Acórdão n.º 157/88, de 26 de Julho de 1988

Acórdão n.º 157/88 Processo n.º 53/85 Acórdão, em plenário, no Tribunal Constitucional (T. Const.): I Relatório 1 - Um grupo de deputados à Assembleia da República requereu, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, a fiscalização abstracta da constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 336/84, de 18 de Outubro, que criou duas empresas de transportes marítimos - a PORTLINE (Transportes Marítimos Internacionais) e a TRANSINSULAR (Transportes Marítimos Insulares) - e aprovou os respectivos estatutos, e do Decreto-Lei n.º 45/85, de 21 de Fevereiro, que veio fixar o alcance do artigo 5.º daquele primeiro diploma.

Fizeram acompanhar o seu requerimento com diversa documentação.

Notificado o Governo, na pessoa do Primeiro-Ministro, nos termos dos artigos 54.º e 55.º da Lei do Tribunal Constitucional, para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, ofereceu este, como resposta, um parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, que merecera a sua expressaconcordância.

2 - Fundamentando o seu pedido, dizem, em síntese, os requerentes:

  1. Verifica-se a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 336/84 porque o Governo, ao criar duas sociedades anónimas - a PORTLINE e a TRANSINSULAR - destinadas a exercer a actividade de transportes marítimos, veio autorizar a entidades privadas (como são as duas empresas em causa, não obstante a titularidade privada do seu capital social não poder ultrapassar o limite de 49%) o acesso a essa actividade em condições diferentes das previstas no artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 46/77, de 8 de Julho (lei de delimitação dos sectores económicos): é que estas condições são as de se salvaguardar 'a viabilidade e desenvolvimento das empresas públicas do sector', e não só o diploma não tomou tal cautela relativamente às duas empresas públicas operando no sector em causa (a CTM e a CNN), como o Governo, já havendo tomado medidas nesse sentido, veio mesmo a deliberar a sua extinção.

    Assim, está-se perante uma verdadeira alteração do artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 46/77, a qual só a Assembleia da República, ou o Governo por esta autorizado (o que no caso não acontecia), podia fazer, uma vez que a definição 'dos sectores básicos aos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza' se inclui na reserva relativa da competência legislativa da mesma Assembleia, nos termos do artigo 168.º, n.º 1, alínea j), da Constituição; b) Se assim não for entendido, verifica-se, de todo o modo, a inconstitucionalidade material do Decreto-Lei n.º 336/84, por violação da norma do artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 46/77, e indirectamente do artigo 85.º, n.º 3, da Constituição: na verdade, devendo as normas da Lei n.º 46/77 considerar-se, relativamente a esse preceito constitucional, normas interpostas - visto actuarem os limites à iniciativa económica privada nele previstos -, a sua violação implicará a violação indirecta daquele; c) Verifica-se a inconstitucionalidade material do Decreto-Lei n.º 336/84 por violação da garantia de irreversibilidade das nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974, consignada no artigo 83.º, n.º 1, da Constituição - e isto porque, estando a criação da PORTLINE e da TRANSINSULAR ligada à extinção da CTM e da CNN, e integrando com esta um mesmo conjunto de medidas destinadas à 'reestruturação da marinha mercante', resulta claro que a parte rentável do património das empresas públicas a extinguir será adquirida pelas duas novas empresas (privadas), com o que se configurará um caso de desnacionalização parcial. E a isto não obvia o facto de tal 'desnacionalização' não decorrer directamente do diploma em apreço e só se verificar com a publicação dos diplomas extintivos da CTM e CNN e a alienação do respectivo património: é que o Decreto-Lei n.º 336/84, ao criar as duas novas empresas, vem justamente estabelecer os pressupostos para a obtenção daquele resultado (ou seja, de um 'resultado que a Constituição proíbe'), pelo que se pode falar de uma situação de fraude à lei - situação essa para cuja neutralização será adequada a declaração de inconstitucionalidade; d) Verifica-se a inconstitucionalidade material do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 336/84, preceito que dispõe sobre o regime jurídico a que ficará sujeito o pessoal da PORTLINE e da TRANSINSULAR, e isso pela seguinte ordem de razões: por um lado, porque se consagra aí um 'poder regulamentar unilateral dos órgãos de gestão da empresa', incluindo a possibilidade de tais órgãos se oporem à aplicação a esse pessoal dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, o que viola o princípio da igualdade, do artigo 13.º da Constituição, e ainda o que no artigo 115.º, n.º 5, desta última se dispõe sobre actos normativos; por outro lado, porque se determina aí a inaplicabilidade ao dito pessoal da referida regulamentação colectiva de trabalho (salvo se os órgãos da empresa decidirem diversamente), o que viola o princípio da liberdade sindical (artigo 56.º da Constituição), em todas as suas dimensões, mas especialmente no plano da autonomia colectiva e do direito de contratação colectiva (artigo 57.º, n.os 3 e 4, idem), o que, de resto, acarreta nova violação do princípio da igualdade e determina, bem assim, a subversão do princípio do carácter mínimo da norma juslaboral; por último, porque 'o insólito e explícito reforço do poder paternal assim consagrado viola manifestamente, e por todo o exposto, o princípio fundamental que sujeita a actividade do Estado ao objectivo de promoção da igualdade real entre os Portugueses (artigo 9.º da Constituição)'; e) Verifica-se - também no respeitante ao artigo 5.º - a inconstitucionalidade formal do Decreto-Lei n.º 336/84, na medida em que, constituindo o seu artigo 5.º 'legislação do trabalho', nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alíneas a), b) e d), da Lei n.º 16/79, de 26 de Maio, para efeitos do exercício do direito de audição previsto nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alinha a), da Constituição, esta audição não foi garantida - assim, pois, se encontrando viciado o processo de elaboração do diploma em causa; f) Ainda quanto ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 336/84, verifica-se a sua inconstitucionalidade orgânica, uma vez que, tendo esse preceito por objecto direitos fundamentais dos trabalhadores, nomeadamente a liberdade sindical, o Governo não dispunha de competência para emiti-lo, por força conjugada dos artigos 168.º, n.º 1, alinha b), e 17.º da Constituição; g) O Decreto-Lei n.º 45/85, não obstante ser apresentado como 'interpretativo' do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 336/84, procede, na realidade, à revisão desse preceito e não sana as inconstitucionalidades do mesmo; h) Ainda que possa 'discutir-se a inconstitucionalidade do artigo 5.º é apenas parcial' (não obstante os vícios formais de que enferma respeitarem ao acto em si e não apenas à norma), 'já se admite com maior segurança que as restantes inconstitucionalidades determinem a inconstitucionalidade total do diploma': é que, se todas elas se centram no n.º 1 do artigo 2.º (que permite a abertura ao capital privado da PORTLINE e TRANSINSULAR, 'duvida-se que sem [esse] preceito [...] o diploma conservasse o sentido e justificação que o Governo lhe atribui'. O 'critério da interdependência' justificará, pois, a inconstitucionalidade total, ao mesmo resultado se chegando pela aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur.

