Acórdão n.º 337/2006/T, de 30 de Junho de 2006

Acórdáo n.o 337/2006/T. Const. - Processo n.o 307/05. - Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

A- Relatório. - 1 - Margarida Kindler de Barahona e Maria Inês Kindler de Barahona, melhor identificadas nos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.o, n.o 1, alínea b), da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo a fiscalizaçáo da constitucionalidade do n.o 1.o, n.o 1, alínea a), da Portaria n.o 197-A/95, de 17 de Março, por violaçáo dos artigos 13.o, 62.o, n.o 2, e 94.o, n.o 1, da Constituiçáo da República Portuguesa.

2 - As recorrentes interpuseram, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso pedindo a anulaçáo dos despachos conjuntos do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças que lhes

9542 atribuíram as indemnizaçóes definitivas pelo património nacionalizado no âmbito da lei da Reforma Agrária e pelos produtos florestais (cortiça) comercializados pelo Estado durante a ocupaçáo temporária dos prédios que lhes pertenciam.

Por Acórdáo de 11 de Fevereiro de 2004, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento parcial ao recurso, mantendo inalteradas as indemnizaçóes atribuídas às recorrentes pela expropriaçáo dos seus prédios.

Discordando do decidido quanto à parte do recurso que improcedeu, as recorrentes interpuseram recurso para o pleno da 1.a Secçáo do Supremo Tribunal Administrativo, aí reiterando, inter alia, a inconstitucionalidade do regime estabelecido no n.o 1.o, n.o 1, alínea a), da Portaria n.o 197-A/95, de 17 de Março, na medida em que, no seu entendimento, a aplicaçáo de tal norma conduziria a uma indemnizaçáo manifestamente irrisória.

3 - Por Acórdáo de 16 de Fevereiro de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, considerando, na parte relevante para a questáo de constitucionalidade, que:

Este STA, tanto nas subsecçóes como no pleno, vem, de há muito, assinalando que as indemnizaçóes decorrentes da chamada Reforma Agrária náo estáo sujeitas à regra de "uma reconstituiçáo integral", mas à "atribuiçáo de compensaçáo pecuniária que cumpra as exigências mínimas de justiça que váo implicadas na ideia de Estado de direito e que náo conduzam ao estabelecimento de montantes irrisórios" (expressóes que, a título ilustrativo, se extraem do Acórdáo de 4 de Junho de 2002, proferido no recurso n.o 47 420). Náo é, pois, por mero acaso que as recorrentes qualificam de irrisória a indemnizaçáo fixada no despacho conjunto, sendo claro que elas sabem ser essa a "via óptima" para obter a desaplicaçáo do regime legal definidor da indemnizaçáo.

Mas a argumentaçáo das recorrentes náo é persuasiva. Em termos absolutos, irrisório é o que, pela sua insignificância, merece pouca ou nenhuma consideraçáo; e, se à palavra quisermos emprestar um sentido relacional - como claramente as recorrentes intentam -, será irrisório o valor que, por tanto se afastar do seu correlativo, se mostre desprezível e rejeitável. Ora, náo pode qualificar-se de irrisória - use-se a palavra num dos seus sentidos próprios, que é o primeiro, ou no seu sentido translato, que é o segundo - uma indemnizaçáo de E 593 420,77, que foi a estabelecida pelo despacho conjunto. E, náo sendo a indemnizaçáo irrisória, as regras que a aplicaram náo brigam com o preceito constitucional que regula o regime decorrente das situaçóes da Reforma Agrária, pois esse preceito, que é o artigo 94.o da CRP, náo tem o exigente alcance do artigo 62.o da lei fundamental (a norma que estabelece a garantia do direito de propriedade privada pela exigência do pagamento de justa indemnizaçáo). Deste modo, e mesmo que se admita que a indemnizaçáo fixada náo é a contrapartida exacta do valor dos bens nacionalizados, náo se vê qualquer justificaçáo para se julgar inconstitucional o n.o 1.o da Portaria n.o 197-A/95, como as recorrentes clamam.

Ademais, e porque o regime legal de determinaçáo das indemnizaçóes devidas pelas vicissitudes da Reforma Agrária se apresenta como um bloco de legalidade completo, soçobra a pretensáo subsidiária das recorrentes de, a pretexto de quaisquer lacunas nele detectáveis, se recair na necessidade de se recorrer à prova pericial.

Ante o exposto, estamos agora em condiçóes de considerar improcedentes ou irrelevantes as conclusóes II a XXIV da alegaçáo de recurso.

Passemos às conclusóes seguintes, em que as recorrentes sustentam que a subsecçáo errou ao náo aceitar que a cortiça que existia em estado de maturaçáo no momento em que os prédios foram ocupados, e que só foi colhida nos anos seguintes, devia ser havida como fruto pendente para efeitos de indemnizaçáo.

