Acórdão n.º 276/2006/T, de 07 de Junho de 2006

Acórdáo n.o 276/2006/T. Const. - Processo n.o 877/2005. - Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

1- Relatório. - Sónia Adriana dos Santos Neves e Vera Lúcia Mocho Marques e mais seis requerentes requereram, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra CEMOBE - Cedência de Máo de Obra, Empresa de Trabalho Temporário, L.da, e SERVIBANCA - Empresa de Prestaçáo de Serviços, A. C. E., providência cautelar de suspensáo de despedimento, aduzindo, em suma, o seguinte: i) os requerentes celebraram com a primeira requerida contratos de trabalho temporário mediante os quais passaram a prestar trabalho a diversas empresas utilizadoras, todas pertencentes ao grupo de sociedades do Banco Comercial Português, sendo que, pelo menos a partir de Fevereiro de 2003, prestaram o seu trabalho à segunda requerida (com excepçáo de uma requerente, que celebrou contrato de trabalho temporário com a primeira requerida em 29 de Julho de 2003 e, desde entáo, prestou trabalho à segunda requerida); ii)

8256 apesar de os recibos de retribuiçáo serem emitidos pela primeira requerida, os requerentes prestaram trabalho sob as ordens, direcçáo e fiscalizaçáo da segunda requerida, sem que existisse qualquer contrato de utilizaçáo e, mesmo que existisse, o mesmo teria sido celebrado fora dos casos tipificados no artigo 90.o do Decreto-Lei n.o 358/89, de 17 de Outubro; iii) em 1 de Julho de 2004 foi celebrado, entre a primeira e a segunda requeridas, contrato de prestaçáo de serviços mediante o qual a primeira requerida se obrigava a desempenhar determinadas tarefas junto da segunda requerida, sua cliente; iv) porém, tal contrato náo é um contrato de utilizaçáo de trabalho temporário; v) inexistindo contrato de utilizaçáo de trabalho temporário celebrado entre a primeira e a segunda requeridas, nos termos do artigo 11.o do Decreto-Lei n.o 358/89, e tendo os trabalhadores continuado ao serviço da segunda requerida sem que tivessem celebrado qualquer contrato com esta última que legitimasse essa prestaçáo de trabalho, tem aplicaçáo o disposto no artigo 10.o do referido diploma legal, ou seja, os requerentes sáo considerados como trabalhadores da segunda requerida, por tempo indeterminado; vi) no dia 3 de Janeiro de 2005, quando se preparavam para reentrar ao serviço nas instalaçóes da segunda requerida, os requerentes foram impedidos de entrar pelo «segurança» e foi lhes comunicado que, por ordens da direcçáo, os requerentes estavam impedidos de entrar nas instalaçóes da segunda requerida, pois já náo trabalhavam para a mesma; vii) tal constitui, no entender dos requerentes, um despedimento ilícito, uma vez que náo foi invocada pela entidade empregadora alguma das causas de caducidade do contrato de trabalho, náo foi promovido o seu despedimento com justa causa, nem foi sequer instaurado procedimento disciplinar - pelo que requereram que seja decretada a suspensáo do despedimento de que foram alvo por parte da segunda requerida.

Mais aduziram os requerentes - para a hipótese de se vir a concluir pela inexistência de vínculo laboral entre eles e a segunda requerida - que: i) considerando se que tinham um contrato de trabalho com a primeira requerida, na medida em que os contratos de trabalho temporário que com ela celebraram náo contêm a mençáo concreta dos factos e circunstâncias que integravam esse motivo e, por outro lado, foram objecto de mais do que duas renovaçóes ou duraram mais do que três anos, pelo que se converteram em contratos de trabalho sem termo, o que foi admitido pela primeira requerida; ii) no dia 3 de Janeiro de 2005 foi comunicado pela primeira requerida aos requerentes que estes já náo eram seus trabalhadores, tendo lhes sido recusada a prestaçáo de trabalho por alegadamente a posiçáo de entidade empregadora se ter transmitido para uma outra sociedade denominada REDWARE; iii) tal recusa consubstancia um despedimento de facto ilícito - pelo que requereram subsidiariamente que fosse decretada a suspensáo do despedimento de que foram alvo por parte da primeira requerida.

A providência requerida foi liminarmente indeferida, por despacho de 14 de Janeiro de 2005, do juiz do 3.o Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, com a seguinte fundamentaçáo:

Há que apreciar, liminarmente, se o procedimento cautelar instaurado se adequa à situaçáo dada a conhecer pelos requerentes (cf. artigos 234.o-A, n.o 1, e 234.o, n.o 4, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 1.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho e ainda artigo 32.o, n.o 1, corpo, do Código de Processo do Trabalho).

