Acórdão n.º 220/92, de 28 de Julho de 1992

Acórdão n.º 220/92 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I 1 - O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira solicitou, através de requerimento entrado na secretaria do Tribunal Constitucional em 19 de Maio de 1992, a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas constantes do diploma sobre 'competências no âmbito do ensino superior', aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira em sessão plenária realizada em 30 de Abril de 1992 e que lhe fora enviado, para ser assinado e mandato publicar como decreto legislativo regional, em 11 de Maio do mesmo ano.

Este pedido de fiscalização preventiva foi apresentado nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.º 2, da Constituição da República (CR) e 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e foi fundamentado do seguinte modo: a) Conforme decorre do preâmbulo e do artigo 2.º do diploma, pretende-se estabelecer 'a competência própria do Governo da Região Autónoma da Madeira no que se refere ao ensino superior'.

Invoca-se, para o efeito, o artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, conjugado com os artigos 29.º, n.º 1, alínea c), e 30.º, alínea o), da Lei n.º 13/91, de 5 de Junho (que aprovou o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira), e, bem assim, a transferência de atribuições e competências decorrentes do Decreto-Lei n.º 332/83, de 13 de Junho, e o Decreto-Lei n.º 319-A/88, de 13 de Setembro, que criou a Universidade da Madeira; b) A invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da CR coloca o diploma em apreço na posição de formalmente emitido a título de legislação regional.

É, no entanto, duvidosa a constitucionalidade de todas as normas que o integram, seja por carecerem da demonstração concreta da existência de interesse específico regional, seja porque algumas das normas parecem invadir matéria reservada a competência própria dos órgãos de soberania, seja ainda por desrespeito aos princípios consagrados na CR ou em leis gerais da República.

