Resolução n.º 119/97, de 14 de Julho de 1997

Resolução do Conselho de Ministros n.º 119/97 Quadros gerais para a reforma fiscal - Um sistema fiscal para o Portugal desenvolvido, no limiar do século XXI 1 - Programa do Governo, situação herdada e estratégia faseada de actuação O capítulo do Programa do XIII Governo Constitucional relativo à política fiscal apontou algumas prioridades fundamentais que se podem sintetizar em três ideias chave: a introdução de uma maior justiça na repartição da carga tributária, com progressivo desagravamento dos rendimentos do trabalho por conta de outrem, e, de modo global, desagravamento dos contribuintes cumpridores; a contribuição do sistema fiscal para o desenvolvimento sócio-económico, equilibrado e sustentável do nosso país, nomeadamente através do estímulo à competitividade, produtividade e emprego e o reforço da confiança entre os cidadãos e a administração tributária.

A prossecução de uma maior equidade tributária deverá ser combinada com o compromisso do Governo de não aumentar os impostos, isto é, não subir o nível global de fiscalidade. É evidente que não há aumento de impostos se se conseguir, como se pretende, a melhoria do sistema de fiscalização e controlo, o alargamento da base tributária e a melhoria da cobrança da dívida exequenda.

Além desses objectivos, revelou-se imperativa a readaptação do sistema fiscal às transformações verificadas na última década no sistema sócio-económico, em Portugal, na Europa e no mundo, e às transformações que se adivinham no início do próximo século, em particular as decorrentes da introdução do euro e as dos problemas derivados da sociedade de informação, a que o sistema fiscal deverá dar resposta.

Por razões operativas, a estratégia de adequação ao ideal fiscal de maior justiça e igualdade, eficiência e comodidade, foi delineada em duas fases distintas: uma 1.' fase de levantamento da situação e tomada de medidas urgentes (desde a entrada em funções do Governo em fins de Outubro de 1995 até ao 1.º semestre de 1997) e uma 2.' fase de reformas de fundo (do 2.º semestre de 1997 até ao final da legislatura, sem prejuízo da existência de medidas cujos efeitos ou últimas fases se prolongam para além desta data).

Esta cisão estratégica era fundamental, dado o estado do sistema fiscal no momento da tomada de posse do XIII Governo Constitucional, que se caracterizava por: i) Falta de instrumentos legislativos, informativos e de apoio à decisão, que assegurassem, respectivamente, a estabilidade do sistema, o acompanhamento e controlo do seu desempenho, e a adequada previsão da sua evolução quantificada; ii) Atraso nas tarefas de modernização e reorganização da administração tributária que tinham sido fortemente travadas pela política adoptada pela Secretaria de Estado do Orçamento no início da década de 90; iii) Acumulação de casos de atraso nas cobranças, agravados pela prolongada situação recessiva (que o Decreto-Lei n.º 225/94, de 5 de Setembro, só parcialmente resolveu), com os consequentes reflexos negativos na justiça tributáriae no tecido sócio-económico, nomeadamente no plano das distorções de concorrência; iv) Larga evasão e fraude fiscal e aduaneira sem combate eficaz, designadamente nos planos da fiscalização externa e das execuções fiscais; v) Ausência de diálogo institucionalizado entre os diversos departamentos da administração tributária e entre estes e os demais departamentos da Administração; vi) Sucessão de minirreformas fiscais em cada Orçamento do Estado, o que violava profundamente a sua estabilidade, um dos elementos básicos de um sistema fiscal eficiente, previsível por todos e generalizadamente acatado e cumprido.

A situação descrita - e em particular o facto de se entender que a política fiscal deve ser traçada, com carácter permanente, à margem dos Orçamentos do Estado, devendo constar do Orçamento do Estado apenas adaptações transitórias, conjunturais ou ocasionais - levou a que o Governo, numa 1.' fase, para além da prossecução e debate de diversos estudos (desde logo o debate do importante relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal), tivesse concentrado basicamente a sua actuação na luta contra a fraude e a evasão e na preparação de medidas imediatas tendentes a repor um mínimo de justiça e simultaneamente a realizar o objectivo da consolidação orçamental (medidas pontuais incluídas em três orçamentos e ou resultantes da concertação estratégica, preparação do plano de regularização de dívidas fiscais com particular incidência na actuação administrativa e esforços de melhoria da eficácia e do controlo do sistema fiscal).

Terminada essa fase de normalização do sistema fiscal, há que passar à concepção, programação e reforma da reforma, dando-se plena concretização ao Programa do XIII Governo Constitucional e aos compromissos assumidos em sede de concertação estratégica.