O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdáo de fixaçáo de jurisprudência n.o 1/2003, de 1 de Outubro, publicado no pronunciou se sobre o âmbito de aplicaçáo do procedimento cautelar de suspensáo de despedimento. Aí se pondera que 'a concessáo da providência cautelar tem de se bastar com uma summario cognitio da situaçáo através de um procedimento - o procedimento cautelar - simplificado e rápido. Ou, por outras palavras, tem de se contentar com a existência de fumus boni juris. A necessidade de celeridade e a natureza provisória de providência cautelar sobrepóem se, necessária e inelutavelmente, a um mais profundo e necessariamente mais moroso apuramento da existência, natureza e dimensáo do direito a tutelar, o que só é praticável na acçáo de que o procedimento cautelar é dependente. Na vigência do CPT de 1981, era entendimento comum, jurisprudencial e doutrinalmente, que o procedimento cautelar de suspensáo de despedimento só era admissível quando se verificassem cumulativamente dois pressupostos: a inquestionável existência de um contrato de trabalho entre requerente e requerido e a existência de inequívoco despedimento levado a cabo pela entidade patronal. Daqui a inadmissibilidade da providência nos casos em que as partes questionassem a natureza jurídica do contrato (de trabalho ou de prestaçáo de serviços) ou a qualificaçáo da causa da sua cessaçáo (caducidade ou despedimento)'. Face ao novo Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 480/99, de 9 de Novembro, o STJ considera náo haver razóes para alterar esse entendimento. Segundo o STJ, o facto de no artigo 35.o do Código de Processo do Trabalho se passar a autorizar a produçáo de outras provas, que náo a meramente documental, nos casos em que se invoque um despedimento náo antecedido de processo disciplinar, 'apenas facilita a constataçáo da existência do despedimento e náo a indagaçáo sobre se, invocada outra causa para cessaçáo da relaçáo laboral pela entidade empregadora, ela é ou náo real e, se o náo for, se náo se está perante um verdadeiro despedimento que, como tal, seja mere-cedor da providência cautelar da sua suspensáo'. Assim, o STJ adere à jurisprudência contida no acórdáo fundamento - do Tribunal da Relaçáo de Lisboa, de 6 de Março de 2002 - segundo a qual a providência cautelar de suspensáo de despedimento 'só pode ser requerida e concedida quando for indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que a entidade empregadora pôs fim por despedimento e náo por invocaçáo de qualquer outra causa de cessaçáo da relaçáo laboral, por exemplo, por caducidade'.

Daí que o Supremo Tribunal de Justiça tenha uniformizado a jurisprudência no sentido de que 'o trabalhador despedido (individual ou colectivamente) pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensáo de despedimento desde que esta seja a causa invocada pela entidade patronal para cessaçáo da relaçáo laboral ou, na sua náo indicaçáo, se configure a verosimilhança de um despedimento'.

No caso dos autos, os requerentes dizem que foram objecto de despedimento, sem justa causa nem antecedência de processo disciplinar, por parte da sua entidade patronal, a segunda requerida. Só que essa é uma conclusáo jurídica que retiram a partir de uma situaçáo complexa e controvertida, que descrevem, que se inicia pela celebraçáo de contratos de trabalho temporário entre os requerentes e outra entidade (a primeira requerida), com base nos quais os requerentes foram colocados a prestar trabalho para a segunda requerida. Em parte alguma os requerentes alegam que entre eles e a suposta entidade patronal, a segunda requerida, foi celebrado voluntária e conscientemente um contrato de trabalho, ou que a segunda requerida se assumiu como sua entidade patronal, ou seja, aceitou que entre os requerentes e a segunda requerida vigorava um contrato de trabalho. Assim, também náo resulta dos factos alegados pelos requerentes que a recusa da segunda requerida em continuar a receber o seu trabalho constituiu a manifestaçáo de intençáo, por parte da segunda requerida, de os despedir, ou seja, de pôr termo a uma relaçáo de trabalho subordinado existente entre ela e os requerentes. Em vez da simples análise sobre se os trabalhadores foram despedidos pela entidade empregadora sem antecedência de processo disciplinar, ou mediante um processo disciplinar nulo, ou sem justa causa, a qual constitui o objecto do procedimento cautelar de suspensáo de despedimento individual (artigo 39.o, n.o 1, do Código de Processo do Trabalho), nestes autos os requerentes começam por forçar a indagaçáo de questóes prévias e controvertidas, como é a da própria existência de um contrato de trabalho entre os requerentes e a segunda requerida, contra quem é proposto o procedimento cautelar a título principal. Prevendo a eventualidade de a resposta a essa indagaçáo lhes ser desfavorável, entáo os requerentes apresentam, como questáo a...

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