáo dos recursos aquícolas.

Artigo 8.

Captura de espécies aquícolas

1 - As espécies cuja captura é autorizada, tendo em consideraçáo critérios ligados à dinâmica das populaçóes, ao estatuto de conservaçáo das espécies e à tradiçáo da pesca nas suas vertentes lúdica, desportiva e profissional, sáo definidas por regulamento próprio do membro do Governo responsável pela área da pesca.

2 - Sáo estabelecidos, para cada espécie, períodos de pesca, meios e processos de captura, iscos e engodos permitidos, dimensóes de captura e número máximo de exemplares a reter por pescador e por jornada de pesca.

3 - As disposiçóes constantes dos números anteriores podem ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT