Acórdão n.º 255/2002, de 08 de Julho de 2002

Acórdão n.º 255/2002 Processo n.º 646/96 e processo n.º 624/99 (incorporado) Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I - Objecto dos pedidos 1 - O Procurador-Geral da República, invocando o 'uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 281.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa', requereu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 4 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 276/93, de 10 de Agosto, 'que veio regular o exercício da actividade da segurança privada', aditada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 138/94, de 23 de Maio, que alterou aquele diploma (pedido constante destes autos com o n.º 646/96).

A norma em causa dispunha o seguinte: 'Ao pessoal de apoio técnico e de vigilância é sempre exigível a cidadania portuguesa.' 2 - O citado Decreto-Lei n.º 276/93 viria a ser expressamente revogado pelo artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Julho, diploma que procedeu a nova regulamentação do exercício da actividade de segurança privada. E, na sequência da publicação deste decreto-lei, o Provedor de Justiça, invocando o 'uso da sua competência prevista no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa', requereu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do seu artigo 7.º, n.os 1, alíneas a) a h), e 2, alíneas a) e b), e do seu artigo 12.º, n.os 1 e 2 (pedido que deu origem ao processo n.º 624/99, que foi mandado incorporar nestes autos, por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional 'ao abrigo do disposto no artigo 64.ºda Lei do Tribunal Constitucional').

Tais normas estabelecem o seguinte: 'Artigo 7.º Requisitos 1 - Os administradores e gerentes de entidades que desenvolvam a actividade de segurança privada, os responsáveis pelos serviços de autoprotecção e o pessoal de vigilância e de acompanhamento, defesa e protecção de pessoas devem preencher cumulativamente os seguintes requisitos:

  1. Ser cidadão português, de um Estado-Membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, ou, em condições de reciprocidade, de país de língua oficial portuguesa; b) Possuir a escolaridade mínima obrigatória; c) Possuir plena capacidade civil; d) Não ter sido condenado, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso; e) Não exercer, a qualquer título, cargo ou função na administração central, regional ou local, bem como nos órgãos de soberania; f) Não exercer a actividade de fabricante ou comerciante de armas e munições, engenhos ou substâncias explosivas; g) Não ter sido membro dos serviços que integram o sistema de informação da República nos cinco anos precedentes; h) Não se encontrar na situação de efectividade de serviço, pré-aposentação ou reserva de qualquer força militar ou força ou serviço de segurança.

    2 - São requisitos específicos de admissão do pessoal de vigilância e de acompanhamento, defesa e protecção de pessoas:

  2. Possuir, no momento da admissão, a robustez física e o perfil psicológico necessários para o exercício das funções, comprovados por ficha de aptidão, acompanhada de exame psicológico obrigatório, emitida por médico de trabalho, o qual deverá ser identificado pelo nome clínico e cédula profissional, nos termos do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, e da Lei n.º 7/95, de 29 deMarço; b) Ser aprovado em provas de conhecimentos e capacidade física de conteúdo programático e duração a fixar por portaria do Ministério da Administração Interna, após curso de formação inicial reconhecido nos termos do n.º 2 do artigo8.º 3 - ....................................................................................................................

    Artigo 12.º Meios de vigilância electrónica, de detecção de armas e outros objectos 1 - As entidades que prestem serviços de segurança privada previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º podem utilizar equipamentos electrónicos de vigilância e controlo; 2 - As gravações de imagem e de som feitas por sociedades de segurança privada ou serviços de autoprotecção, no exercício da sua actividade, através de equipamentos electrónicos de vigilância visam exclusivamente a protecção de pessoas e bens, devendo ser destruídas no prazo de 30 dias, só podendo ser utilizadas nos termos da lei penal.

    3 - ....................................................................................................................' II - Fundamentos dos pedidos 1 - O pedido do Procurador-Geral da República O pedido referente ao n.º 4 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 276/93 (introduzido pelo Decreto-Lei n.º 138/94) assenta, em síntese, na seguinte fundamentação: O artigo 15.º, n.º 1, da Constituição (doravante CRP) estabelece o princípio da igualdade de direitos e deveres entre cidadãos nacionais e estrangeiros; O n.º 2 do mesmo artigo ressalva importantes restrições àquele princípio da igualdade de direitos: Direitospolíticos; Exercício de funções públicas de carácter não predominantemente técnico; Direitos e deveres reservados exclusivamente a cidadãos portugueses pela CRP e pela lei; No caso vertente, é indubitável que se não trata de direitos políticos, nem do exercício de funções públicas, nem de direitos reservados a portugueses pela CRP; A lei não é livre no estabelecimento de excepções ao princípio da equiparação entre nacionais e estrangeiros, devendo essas excepções ser justificadas e constar sempre da lei formal da Assembleia da República, por constituírem matéria de direitos, liberdades e garantias ['A reserva de competência legislativa da Assembleia da República vale não só para as restrições (artigo 18.º, n.os 2 e 3) mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias' - é como se expressa o requerente]; Quer o Decreto-Lei n.º 276/93, quer o Decreto-Lei n.º 138/94, foram editados pelo Governo sem se encontrar munido de autorização legislativa, pelo que a norma questionada é organicamente inconstitucional; Tal norma é ainda materialmente inconstitucional por constituir uma restrição desproporcionada e sem fundamento razoável à liberdade de escolha de profissão, garantida no n.º 1 do artigo 47.º da CPR.

    E termina como se segue o requerimento do Procurador-Geral da República: 'Assim, tal restrição, com a amplitude que oferece, ofende o princípio da proporcionalidade, não assentando em desigualdades reais entre as pessoas.

    Não estão aqui em causa pressupostos subjectivos relevantes, como seria, porventura, o caso da qualificação pessoal, da capacidade, das habilitações ou, até, do treino anteriormente adquirido. Com efeito, não se vê, à partida, que a nacionalidade seja razão ou critério de exclusão dos candidatos, ou dos profissionais seleccionados, relativamente à escolha ou ao exercício daquelas actividades. Nessa medida, não se julga que tal restrição seja imposta pelo interesse colectivo ou que seja inerente à sua própria capacidade.' 2 - O pedido do Provedor de Justiça Por seu turno, o Provedor de Justiça fundamentou, em síntese, o seu pedido referente a normas do Decreto-Lei n.º 231/98, editado 'pelo Governo ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, ou seja, no âmbito do exercício da sua competência legislativa em matéria não reservada à Assembleia da República', pela forma que seguidamente se expõe: 2.1 - O artigo 7.º, n.º 1, alínea d): A norma contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 231/98 estabelece que as pessoas mencionadas no corpo desse artigo não podem ter sido condenadas, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso; O dispositivo em apreço viola frontalmente a regra inscrita no artigo 30.º, n.º 4, da lei fundamental, segundo a qual 'nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos'; Ora, o que o diploma em análise faz é precisamente estipular em sentido contrário à CRP, estabelecendo automaticamente uma pena acessória à pena resultante da condenação por decisão judicial, atingindo desta feita o gozo de um direito fundamental, qual seja a liberdade de profissão; Será...

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