Acórdão n.º 225/95, de 29 de Junho de 1995

Acórdão n.° 225/95 - Processo n.° 406/88 Acordam no plenário do Tribunal Constitucional: I - Relatório 1 - Nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 281.° da Constituição (na redacção anterior à resultante da Lei Constitucional n.° 1/89, de 8 de Julho) e no n.° 1 do artigo 51.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, 27 deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português requereram a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas da Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária), indicadas no texto que seguidamente se transcreve, em que apresentam os fundamentos do seu pedido: A Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro, visa abertamente reconstituir o latifúndio e a grande exploração capitalista, liquidando as unidades colectivas de produção e as cooperativas agrícolas de produção, invertendo por completo o conceito constitucional da reforma agrária tal qual decorre, designadamente, dos artigos 9.°, alínea d), 81.°, alínea h), 96.°, 97.°, 100.° e 102.°, n.° 1, da Constituição.

É esse o efeito da aplicação conjugada de múltiplos dispositivos inconstitucionais (em si mesmos ou na sua articulação), cuja declaração de inconstitucionalidade se requer.

São os seguintes:

  1. A Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro, fixa objectivos da política agrícola (artigo 4.°) deliberadamente desconformes aos decorrentes do artigo 96.° da Constituição, omitindo, designadamente, as referências neste contidas à transformação das estruturas fundiárias, à transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham, ao objectivo de igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores e à reforma agrária como instrumento fundamental para a realização dos objectivos da políticaagrícola; b) Ao reduzir drasticamente a extensão da terra a entregar 'a quem a trabalha' (cuja transferência progressiva é constitucionalmente obrigatória), quer diminuindo a área sujeita à expropriação (artigos 11.° - em combinação com o disposto no artigo 15.° -, 12.° e 21.°), quer consagrando e alargando a área susceptível de reserva (artigos 13.°, 14.°, 15.° e 19.°), quer multiplicando os titulares potenciais de reservas e os mecanismos da sua concessão (artigos 17.°, 18.° e 33.°), a Lei n.° 109/88, nas normas citadas, viola o disposto no artigos 96.°, números 1, alínea a), e 2, e 97.° da Constituição da República; c) Ao permitir (artigo 30.°) a reversão de prédios rústicos nacionalizados que hajam permanecido na posse material e exploração de facto dos anteriores titulares ou na dos respectivos herdeiros (ou regressado à sua posse antes de 24 de Fevereiro de 1988, independentemente do acto administrativo com esse objectivo), a Lei n.° 109/88 viola, ademais, o artigo 83.° da Constituição; d) Ao facultarem a criação irrestrita de unidades de exploração agrícola privadas, as disposições enumeradas na alínea b) do presente requerimento conduzem à violação do disposto no artigo 99.°, n.° 2, da Constituição da República; e) Ao estabelecer um regime excepcional de suspensão de eficácia de actos administrativos que no âmbito da reforma agrária determinem a entrega de reservas ou reconheçam não ter sido expropriado ou nacionalizado determinado prédio rústico, o artigo 50.° da Lei n.° 109/88 estabelece para os destinatários constitucionais da reforma agrária regras excludentes, restritivas e discriminatórias que ofendem o disposto nos artigos 13.°, 20.°, n.° 2, e 268.°, n.° 3, da Constituição; f) Ao fixar um regime de demarcação de reservas (artigo 28.°) que exclui a audiência das UCP/cooperativas e permite a respectiva 'realização' por edital, institui um regime sem formalidades essenciais relevantes, subterfúgio tendente a inviabilizar o exercício do direito constitucional ao recurso contencioso previsto no artigo 268.°, n.° 3, da Constituição, cujo conteúdo essencial é atingido (com ofensa do disposto no artigo 18.°, números 2 e 3, aplicável ex vi do artigo 17.°) e ferindo discriminatoriamente as UCP/cooperativas, cuja legitimidade activa no recurso contencioso é eliminada (com ofensa do disposto nos artigos 13.°, 20.°, n.° 2, e 268.°, n.° 3, da Constituição).

    Notificado para se pronunciar, querendo, o Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos relativamente ao presente pedido.

    2 - O processo originado pelo pedido acabado de descrever dos deputados subscritores, e que na continuação do presente acórdão passará a ser designado, para comodidade de exposição, por pedido A, veio a incorporar mais três pedidos, por determinação tomada nos termos do artigo 64.°, n.° 1, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro), visto que nesses pedidos se requer a declaração de inconstitucionalidade de normas com sentido preceptivo idêntico.

    Cada um desses pedidos vai ser seguidamente identificado, pela ordem cronológica da sua apresentação, com as designações de pedido B, pedido C e pedido D.

