Acórdão n.º 272/2008, de 23 de Julho de 2008

Acórdáo n. 272/2008

Processo n. 787/07

Acordam, na 3.ª Secçáo do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - O presente recurso vem interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, com natureza obrigatória, ao abrigo do artigo 280., n. 1, alínea a) e n. 3 da CRP e dos artigos 70., n. 1, alínea a) e 72., n. 3, ambos da LTC, da sentença proferida pela 3.ª Secçáo do 1. Juízo de Execuçáo do Porto e registada em 11 de Junho de 2007 (fls. 41 a 45) que deu provimento ao pedido de impugnaçáo judicial de decisáo final do Instituto de Solidariedade e Segurança Social que indeferiu pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, com nomeaçáo e pagamento de honorários do patrono.

Nos termos da referida sentença, procedeu -se à desaplicaçáo - sem especificaçáo detalhada - das normas extraídas do Anexo ao regime de acesso ao Direito e aos tribunais (aprovado pela Lei n. 34/2004, e de ora em diante, abreviada por RADT) e da Portaria n. 1085/2004, de 31 de Agosto, que determinam que a insuficiência económica é aferida em funçáo do rendimento do agregado familiar do requerente, com fundamento na sua contradiçáo com o direito fundamental de acesso à Justiça, independentemente da eventual insuficiência económica do beneficiário daquele direito. Para fundamentar tal decisáo de desaplicaçáo, a decisáo recorrida fundamenta -se no Acórdáo n. 654/2006, proferido pela 1.ª Secçáo do Tribunal Constitucional, em 28 de Novembro de 2006. Entre outras consideraçóes, a decisáo recorrida entendeu que:

Cumpre referir que realizando os cálculos de acordo com o simula-dor que existe no site da CRSS, dado ter -se em conta o agregado familiar, se obtém a decisáo dada pelo CRSS, ou seja, de acordo com a fórmula de cálculo prevista na lei actual do apoio [j]udiciário[], o requerente apenas teria direito ao pagamento faseado tal como foi decidido.

(...)

Tal fórmula consta dos artigos 6., 7., 8. e 9. da Portaria n. 1085/2004 de 31/8 que concretiza o que se deve entender por rendimento relevante e explicita a fórmula de calcular esse rendimento.

(...)

Sobre tal matéria foi já proferido douto Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 654/2006 (...).

Refere o citado Acórdáo, que vamos seguir de perto, que o n. 5 do artigo 8. da lei em análise delimita o direito de acesso ao direito e aos tribunais, por critérios de apreciaçáo tabelados e fixados, por recurso a uma fórmula matemática.

(...)

Por outras palavras, fazendo -se as contas ao valor 4629,6 no simulador da CRSS o requerente teria direito ao apoio judiciário, mas tendo -se em conta o valor do subsídio da esposa tal conduz a conceder o pagamento faseado.

(...)

Portanto, entende o tribunal náo aplicar a norma acima mencionada por se entender que se viola o artigo 20., n. 1 da CRP (...)

A aplicaçáo do anexo e destes artigos náo garante o acesso ao direito e aos tribunais, dado que o valor do rendimento relevante é determinado pelo do agregado familiar independentemente de o requerente fruir ou náo desse rendimento do terceiro que integra a economia comum (mas tal poderá náo ser assim, poderáo existir conflitos). Tal como se refere no citado Acórdáo, o dever de alimentos náo compreende as despesas relativas à taxa de justiça, e como tal náo se pode dar como assente que o requerente dispóe do valor do subsídio da esposa (cf. Lei n. 6/2001, de 11/5).

Portanto, o tribunal entende que as normas do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria n. 1085 -A/2004 de 31/8, na parte em que impóe que o rendimento relevante para efeitos de concessáo do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir esse rendimento, náo garantem o acesso aos tribunais e violam o artigo 20. , n. 1 da CRP, sendo inconstitucionais

(fls. 42 a 44)

2 - Perante esta decisáo, o Ministério Público fixou o objecto do recurso, para si obrigatório, nos seguintes termos:

(...) vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional da referida decisáo, para apreciaçáo da alegada inconstitucionalidade das normas

constantes do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria n. 1085 -A/2004, publicada no D.R. I -B de 31 de Agosto de 2004, na parte em que impóem que o rendimento relevante para efeitos de concessáo do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir desse rendimento.

3 - Notificado para alegar, o Ministério Público apresentou as suas alegaçóes, cujo teor ora se reproduz:

1. Apreciaçáo da questáo de constitucionalidade suscitada

O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da decisáo, proferida nos Juízos de Execuçáo do Porto, nos autos de impugnaçáo da decisáo da Segurança Social que denegou, em parte, o pretendido beneficio de apoio judiciário, requerido por Virgílio Ribeiro Neto, recusando aplicar o "bloco normativo" integrado pelos artigos 6° a 10° da Portaria n. 1085 -A/04, conjugados com o Anexo à Lei n. 34/04, interpretado em termos de ser considerado para efeito de cálculo do rendimento relevante do requerente o rendimento do respectivo agregado familiar, sem possibilidade de indagaçáo da eventual contitularidade ou fruiçáo desse rendimento por parte do requerente e de saber se as pessoas que com ele vivem em economia comum têm qualquer tipo de obrigaçáo de suportar as despesas inerentes à demanda em que aquele se encontra envolvido.

A decisáo recorrida funda -se no juízo de inconstitucionalidade já formulado por este Tribunal no acórdáo n. 654/06. E a situaçáo dos autos é paradigmática da violaçáo do direito de acesso à justiça por parte do economicamente carenciado, potenciada pelo esquema legal, absolutamente rígido e "matemático", de aferiçáo de insuficiência económica. Na verdade, o juízo de (parcial) suficiência económica, formulado administrativamente, baseia -se nos rendimentos (subsidio de desemprego) auferidos por terceiros (cônjuge do requerente), sem que se saiba se a "execuçáo" a propor - e para a qual é peticionado o apoio judiciário - tem alguma conexáo com direitos, bens ou interesses do casal.

Consideramos, deste modo, plenamente transponível para o caso dos autos a soluçáo acolhida no citado acórdáo n. 654/06, que se mostra, aliás, em consonância com a posiçáo sustentada na alegaçáo ali produzida pelo Ministério Público.

2 - Conclusáo

Nestes termos e pelo exposto, conclui -se:

1. Constitui restriçáo excessiva e desproporcionada ao direito fundamental de acesso à justiça...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT