Resolução n.º 6/2003, de 20 de Janeiro de 2003

Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/2003 Nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, que aprova a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA), a Assembleia da República, por iniciativa do Governo, debateu as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional. Este debate, forma legalmente prevista para garantir a intervenção parlamentar no processo, foi o corolário de uma ampla consulta aos mais diversos sectores da sociedade civil, conseguindo-se assim uma discussão a um tempo participada e aprofundada da política de defesa nacional.

Tendo presente o conteúdo do debate produzido, o qual permitiu consolidar nas suas grandes linhas a orientação constante da proposta do Governo, preparou este o projecto de conceito estratégico de defesa nacional. Este projecto foi apreciado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, tendo antes sido ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior, nos termos do n.º 3 do citado artigo 8.º da LDNFA.

Obtido que foi o desejável consenso em torno do documento elaborado pelo Governo, cabe agora a este, em Conselho de Ministros, aprovar, conferindo-lhe forma e força jurídicas, o conceito estratégico de defesa nacional.

Assim: Nos termos das alíneas d) e g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministrosresolve: Aprovar, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 8.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, o conceito estratégico de defesa nacional, em anexo à presente resolução, que dela faz parte integrante.

Presidência do Conselho de Ministros, 20 de Dezembro de 2002. - O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.

Conceito estratégico de defesa nacional 1 Introdução 1.1 - A última década do século XX introduziu profundas mudanças no cenário internacional motivadas pela implosão da União Soviética. Em consequência, emergiram novos países nessa área, reforçou-se a legitimidade dos países da Europa Central e Oriental como actores internacionais e terminou o antagonismo Leste-Oeste e a sua inerente lógica de confrontação entre blocos.

O desenvolvimento que a vida internacional tem vindo a conhecer ao nível da circulação e do acesso à informação conferiu à globalização um papel igualmente fundamental em todas estas mudanças, com significativas consequências no processo decisório dos agentes políticos nacionais e internacionais.

Naturalmente, estas alterações no ambiente internacional vieram abrir novas oportunidades na cooperação internacional e permitir um relacionamento mais distendido entre países, instituições e organizações internacionais.

Em contrapartida, vieram também obrigar os agentes internacionais a adequarem as suas posturas, e mesmo as suas estruturas, à nova realidade, o que, obviamente, introduziu factores de instabilidade e de imprevisibilidade no seuseio.

Estamos, pois, num período de transição, que se estende do Estado à cidadania, com modificações assinaláveis nas prioridades que estabelece e no registo de valores que a orienta.

Os actores internacionais têm procurado adaptar-se a este novo cenário, encontrando formas de responder a um ambiente de ameaças e riscos de concretização imprevisível e de carácter multifacetado e transnacional.

Embora este novo ambiente estratégico tenha atenuado as ameaças tradicionais de cariz militar, fez surgir factores de instabilidade traduzidos em novos riscos e potenciais ameaças, de que os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 são o paradigma.

De tal forma assim é que esses acontecimentos alteraram profundamente a agenda político-estratégica internacional, criaram novos desafios no âmbito da segurança e defesa e introduziram um novo aspecto qualitativo de 'ameaça', na cena internacional, tornando ainda mais difusa a fronteira entre esta e a caracterização de 'riscos multifacetados e multidimensionais'.

Com aquela acção, o terrorismo transnacional parece, assim, não considerar sequer limites éticos, nem de qualquer outra natureza, assumindo uma possibilidade de actuação à escala global, conjugando a violência tradicional, decorrente de atentados e acções bombistas, com a possível utilização do ciberespaço e de meios de destruição maciça.

A maximização dos princípios da surpresa e da decepção, num combate assimétrico por actores não tradicionais, onde se insere o terrorismo transnacional, a par da demonstração de capacidade e de motivação, por parte de organizações mal definidas e não totalmente identificadas, para levar a efeito acções de grande impacte, configuram a possibilidade de eclosão de elevados níveis de destruição humanos e materiais. As consequências de tais acções nas economias, na segurança e na estabilidade internacionais transcendem a capacidade de resposta individualizada dos Estados e interrelacionam os conceitos de segurança interna e externa e os objectivos que estes prefiguram.

O terrorismo transnacional apresenta-se, pois, como uma ameaça externa e, quando concretizado, como uma agressão externa, pelo que a sua prevenção e combate se inserem claramente na missão das Forças Armadas.

