Acórdão n.º 1203/96, de 24 de Janeiro de 1997

Acórdão n.º 1203/96 - Processos n.º 270/90 e 1/92 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I - 1 - Um grupo de deputados do Partido Socialista requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), e 2, alínea f), da Constituição da República, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 179/90, de 5 de Junho, sobre o enquadramento no regime geral de segurança social dos docentes dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo.

O pedido é assim delimitado e fundamentado: '1 - A Lei n.º 9/79, de 19 de Março (bases do ensino particular e cooperativo), determinou, no seu artigo 12.º que `a legislação relativa aos profissionais de ensino, nomeadamente nos domínios salarial, de segurança social e assistência, deve ter na devida conta a função de interesse público que lhes é reconhecida e a conveniência de harmonizar as carreiras com as do ensino público'.

O artigo 13.º do mesmo diploma acrescentou que: `5 - [...], o Governo deve regular as condições da sua aplicação [desta lei] de forma a proporcionar a progressiva integração dos docentes numa carreira profissional comum'.

2 - Na linha de harmonização das disposições relativas à segurança social, foram publicados o Decreto-Lei n.º 321/88 e o seu Regulamento (a Portaria n.º 1/89, de 2 de Janeiro). Do artigo 10.º do citado decreto-lei e da referida portaria resulta que os estabelecimentos do ensino particular e cooperativo participam no financiamento do sistema de segurança social a que passou a estar sujeito o respectivo pessoal docente, entregando à Caixa Geral de Aposentações e ao Montepio dos Servidores do Estado quantias iguais às quotas deduzidas nas remunerações do respectivo pessoal docente.

3 - Todavia, ao arrepio de todo este processo de criação de um sistema de segurança social unificado para todos os professores, os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 179/90, de 5 de Junho, consagraram um sistema de segurança social híbrido para os docentes do ensino particular e cooperativo, de que resulta que estes docentes, já sujeitos a descontos para a Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado, permanecem, além disso, `enquadrados no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem'.

4 - Os artigs 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 179/90, de 5 de Junho, criando uma situação de desvantagem para os docentes do ensino particular relativamente aos restantes e contrariando a tendência para a uniformização do seu estatuto profissional, violam o artigo 13.º da Constituição.

5 - Tendo o Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro, representado um passo decisivo para a criação de um sistema de segurança social unificado para todos os docentes, o qual cumpre ao Estado criar, face ao disposto pelo artigo 63.º da Constituição, afigura-se que os artigos anteriormente referidos no Decreto-Lei n.º 179/90, que representam um recuo neste processo, violam este preceito da Constituição.

Refira-se em abono deste entendimento que o Tribunal Constitucional tem entendido que `as normas constitucionais que impõem uma obrigação ao legislador impedem que, uma vez essa obrigação cumprida, ela seja, de novo, descumprida' (cf. Acórdão n.º 39/84, relativo ao Serviço Nacional de Saúde).

No caso em apreço verificou-se um nítido recuo no processo de criação de um sistema de segurança social unificado para todos os docentes.

6 - O artigo 10.º (`Produção de efeitos') do Decreto-Lei n.º 179/90, de 5 de Junho, estabelece que: `O presente diploma produz efeitos desde a data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro.' Recorde-se que o artigo 4.º (`Esquema contributivo') do mesmo diploma estabelece que: `1 - As contribuições devidas para o regime geral da segurança social são calculadas pela aplicação às remunerações pagas e recebidas da taxa de 10%, da responsabilidade das entidades empregadoras.

2 - A percentagem referida no número anterior engloba a taxa de 0,5% prevista no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 200/81, de 9 de Julho, destinada ao financiamento da cobertura do risco de doença profissional.' Da conjugação destes preceitos resulta violado o princípio da irretroactividade dos impostos e, por conseguinte, os artigos 2.º e 106.º da Constituição.

7 - Com efeito, na alteração introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/89, na redacção do artigo 106.º, n.º 1, estabeleceu-se que o sistema fiscal não visa só a ratificação das necessidades financeiras do Estado mas também de outras entidades públicas. Quer isto dizer que esses encargos, designados por parafiscais, fazem parte do sistema fiscal.

8 - As contribuições para a segurança social têm natureza parafiscal e não se confundem com taxas. É óbvio que às contribuições das entidades patronais não corresponde qualquer contrapartida directa e também não é sustentável dizer que essa contrapartida existe para a generalidade das contribuições dos trabalhadores.

