Acórdão n.º 549/2007, de 31 de Janeiro de 2008

Acórdáo n. 549/2007

Processo n. 735/2007

Acordam na 3ª Secçáo do Tribunal Constitucional

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos em que é recorrente Ricardo Jorge Salvador Lopes e recorrido o Ministério Público, em sede de recurso interposto de Acórdáo do Tribunal da Relaçáo do Porto, que indeferiu o pedido de recusa da juíza legalmente encarregue de processo -crime, no qual o recorrente é arguido, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acórdáo, em 11 de Abril de 2007, nos termos do qual considerou que "náo é admissível o recurso para este Supremo, do acórdáo da Relaçáo que indeferiu o pedido de recusa da Sr.ª Juíza Dra. Ascensáo Abrantes para intervir no processo comum (Tribunal Colectivo) n. 548/05.=TACHV do 2. Juízo do Tribunal Judicial de Chaves" (fls. 412).

2 - O referido Acórdáo foi precedido de despacho do Juiz -Relator que, em sede de exame preliminar, enviou o processo para vistos da conferência com o seguinte considerando:

Parece -me náo ser admissível recurso do acórdáo da Relaçáo do Porto, atento o objecto do mesmo e os respectivos dispositivos legais processuais.

Assim, a vistos (...) e depois à secçáo. (fls. 402 -verso)

3 - Em sede de resposta à motivaçáo do recorrente, o Ministério Público junto do Tribunal da Relaçáo do Porto já havia aderido à jurisprudência minoritária espelhada no Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Setembro de 2006 (Proc. n. 06P2332), tendo considerado que "seguindo esta jurisprudência, que nos parece ser a que melhor interpreta as disposiçóes legais que determinam o âmbito dos recurso[s] para o Supremo Tribunal de [J]ustiça, afigura -se -nos que, no caso concreto, é irrecorrível a decisáo proferida por este Tribunal da Relaçáo do Porto, que indeferiu o pedido de recusa de juiz em causa (artigo 414., n. 2 - 1ª parte - do CPP)" (fls. 393).

Contudo, em sede de vista, para os efeitos previstos no artigo 416. do CPP, o representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça viria a contrariar esta tese, porque "apesar de se reconhecer ser duvidosa a admissibilidade do recurso da decisáo que conhece o incidente de recusa, temos por fundada, na perspectiva do critério de favor do recurso, a orientaçáo largamente maioritária deste STJ no sentido da sua admissáo e consequente conhecimento (quer nos acórdáos que se pronunciaram especificamente sobre esta questáo, quer nos demais, que conheceram do respectivo objecto)" (fls. 402).

4 - Notificado do referido Acórdáo, o recorrente viria a deduzir em juízo um requerimento de arguiçáo de nulidade do mesmo, através do qual suscita o seguinte incidente de inconstitucionalidade, "ad cautelam", solicitando que o Supremo Tribunal de Justiça explicite qual a norma jurídica concreta sobre a qual fundou a respectiva decisáo de náo conhecimento do recurso:

C) Por mera cautela e ignorando -se qual o normativo que está subjacente à atitude concreta de decidirem questáo prévia no sentido proposto pelo M. P., sem audiçáo sobre a mesma do recorrente, com desrespeito nítido pelo princípio do contraditório, arguir a inconstitucionalidade da interpretaçáo de tal norma, qualquer que seja a que venham a concretizar, se o vierem a fazer, por violaçáo do artigo 32. da CRP (fls. 415).

5 - Por Acórdáo, de 06 de Junho de 2007, a 3ª Secçáo do Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, viria a indeferir a arguiçáo de nulidade e a afastar a alegada inconstitucionalidade da interpretaçáo da norma que sustentou juridicamente o náo conhecimento do recur-so - "in casu", a constante do n. 3 do artigo 417. do CPP - , considerando que:

O despacho em que se procede a exame preliminar [] engloba -se na competência legal própria do relator, como resulta do artigo 417. n. 3 do CPP, náo se encontrando submetido ao princípio do contraditório, por representar uma apreciaçáo oficiosa de pressupostos legais sobre a viabilidade de prossecuçáo do recurso, e, por isso, náo é caso de notificaçáo do mesmo aos sujeitos processuais (fls. 421).

