Acórdão n.º 449/91, de 16 de Janeiro de 1992

Acórdão n.º 449/91 Processo n.º 185/89 Acordam no Tribunal Constitucional: I 1 - O Procurador-Geral da República requer, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, na parte em que impõe o voto directo, e do artigo 46.º do mesmo decreto-lei, no segmento em que determina, nos termos do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, a aplicação às associações sindicais da segunda parte do artigo 162.º do Código Civil.

O n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, estabelece o seguinte: O voto será sempre directo, e ainda secreto, quando se trate de eleições e de deliberação sobre integração noutras organizações sindicais ou associação comelas.

Por seu lado, o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, contém, subsidiariamente, a seguinte remissão: As associações reger-se-ão pelas normas dos artigos 157.º e seguintes do Código Civil em tudo que não for contrário a este diploma.

Esta remissão torna aplicável às associações sindicais a exigência contida na parte final do artigo 162.º do Código Civil, nos termos da qual deverá ser impar o número de titulares do órgão colegial de administração e do conselho fiscal, incluindo um presidente.

2 - A inconstitucionalidade material das normas em questão é inferida das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 55.º da Constituição.

Com efeito, o Procurador-Geral da República deduz dos preceitos constitucionais referidos que 'a liberdade sindical, enquanto liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, só pode ser limitada quando tal for necessário para assegurar o respeito pelos princípios da organização e da gestão democráticas'. E, observando que a Constituição não exige o voto directo nem o número ímpar de titulares dos órgãos das associações sindicais, o Procurador-Geral da República conclui que as exigências legais cuja constitucionalidade ora se aprecia não são impostas e nem sequer autorizadas pela Constituição.

3 - Notificado por este Tribunal para se pronunciar, no prazo de 30 dias, querendo, sobre o pedido formulado pelo Procurador-Geral da República, nos termos do disposto no artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o Primeiro-Ministro respondeu oferecendo o merecimento dos autos.

II 4 - A liberdade sindical constitui, em todas as suas manifestações constitucionais - incluindo a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, consagrada na alínea c) do n.º 2 do artigo 55.º da Constituição [correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 56.º na versão da 1.' revisão constitucional e à alínea c) do n.º 2 do artigo 57.º na versão originária] -, um direito fundamental, beneficiando do regime previsto no artigo 18.º da Constituição.

Deste modo, a liberdade sindical só pode ser restringida, pelo legislador ordinário, nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo, cumulativamente, observar-se o princípio da proporcionalidade, isto é, estando as limitações confinadas ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2 do artigo 18.º). Por outra parte, as limitações não podem atingir o conteúdo essencial da liberdade sindical (n.º 3 do artigo 18.º).

5 - No caso em apreço, deveremos concluir que é o n.º 3 do artigo 55.º da Constituição (n.º 3 do artigo 56.º na versão da 1.' revisão e n.º 3 do artigo 57.º na versão originária) que prevê a única limitação à liberdade sindical: As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividadesindical.

Na Constituição, a liberdade sindical é, pois, limitada pelo princípio democrático (da organização e da gestão democrática), sendo explicitadas as seguintes exigências deste princípio: a) Escrutínio secreto na eleição dos órgãos dirigentes das associações sindicais; b) Periodicidade do acto eleitoral; c) Participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical.

6 - A primeira questão que o teor do n.º 3 do artigo 55.º suscita é a de saber se a liberdade sindical é genericamente restringida pelo princípio democrático ou só o é, limitadamente, nas três manifestações desse princípio que, expressamente, refere.

Este problema tem um potencial alcance prático: o que se questiona, afinal, é se outros eventuais ditames do princípio democrático condicionam a liberdade sindical, para além dos explicitados no n.º 3 do artigo 55.º da Constituição. E, na hipótese de resposta afirmativa, deveremos inquirir se os requisitos estabelecidos pelo n.º 3 do artigo 17.º e pelo artigo 46.º da lei sindical constituem expressões obrigatórias do princípio democrático.

7 - A resposta a dar, liminarmente, à questão formulada deverá reconhecer que a sujeição das associações sindicais aos princípios da organização e da gestão democráticas implica a observância do princípio democrático, nas suas características constitutivas. Assim, embora o n.º 3 do artigo 55.º da Constituição não aluda, expressis verbis, à universalidade e à igualdade no sufrágio, não sofre contestação que essas exigências decorrem do requisito genérico de democraticidade na organização e na gestão das associações sindicais: seria, por exemplo, materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos n.os 3 do artigo 56.º, 1 do artigo 12.º e 2 do artigo 13.º da Constituição, uma norma que reservasse o direito de voto aos trabalhadores do sexo masculino ou atribuísse um peso preponderante ao voto destes.

O que decorre desta afirmação é que a eleição dos órgãos dirigentes das associações sindicais não é exclusivamente condicionada pelos requisitos da periodicidade e do escrutínio secreto, consagrados, de forma explícita, no n.º 3 do artigo 55.º da Constituição. São configuráveis, igualmente, requisitos implícitos, derivados do princípio democrático desde que possuam, relativamente a ele, uma natureza constitutiva.

8 - O problema a que importa dar resposta, seguidamente, é o de saber que requisitos referentes ao sufrágio inerem ao próprio princípio democrático. E este problema deve ser ponderado à luz das disposições constitucionais que disciplinam o sufrágio.

Nesta matéria, os artigos 10.º, 49.º e 116.º da Constituição contêm as fundamentais precisões do princípio democrático, genericamente enunciado no artigo 2.º No seu n.º 1 o artigo 10.º determina que 'o povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico e das demais formas previstas na Constituição'. Por seu turno, o artigo 49.º, tratando a matéria como direito subjectivo, determina que 'têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral' (n.º 1) e que 'o exercício de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico' (n.º 2). Finalmente, o n.º 1 do artigo 116.º consagra, como princípio geral de direito, eleitoral, 'o sufrágio directo, secreto e periódico'.

9 - Da conjugação das disposições constitucionais...

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