    3 - Na sua resposta, por sua vez, o Primeiro-Ministro começa por sustentar que 'os dois diplomas em apreço, enquanto integram materialmente um acto administrativo e não um acto normativo - estando, assim, em causa factos e não normas -, são insusceptíveis da fiscalização constitucional que vem requerida'. Mas acrescenta que, de todo o modo, 'os mesmos diplomas são constitucionalmente válidos, não procedendo os fundamentos invocados no pedido'. A tal respeito, conclui o Primeiro-Ministro nos seguintes termos:

  2. Situam-se (os diplomas em causa) na área da competência própria do Governo, de harmonia com os artigos 201.º, n.º 1, alinha a), da Constituição e 4.º, n.º 3, da Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, criando duas sociedades de economia mistas de capital público obrigatoriamente maioritário; b) Não demonstram, por si, uma relação de causa-efeito, como aliás o próprio Tribunal já o reconheceu, entre a extinção das antigas empresas nacionalizadas CTM e CNN e a criação das novas empresas; todavia c) Ainda que se verifique, ou venha a verificar, a integração de parte do património daquelas empresas - parte porventura rentável - no património das duas empresas ora criadas, a aquisição de elementos materiais integrantes das primeiras, por estas, não significa juridicamente ofensa ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 e contido no artigo 83.º, n.º 1, da Constituição, já que verdadeiramente nenhuma empresa foi desnacionalizada; de qualquer modo d) A criação das duas novas empresas com uma forma societária mista de capital público e privado, sendo aquele obrigatoriamente maioritário, permite o domínio da sociedade pelo Estado e, consequentemente, não lesa o princípio constitucional de subordinação do poder económico ao poder político, núcleo e suporte essencial da filosofia jurídica em que assenta a questionada irreversibilidade; e) A criação das empresas supõe, lógica e cronologicamente, um momento ulterior de contratação, singular ou colectiva, dos respectivos trabalhadores, a colocar ao seu serviço; assim f) Não pode razoavelmente falar-se em preterição de direitos sindicais ou outros direitos dos trabalhadores (ou das empresas ou seus órgãos em relação a eles, em confronto com outras empresas em funcionamento ou outros trabalhadores) enquanto não for constituída a relação de trabalho entre as empresas criadas e os seus futuros trabalhadores, inexistindo assim, entretanto, qualquer vínculo de subordinação jurídica e económica potenciador e legitimador do...

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