Acresce que não faria sentido qualificar diferentemente as contribuições das entidades patronais e dos trabalhadores. As contribuições para a segurança social são por isso qualificadas como encargos parafiscais.

9 - No sentido da integração da segurança social no sistema fiscal milita também a integração do orçamento da segurança social no Orçamento do Estado de acordo com o disposto no artigo 108.º da Constituição.

10 - Da evolução verificada em sede constitucional resulta patente que se procura aproximar o regime dos encargos parafiscais do dos impostos.

Daí resulta a necessidade de considerar que o princípio da irretroactividade dos impostos é igualmente válido para os encargos parafiscais como o são as contribuições para a segurança social.

Tendo o Decreto-Lei n.º 179/90 sido publicado em 5 de Junho de 1990 e pretendendo tornar retroactivamente exigíveis as contribuições para o regime da segurança social desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro, estamos perante o que a doutrina qualifica como retroactividade do 1.º grau ou perfeita.

Não oferece dúvidas que, como refere Guilherme Oliveira Martins, `este tipo de retroactividade é proibido', in Constituição Financeira, 2. vol., AAFDL, 1984/5.' Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, disse o Primeiro-Ministro: '1.º O Decreto-Lei n.º 179/90, de 5 de Junho, cujos artigos 2.º a 10.º são arguidos de inconstitucionalidade, visou tão-somente proceder a um rigoroso enquadramento, no regime da segurança social, do pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo, face ao novo quadro normativo estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro, que determinou a inscrição dos referidos docentes na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado.

  1. Com efeito, derivando do regime instituído pelo citado diploma (Decreto-Lei n.º 321/88), a aplicação aos docentes por ele abrangidos dos estatutos de aposentação e sobrevivência em tudo o que não fosse por ele contrariado, o certo é que tal regime cobre unicamente as prestações devidas aos mesmos nas eventualidades de morte, velhice e invalidez, ficando de fora outras prestações pecuniárias atribuídas no âmbito do regime de segurança social obrigatória (Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto), como sejam as devidas por encargos familiares, incapacidade temporária por doença, situação de maternidade e desemprego.

  2. É que, a despeito do princípio da unidade do sistema de segurança social, que pressupõe a articulação dos respectivos regimes constitutivos e aparelhos administrativos com vista a uma efectiva unificação, não se desconhece que ainda não foi possível atingir tal objectivo, sendo que as normas constitucionais ou ordinárias que o prevêem têm, na realidade, carácter programático.

  3. Exemplo típico da diferenciação ainda existente no domínio da segurança social, a manutenção dos regimes de protecção social da função pública `até serem integrados com o regime geral de segurança social num regime unitário' (artigo 70.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto).

  4. É ainda esta disposição legal que - acentuando o carácter programático das normas que estabelecem o princípio da unidade - vem estabelecer a forma como deve ser feita a integração dos diversos sistemas de segurança social existentes, ou seja, `gradualmente através da unificação das disposições que regulam os esquemas de prestações correspondentes às diversas eventualidades, sem prejuízo de disposições mais favoráveis'.

  5. Assim, e no que se refere ao regime geral da segurança social, são obrigatoriamente abrangidos por este os trabalhadores por conta de outrem e os trabalhadores independentes (artigo 18.º da Lei n.º 28/84).

  6. Este regime concretiza-se através da atribuição de prestações pecuniárias ou em espécie nas eventualidades de doença, maternidade, acidentes de trabalho e doenças profissionais, desemprego, invalidez, encargos familiares, velhice, morte e outras, desde que previstas em lei.

  7. A lei da segurança social prevê, igualmente, que a obrigatoriedade de inscrição em relação a alguma ou algumas das eventualidades referidas pode não ser aplicável a determinadas categorias de trabalhadores, sem prejuízo de os interessados requererem a sua inscrição nos casos e nas condições que a lei admita.

  8. Daí que, na esteira do que ficou consignado na Lei n.º 9/79, de 17 de Março (bases do ensino particular e cooperativo) - no sentido de que legislação relativa aos profissionais de ensino, nomeadamente no domínio da segurança social, deve ter na devida conta o interesse público que é reconhecido à função docente e a conveniência em harmonizar as suas carreiras com as do ensino público -, o Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro, tenha determinado a inscrição dos docentes do ensino particular e cooperativo, não superior, que...

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