Também aqui as recorrentes afrontam uma jurisprudência consolidada - como, aliás, decorre do teor do acórdáo recorrido, que procedeu a uma extensa e esclarecedora transcriçáo de um aresto deste pleno sobre o assunto. Porque continuamos a mantermo-nos fiéis a essa jurisprudência, aqui a reiteramos; e somente diremos que, tendo os prédios sido ocupados em 1975, é óbvio que a cortiça apenas extraída em anos futuros náo existia como fruto pendente à data da ocupaçáo - atenta a periodicidade da produçáo dos frutos (artigo 212.o do Código Civil). Portanto, e no que respeita a essa cortiça, o que havia que indemnizar era o rendimento florestal líquido que os prédios produziram durante o tempo em que os beneficiários de tais rendimentos deles estiveram privados, o que se conseguia segundo a directriz do artigo 5.o, n.o 2, alínea d), do Decreto-Lei n.o 199/88, e náo nos termos do n.o 3.o, alínea c), da Portaria n.o 197-A/95, de 17 de Março.

Consequentemente, soçobram as conclusóes XXV a XXXIII, que ultimamente estiveram sob análise. E, improcedendo ainda a conclusáo I, que meramente antecipa o sentido das que se lhe seguem, temos que o aresto sub judicio deve manter-se integralmente na ordem jurídica.

Nestes termos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e em confirmar o acórdáo recorrido.

4 - Novamente inconformadas, as recorrentes interpuseram, nos termos supra descritos, o presente recurso de constitucionalidade e, notificadas para o efeito, concluíram as suas alegaçóes invocando que:

I-O n.o 1.o, n.o 1, alínea a), da Portaria n.o 197-A/95, de 17 de Março, aplicado pelo douto Acórdáo da 1.a Secçáo do STA proferido neste processo em 16 de Fevereiro de 2005 é materialmente inconstitucional, por violaçáo do artigo 62.o, n.o 2, ou do artigo 94.o, n.o 1, da CRP.

II - As recorrentes foram expropriadas em cerca de 225 ha nunca mais devolvidos.

III - A indemnizaçáo que lhes foi atribuída pela expropriaçáo do seu património rústico é irrisória quando comparada com o valor do hectare pago relativo às expropriaçóes feitas pelo Estado nos dias actuais, correspondendo a uma 10.a parte do valor justo.

IV - O valor calculado por hectare náo tem qualquer correspondência com o seu valor real.

V - A indemnizaçáo calculada náo contempla o justo ressarcimento dos reais prejuízos sofridos, o que constitui violaçáo da lei.

VI - A legislaçáo aplicável a esta matéria é vasta e abundante e coexiste com legislaçáo de âmbito geral em sede de expropriaçóes, bem como com alguns diplomas marginais.

VII - "As indemnizaçóes definitivas pela expropriaçáo ou nacionalizaçáo ao abrigo da legislaçáo da Reforma Agrária seráo fixadas com base no valor real e corrente desses bens e direitos [. . .] de modo a assegurar uma justa compensaçáo pela privaçáo dos mesmos bens e direitos."

VIII - "As lacunas na interpretaçáo e aplicaçáo das normas do presente diploma (Decreto-Lei n.o 199/88) seráo preenchidas mediante recurso ao Código das Expropriaçóes ou, subsidiariamente, à lei geral e aos princípios gerais de direito."

IX - O preceito em crise viola ainda os direitos e deveres fundamentais consagrados nos artigos 12.o e 13.o da CRP.

X - Nos termos do artigo 1.o do Protocolo 1.o da CEDH, o regime derivado do preceito em crise consubstancia uma verdadeira violaçáo do direito de propriedade.

XI - Violam a aplicaçáo da supracitada portaria e a interpretaçáo de que dela é feita os mais elementares princípios gerais de direito.

XII - Razóes pelas quais deveráo ser os preceitos ora feridos de legalidade declarados inconstitucionais.

A título de «questáo prévia», sustentaram ainda as recorrentes o seguinte:

1 - O objecto do presente pleito prende-se com as expropriaçóes decorrentes do fenómeno da chamada Reforma Agrária, que teve lugar em Portugal como consequência da Revoluçáo de 25 de Abril de 1974, relativo ao património rústico das autoras, e com as pretensas indemnizaçóes que o Estado Português tem vindo a pagar.

2 - No caso que ora nos ocupa apreciar, para além do património que foi expropriado e posteriormente devolvido às recorrentes ao abrigo das leis da Reforma Agrária, foram às mesmas definitivamente expropriados cerca de 225 ha nunca mais devolvidos.

3 - A náo devoluçáo do património expropriado viola o disposto no artigo 62.o, n.o 2, da Constituiçáo da República Portuguesa ou, pelo menos, conforme decorrerá destes autos, o artigo 94.o, n.o 1, da lei fundamental.

4 - A indemnizaçáo que lhes foi atribuída pela expropriaçáo do seu melhor solo rústico é irrisória porquanto o valor calculado por hectare (ha) náo tem qualquer correspondência com o seu valor real.

5 - A indemnizaçáo calculada náo contempla o justo ressarcimento dos reais prejuízos sofridos, o que constitui violaçáo da lei.

6 - As recorrentes nestes autos, de modo diligente, esgotaram todos os meios judiciais à sua disposiçáo.

5 - Contra-alegou o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, pugnando pela improcedência do recurso com base nos seguintes argumentos:

Os recorrentes alegam a inconstitucionalidade material do n.o 1.o, n.o 1, alínea a), da Portaria n.o 197-A/95, de 17 de Março, por violaçáo do artigo 62.o,n.o 2, ou artigo 94.o,n.o 1, da Constituiçáo da República, por, no seu entender, da sua aplicaçáo para apuramento da indemnizaçáo a...

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