A reforma fiscal, cujas linhas programáticas e princípios estruturantes agora se divulgam, não visa, contudo, nem tem a ambição de substituir todas as leis ou os impostos existentes, pois muitos deles e a estrutura em que se integram têm sentido e futuro. Propõe-se, sim, numa perspectiva sistémica, uma reflexão global e intervenção selectiva sobre aquilo que ficou incompleto ou aquilo que está errado nas reformas fiscais recentes, estabilizando e aperfeiçoando as leis, instituições e instrumentos operativos, inflectindo comportamentos fiscais danosos para o cidadão e para o Estado, em vez de bruscas mexidas na estrutura dos impostos; numa palavra, reorientando a evolução do sistema fiscal ao serviço do desenvolvimento sócio-económico e político, integrando-o no movimento de transformação da economia e da sociedade portuguesa e europeia, no quadro dos novos modelos e paradigmas que se perfilam no horizonte de Portugal e do mundo.

2 - Princípios estruturantes de uma reforma fiscal para o século XXI A reforma da reforma fiscal dos anos 80, a reforma fiscal da transição para o século XXI, a reforma fiscal do Portugal desenvolvido, que é objectivo desta 2.' fase de actuação do Governo, deverá ser um processo dinâmico e participado, orientado por uma perspectiva estratégica, e obedecer, no plano político, aos seguintes princípios estruturantes: i) Consensualidade: será o mais consensual possível, por razões de necessidade de legitimação democrática profunda e eficiente aplicação e acatamento das medidas aprovadas, visando introduzir e provocar um debate que revele ou gere os máximos denominadores comuns resultantes da identidade ou da aproximação de posições entre as diversas forças políticas, económicas e sociais; ii) Estabilidade: assegurará uma maior estabilidade das normas fiscais estruturantes do sistema, sem prejuízo da manutenção de uma certa flexibilidade por razões conjunturais, não obnubilando assim um dos objectivos básicos de uma política fiscal séria e consciente; iii) Adaptabilidade: definirá, conforme as circunstâncias, formas de actuação reformadora diversificadas: nuns casos um mero levantamento da situação, quando nada se encontrou feito que permita, de imediato, tomar uma decisão política de fundo e, em outros casos, a reformulação de certos institutos fiscais ou mesmo da filosofia de tributação de certos impostos ou a remodelação das estruturas de aplicação ou controlo judiciais, administrativas ou sociais; iv) Articulação com outras políticas: o sistema fiscal deverá transformar-se num factor de promoção do desenvolvimento e contribuir para a realização da solidariedade social, de acordo com as finalidades da nossa comunidade nacional; v) Democracia e responsabilidade: introduzirá, no domínio tributário, a ética de responsabilidade inerente a uma cultura democrática - em suma, trata-se de trazer a democracia para a fiscalidade. Os impostos não podem continuar a ser considerados como uma mera imposição coactiva e arbitrária do Estado, mas têm de ser encarados, à luz da cultura democrática, como uma forma de partilha de solidariedade e de responsabilidade. A medida e os termos desta partilha são definidos essencialmente pela intervenção parlamentar na aprovação das leis fiscais e dos orçamentos em cada ano, de modo que, assim, os recursos dos contribuintes, em função da sua capacidade e de critérios de justiça legitimados pela democracia representativa, sejam postos ao serviço de todos, satisfazendo as necessidades públicas (isto é, do povo); vi) Cidadania: reformará as mentalidades de forma que se tome consciência da importância do instituto fiscal, como dever cívico e elemento integrante da cidadania, sem o que dificilmente se combaterá a actual mentalidade da fuga ao fisco ser socialmente tolerada; vii) Serviço público: permitirá que a Administração, sem quebra da sua autoridade, aja e se conceba ao serviço dos cidadãos, buscando a sua comodidade, a efectivação dos seus direitos e reconhecendo o primado da cidadania sobre a função pública. Os contribuintes não devem ser vistos pela Administração como potenciais faltosos ou defraudadores, mas sim como cidadãos e destinatários de um serviço público (como verdadeiros 'clientes'); viii) Simplicidade: simplificará e desburocratizará o sistema tributário, nomeadamente através do recurso às novas tecnologias; ix) Unidade de sistema: uniformizará, tanto quanto possível, as soluções de direito fiscal aduaneiro e não aduaneiro.

3 - Adequada consideração dos factores envolventes de uma reforma fiscal Na concretização dos princípios enunciados procurar-se-á respeitar e prosseguir um conjunto de objectivos e de prioridades, eles próprios determinados por factores político-jurídicos que condicionam, quer interna, quer externamente, as 'margens de liberdade' do decisor político, a saber: 3.1 - A nível interno, a consideração das directrizes normativas, quer fundamentadoras quer teleológicas, relativas à estrutura tributária, concentradas fundamentalmente nos artigos 106.º e 107.º do texto constitucional: Legalidade fiscal e respeito pelos direitos dos cidadãos. A lei prima sobre a função pública. O...

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