    3 - Assim, o pedido B foi formulado por 25 deputados também do Grupo Parlamentar do Partido Comunista, mas incidindo sobre as normas da lei citada na redacção resultante da Lei n.° 46/90, de 22 de Agosto, epigrafada como 'Alteração à Lei n.° 108/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária)'. Transcreve-se seguidamente o teor desse pedido: 1 - A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 97.°, prevê expressamente a eliminação dos latifúndios, determinando, no seu n.° 2, que 'as terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores, ou a outras formas de exploração por trabalhadores', sendo que 'eliminar os latifúndios' constitui igualmente uma incumbência prioritária do Estado [artigo 81.°, alínea h)].

    Ora, o objectivo que orienta toda a Lei n.° 46/90, de 22 de Agosto, que veio dar uma nova redacção à Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro, corresponde exactamente ao inverso dos objectivos expressos nos comandos constitucionais citados, assim como viola o princípio da igualdade e do acesso ao direito e à justiça tal inversão do sentido constitucional é particularmente patente nas seguintes normas:

  2. O artigo 17.° da Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro, com as alterações aprovadas pela Lei n.° 46/90, de 22 de Agosto, elimina o seu n.° 5, deixando de sofrer de nulidade os actos jurídicos que conduzam à reunificação das reservas atribuídas aos contitulares ou herdeiros de reservas indivisas.

    Ora, seja através do mecanismo da multiplicação e junção de reservas que o artigo 17.° permite, seja através da possibilidade de os vários herdeiros concorreram a reservas separadas que num e noutro caso passam a poder ser reunificadas, tal significa que a aplicação destes mecanismos conduz inexoravelmente à (re)constituição de latifúndios, violando os citados artigos 81.°, alínea h), e 97.° da Constituição da República Portuguesa; b) No artigo 18.° da Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro, com a redacção definida na Lei n.° 46/90, passa a referir-se a 'uma reserva múltipla equivalente à soma de várias reservas', eliminando-se também a alínea e) do artigo 18.° da anterior redacção que feria igualmente de nulidade os actos administrativos que conduzissem à reunificação das reservas atribuídas às sociedades, violando-se também aqui os artigos 81.°, alínea h), e 97.° da Constituição da República Portuguesa.

    No contexto concreto da zona de intervenção da reforma agrária constante do Decreto-Lei n.° 236-B/76, de 5 de Abril, as vias abertas pela nova redacção dos artigos 17.° e 18.° da Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro, conduzem à restauração do latifúndio tal como historicamente existiu e como, na prática, tem estado a suceder; c) As alterações definidas pela Lei n.° 46/90, de 22 de Agosto, para o artigo 17.° da Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro, esvaziam de conteúdo o limite aparente de 91 000 pontos previstos no artigo 15.°, pelo que também aqui aquela norma - até pela aplicação conjugada dos vários dispositivos da lei (artigos 11.°, em combinação com o disposto nos artigos 15.°, 12.° e 21.°, 13.°, 14.°, 15.° e 19.°, 17.°, 18.° e 33.°) - viola ainda a alínea n) do n.° 1 do artigo 168.° da Constituição da República Portuguesa, que determina que a lei deve fixar os 'limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola privadas'; d) No que se refere ao artigo 14.°-A, aditado à Lei n.° 109/88, de 26 de Setembro, invade-se a competência dos tribunais negando-se-lhes a possibilidade de se pronunciarem, em cada caso concreto, sobre os direitos de propriedade dos prédios ocupados.

    Esta norma atribui à Administração competências que são indubitavelmente da função judicial, contrariando os artigos 205.° e 206.° da Constituição; e) Quanto ao direito de recurso contencioso, a nova redacção do artigo 50.° agrava ainda mais a excepcionalidade do regime de suspensão de eficácia dos actos administrativos tendentes à atribuição ou devolução de terras. Tal excepcionalidade apenas significa o tratamento discriminatório dos trabalhadores agrícolas da reforma agrária com posse e gestão da terra.

    O privilégio do carácter prioritário e de grave urgência para a realização do interesse público (artigo 142.°, n.° 2, da Lei n.° 109/88), articulado como privilégio de um regime excepcional quanto ao recurso e suspensão dos actos administrativos (artigo 50.°), é um regime jurídico de privilégio jurídico, que é agora acentuado pela nova redacção do artigo 50.° Aliás, a redacção anterior do artigo 50.° da Lei n.° 109/88 é já hoje tida como inconstitucional pela maioria da doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como se pode ver, por exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Abril de 1989, da 1.' Secção do Contencioso Administrativo.

    Por isso...

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