6 - Em 26 de Junho de 2007, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70. da lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Consti-

tucional [LTC], solicitando a apreciaçáo da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 399., 414., n. 2, 417., n. 3, 420., n. 1, 432. e 433., todos do CPP.

7 - Notificado para alegar, o recorrente veio a produzir as seguintes alegaçóes, em 08 de Agosto de 2007:

I - No presente recurso pretende ver -se apreciada dupla inconstitucionalidade,a saber:

Do artigo 417., n. 3 do CPP, interpretado no sentido com que o foi na decisáo recorrida, isto é, que tendo o M° P°, em sede de contra -motivaçáo de recurso, a que nunca pode responder nos autos, por náo haver oportunidade processual para isso, levantado como questáo prévia a da irrecorribilidade de determinada decisáo do Tribunal da Relaçáo, o Juiz Relator pode no despacho do exame preliminar tomar posiçáo sobre a questáo prévia levantada pelo M° P°, dando origem a acórdáo que rejeita o recurso, sem que alguma vez o recorrente tenha oportunidade de se pronunciar sobre tal questáo prévia.

Dos artigos 399°, 414°, n. 2, 420., n. 1, 432° e 433°, todos do CPP, quando interpretados no sentido com que o foram na decisáo recorrida, isto é, de que náo é admissível recurso de decisáo do Tribunal da Relaçáo proferida em incidente de recusa de juiz.

II - Ponderando, especificadamente, cada uma das situaçóes:

A) A do artigo 417°, n°3 do CPP

1 - O M° P°, em sede de contra -motivaçáo da decisáo da Relaçáo, concluiu que o recurso deve ser rejeitado, por a decisáo náo ser recorrível.

2 - O acórdáo de 11 de Abril de 2007 tomou posiçáo sobre tal questáo introduzindo -a da seguinte forma:

Sobre a questáo prévia já suscitada pelo Exm.° Magistrado do Ministério Público junto da Relaçáo do Porto:

3 - O recorrente jamais foi ouvido sobre tal questáo prévia e, segundo o acórdáo de 6 de Junho de 2007, oportunidade em que o recorrente teve conhecimento do normativo invocado para táo estranha tramitaçáo, náo tinha que o ser já que o despacho em que se procede a exame preliminar, engloba -se na competência legal própria do relator, como resulta do artigo 417° n. 3 do CPP, náo se encontrando tal despacho submetido ao principio do contraditório, por representar uma apreciaçáo oficiosa de pressupostos legais sobre a viabilidade de prossecuçáo do recurso, e, por isso, náo é caso de notificaçáo do mesmo aos sujeitos processuais.

4 - Tenha -se em atençáo que, no caso concreto, o STJ assumiu como questáo prévia a rejeiçáo do recurso, nos termos defendidos pelo M° P° na contra -motivaçáo, peça processual náo passível de resposta.

5 - A questáo colocada náo é diferente da decidida no Ac. 469/97 e da Doutrina subjacente aos acórdáos 651/93 e 396/94.

6 - Efectivamente, náo é diferente o problema presente do ali colocado.

7 - Por iniciativa do M° P°, e na linha do por si defendido na contra-motivaçáo, o Sr Juiz Relator vislumbrou uma questáo prévia, questáo impeditiva do conhecimento do recurso do recorrente e decidiu, segundo tal sentido, sem que o recorrente tenha sido ouvido.

8 - Ao ter interpretado o artigo 417°, n. 3 do CPP no sentido de que tal comportamento processual é possível, violou a decisáo recorrida quer o princípio do contraditório, quer o princípio que assegura todas as garantias de defesa em...

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