Segundo a entidade requerente, será essa a conclusão a retirar da jurisprudência do Tribunal Constitucional, com adequada expressão nos Acórdãos n.os 82/86, 160/86, 164/86, 326/86, 333/86, 246/90 e 92/92 (publicados no Diário da República, 1.' série, de 2 de Abril de 1986, 2.' série, de 1 de Agosto de 1986, 1.' série, de 7 de Junho de 1986, 1.' série, de 18 de Dezembro de 1986, 1.' série, de 19 desse mês e ano, 1.' série, de 3 de Agosto de 1990, e 1.' série, de 7 de Abril de 1992, respectivamente - e da doutrina do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República - parecer n.º 68/87, publicado na 2.' série do mesmo jornal oficial, de 23 de Setembro de 1988; c) De facto, o ensino superior na Região Autónoma da Madeira surgiu com a criação, em 1976, do Instituto Universitário da Madeira (Decreto-Lei n.º 664/76, de 4 de Agosto); o Decreto-Lei n.º 205/81, de 10 de Julho, estabeleceu um quadro institucional adequado à colaboração de estabelecimentos de ensino superior integrados em universidades do continente com a Região Autónoma da Madeira, através da criação de centros de apoio na Região; o Decreto-Lei n.º 332/83, de 13 de Julho, editado com a finalidade de 'esclarecer em alguns pontos o estatuto do Instituto Universitário da Madeira, criado pelo Decreto-Lei n.º 664/76', fixou, no seu artigo 4.º, n.º 1, competência conjunta a favor do Governo da República e dos órgãos de governo próprio da Região para a 'aprovação dos estatutos; criação, reestruturação e extensão dos cursos; fixação do número de ingresso de alunos nos cursos; nomeação e exoneração do reitor, dos vice-reitores e dos vogais da comissão instaladora do Instituto Universitário da Madeira'; e tal competência devia ser exercida pela 'forma prevista na lei geral' (artigo 4.º, n.º 2, do citado Decreto-Lei n.º 332/83); d) Como a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), estabeleceu no seu artigo 14.º, n.º 1, que 'o ensino universitário [se] realiza [...] em universidades e em escolas universitárias não integradas', o legislador entendeu - na ausência de qualquer referência a institutos universitários - que se impunha transformar o Instituto Universitário da Madeira em universidade, aprovando, para o efeito, o Decreto-Lei n.º 319-A/88, de 13 de Setembro; este diploma determinou que a Universidade da Madeira se mantivesse em regime de instalação por um período de três anos, a contar da data da sua entrada em vigor, prorrogável por períodos anuais, mediante despacho conjunto dos Ministros da República para a Região Autónoma da Madeira e da Educação (artigo 1.º, n.os 2 e 3); e) Foi posteriormente publicada a Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro (Lei da Autonomia das Universidades), que desenvolveu o regime previsto no artigo 76.º, n.º 2, da Constituição, definindo a autonomia científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar, estabelecendo de imediato os órgãos de governo próprio das universidades, a sua composição e competência, o modo de aprovação dos estatutos e o regime de homologação e determinando a sujeição das instituições universitárias em regime de instalação há mais de dois anos às disposições previstas na mesma lei; f) Não obstante poder admitir-se que a norma do n.º 2 do artigo 31.º da Lei da Autonomia das Universidades (norma sobre o regime de instalação) era aplicável à recém-criada Universidade da Madeira, a verdade é que, por despacho conjunto do Ministro da República para a Região Autónoma e do Ministro da Educação de 27 de Julho de 1991, foi prorrogado, tal como sucedera em 1988, mas agora pelo período de um ano, o prazo de instalação da Universidade da Madeira, invocando-se o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 319-A/88; g) A entender-se que a situação de facto existente no que respeita à Universidade da Madeira impunha como necessidade administrativa a prorrogação do prazo de instalação para além dos limites indicados na Lei da Autonomia das Universidades, devia então considerar-se como permanecendo plenamente aplicáveis nesta matéria 'os relevantes preceitos do citado diploma [Decreto-Lei n.º 319-A/88]' e ainda os 'do Decreto-Lei n.º 332/83, nomeadamente os seus artigos 4.º, n.º 1, alínea f), e 5.º, alínea b)'; h) Tal entendimento imporia que, enquanto a Universidade da Madeira se mantivesse em regime de instalação, a nomeação e exoneração do reitor e dos membros da comissão instaladora es tivessem legalmente reservadas para a competência conjunta do Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira e do Ministro da Educação, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 332/83 e do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 319-A/88; i) Daí que a alínea c) do artigo 2.º do decreto em análise, ao fixar como competência própria do Governo Regional a nomeação e a exoneração do reitor e dos membros da comissão instaladora da Universidade da Madeira, colida frontalmente com o disposto nos artigos 2.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 319-A/88 e 4.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 332/83; é que a Assembleia Legislativa Regional invoca, como fundamento para o exercício do poder legislativo regional, o aprofundamento da 'autonomia político-administrativa com a aprovação da Lei n.º 13/91, de 15 de Junho', sem que materialize qualquer outra 'especificidade' susceptível de fundamentar a sua intervenção legislativa; j) Como não existe nenhuma razão superveniente que leve, quando confrontada com os diplomas de 1983 e de 1988, à consideração de que tal matéria passou a integrar o domínio do interesse específico regional, 'a conclusão só poderá ser a de que a alínea c) do artigo 2.º do decreto legislativo regional é inconstitucional por violar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa'; k) Este decreto legislativo regional, ao pretender definir as competências próprias do Governo Regional relativas ao ensino superior, consagra, para além das disposições respeitantes ao período de instalação da Universidade da Madeira, normas que incidem sobre o regime da autonomia universitária, afirmando que procurou adaptar o regime de autonomia das universidades constante da Lei n.º 108/88 'à nova esfera político-administrativa da Região Autónoma', resultante da aprovação em 1991 do novo Estatuto Político-Administrativo Regional; 'todavia, o ensino superior na Região Autónoma é parte integrante do sistema educativo nacional, devendo desenvolver-se, em articulação com a política nacional de educação, no quadro político-administrativo da Região Autónoma (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º332/83)'; l) De harmonia com a Lei de Bases do Sistema Educativo, este sistema 'tem por âmbito geográfico a totalidade do território português - continente e Regiões Autónomas' e 'a condenação da política relativa ao sistema educativo, independentemente das instituições que a compõem, incumbe a um ministério especialmente vocacionado para o efeito' (nos 4 e 5 do artigo 1.º da Lei n.º 46/86); m) Por força do artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 108/88, o poder de tutela sobre as universidades é exercido pelo Ministério da Educação; mas a tutela administrativa relativa aos estabelecimentos públicos de ensino superior da Região Autónoma da Madeira constitui atribuição própria desta Região, sem prejuízo da autonomia universitária e de acordo com a legislação que regula a sua orgânica e funcionamento, tendo sido reservadas à competência conjunta do Governo da República e dos órgãos de governo próprio da Região certas matérias e ficando a cargo exclusivo destes últimos órgãos outras matérias (artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 332/83); n) 'Ora, as competências que as alíneas f) a k) do artigo 2.º do decreto legislativo regional atribuem, como próprias, ao Governo Regional da Madeira limitam-se a reproduzir a disciplina vertida no artigo 28.º da Lei da Autonomia das Universidades', sendo certo que as competências correspondentes à mera tutela administrativa já se acham desde 1983 na titularidade dos órgãos...

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