Acórdão n.º 336/2008, de 18 de Julho de 2008

Acórdáo n. 336/2008

Processo n. 84/2008

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

Relatório.

Por decisáo do Chefe de Serviço de Finanças de Leiria foi aplicada à Uniáo Desportiva de Leiria Futebol, SAD, a coima única de € 13 236,37, pela prática de diversas contra -ordenaçóes previstas nos artigos 119. e 114., do RGIT, correspondendo essa coima à soma material das coimas aplicadas a cada uma das contra -ordenaçóes cometidas.

A Uniáo Desportiva de Leiria Futebol, SAD, impugnou judicialmente a aplicaçáo desta coima, tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria proferido sentença que, inter alia, julgou inconstitucional a norma constante do artigo 25., do Regime Geral das Infracçóes Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n. 15/2001, de 5 de Junho.

Para tanto, o aludido Tribunal fundamentou essa decisáo da seguinte forma:

[...] Coloca -se agora a questáo de saber se há lugar à aplicaçáo das regras do concurso, ou náo.

Nos termos do artigo 19 do Regime Geral das Contra Ordenaçóes e Coimas, quem tiver praticado várias contra ordenaçóes é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracçóes em concurso.

Também para o artigo 77 do Código Penal Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenaçáo por qualquer deles é condenado numa pena única que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Mas segundo o artigo 25 RGIT, as sançóes aplicadas às contra ordenaçóes em concurso sáo sempre cumuladas materialmente.

A arguida defende a inconstitucionalidade desta norma.

E com razáo, a meu ver.

A norma do artigo 25 RGIT é inconstitucional por várias razóes, destacando -se desde já duas: Em primeiro lugar, porque a mera adiçáo das coimas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional, franqueando a porta à ultrapassagem do limite da culpa (Cf. Figueiredo Dias Direito Penal Português, 1993, 280).

Em segundo lugar, por violaçáo dos princípios constitucionais da proporcionalidade (no sentido restrito segundo o qual os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar -se numa "justa medida", impedindo -se a adopçáo de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relaçáo aos fins obtidos), da adequaçáo (no sentido de que as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar -se como meio adequado para a prossecuçáo dos fins visados pela lei) e da exigibilidade (no sentido de que as medidas restritivas previstas na lei sáo exigíveis porque os fins visados pela lei náo podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias).

As coimas nunca podem ser desproporcionadas nem inadequadas aos ilícitos nem aos fins que com elas se prosseguem.

Táo pouco podem exceder a culpa, em sentido global, pela totali-dade das infracçóes.

Estes - e outros - princípios têm de ser convocados no âmbito do direito fiscal, para evitar que a sua relativa imaturidade e imprecisáo o tornem instrumento de ganância do político mais do que regra de justiça assente em técnica.

Ora a mera adiçáo das coimas náo garante o cumprimento dos princípios constitucionais sumariamente referidos. Pelo contrário, a cumulaçáo mate rial desatende à culpa do agente e náo tem em conta as regras da proporcionali dade e da adequaçáo.

Por essa razáo, a norma em questáo é inconstitucional.

Nestas condiçóes, ao abrigo do disposto o artigo 204 da Constituiçáo recuso a aplicaçáo do artigo 25 RGIT por inconstitucionalidade e aplico o artigo 19 do Regime Geral das Contra Ordenaçóes e Coimas, como norma subsidiária prevista no artigo 3/b) do RGIT.

[...].

O Ministério Público interpôs entáo recurso dessa decisáo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a), do n. 1, do artigo 70., da Lei da Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), suscitando a fiscalizaçáo da constitucionalidade concreta da norma constante do artigo 25., do RGIT.

Após ter sido proferido despacho liminar neste Tribunal, o Ministério Público veio apresentar as suas alegaçóes, culminando as mesmas com a formulaçáo das seguintes conclusóes:

[...] 1. Náo pode inferir -se dos princípios constitucionais da culpa e da proporcionalidade que no caso de pluralidade de infracçóes, o legislador esteja constitucionalmente vinculado a adoptar, no campo específico das contra -ordenaçóes fiscais, a regra do cúmulo jurídico.

2. Na verdade, tais princípios constitucionais operam de pleno na fixaçáo da coima correspondente a cada uma das infracçóes em concurso, nada obstando a que - como decorrência, nomeadamente, da prossecuçáo da eficácia do sistema fiscal - o legislador possa legitimamente optar pelo estabelecimento da regra do cúmulo material, desde que se verifique uma situaçáo de efectiva pluralidade de infracçóes.

3. Termos em que deverá proceder o presente recurso.

A Recorrida náo apresentou contra -alegaçóes.

Fundamentaçáo.

O presente recurso de constitucionalidade versa a matéria dos limites das coimas aplicadas ao concurso de contra -ordenaçóes.

O artigo 25., do RGIT, prescreve que «as sançóes aplicadas às contra-ordenaçóes sáo sempre cumuladas materialmente».

Segundo o tribunal recorrido, tal norma encontra -se ferida de inconstitucionalidade material porque o cúmulo material de coimas viola os princípios constitucionais da culpa e da proporcionalidade.

Importa, assim, apreciar a constitucionalidade da aludida norma constante do artigo 25., do RGIT, à luz dos referidos parâmetros constitucio-

nais, sem prejuízo da convocaçáo de normas e princípios constitucionais diversos daqueles cuja violaçáo foi invocada.

O princípio da culpa tem sido entendido comummente como um princípio implícito do sistema...

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