Torna-se necessária não só a manutenção como a criação de capacidades que permitam dar resposta ao fenómeno do terrorismo, bem como à proliferação de armas de destruição maciça e à possibilidade de acidentes nucleares, radiológicos, químicos e biológicos decorrentes do uso intencional, indevido ou não especializado dos referidos meios e materiais.

Consequentemente, perseguindo a finalidade de garantir a segurança e o bem-estar dos cidadãos, o Estado é obrigado a repensar e a adequar os conceitos e os instrumentos de segurança e defesa ao novo ambiente político-estratégico, numa perspectiva de minimização de riscos e de garantia da possibilidade de resposta, não só a estes novos tipos de desafios à paz e à estabilidade internacional como a quaisquer outros que venham a revelar-se.

1.2 - A fronteira estabelecida entre segurança e defesa, as acções concretas com cabimento em cada uma destas áreas e as entidades primariamente responsáveis pelo seu tratamento resultam do estipulado na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, Lei n.º 29/82. Na sua génese, esteve a necessidade de normalizar relações entre diversas entidades públicas e reposicionar poderes, inteiramente compreensíveis na conjuntura da época.

Hoje, está ultrapassada essa questão e a evolução dessa fronteira deve ser igualmente percebida para não inibir a articulação dos esforços que as diferentes organizações devem desenvolver, procurando sinergias, rentabilizando meios e melhorando a eficiência na prevenção e combate aos actuais riscos e ameaças, sempre à luz dos princípios e das normas de ordem constitucional e legal portuguesa.

Assim, e por se entender que 'a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de segurança e defesa nacional' necessita de ser adequada à nova realidade político-estratégica, afigura-se oportuno a elaboração de um novo conceito estratégico de defesa nacional, que é o resultado de um debate crítico, participado e multidisciplinar sobre as questões de segurança e defesa.

2 - Enquadramento internacional 2.1 - Num espaço de influência euro-atlântico, é possível definir linhas de instabilidade, envolvendo a África do Norte, a África Subsariana, o Médio Oriente, os Balcãs, o Cáucaso, a Ásia Central e a Ásia do Sul, nas quais se concentram riscos de separatismos e conflitos étnicos, religiosos e fronteiriços, fundamentalismos ou migrações em massa.

As vulnerabilidades do Estado nestas regiões tornam crescentes as ameaças ligadas ao terrorismo, ao narcotráfico, ao tráfico de pessoas e ao crime organizado.

Acresce que os fenómenos de desestruturação dos Estados e da globalização vieram contribuir para aumentar os riscos de proliferação de armas de destruição de massa e de uso indevido de novas tecnologias, bem como a diminuição de garantias de manutenção e controlo de equipamentos e material nuclear, radiológico, químico e biológico.

Considera-se, também, a possibilidade de poderem constituir-se em foco de conflitualidade internacional os aspectos que resultem da desregulação ambiental e ecológica e da gestão dos recursos naturais, nomeadamente os hídricos e os energéticos.

A acrescer a este conjunto de riscos mais imediatos, é hoje possível identificar um outro conjunto de factores que não deixarão de influenciar e condicionar o ambiente internacional e que se prendem com: A permanência das desigualdades no desenvolvimento; O reforço do internacionalismo financeiro; A permanência de radicalismos políticos, ideológicos e religiosos; O aumento da interdependência, por força da revolução da informação e da interactividade; O crescimento dos fluxos migratórios, o carácter multicultural das sociedades e zonas de não integração das novas comunidades; Os factores ligados à evolução tecnológica, aos novos 'vírus' e à utilização criminosa do ciberespaço; A atitude interventora da comunidade internacional e o exercício do direito de ingerência; A existência de uma única superpotência e a tensão entre 'unilateralismo' e 'multilateralismo'; A utilização do Espaço para fins científicos, económicos ou militares e as perspectivas de utilização geoestratégica que se prefiguram.

2.2 - Desta situação resulta que, cada vez mais, se propende hoje para definir um conceito alargado de segurança que, continuando a integrar os objectivos mais tradicionais dos Estados - defesa do território e da soberania -, confere atenção acrescida a uma filosofia preventiva e a uma visão global da evolução dos focos de insegurança internacional e das crises que deles decorrem, com o intuito de as prevenir e limitar, evitando o seu desenvolvimento para formas agravadas de conflitualidade.

Neste quadro, como forma de optimizar a resposta dos actores internacionais, tem vindo a impor-se uma ideia de segurança cooperativa, com reflexos no desenvolvimento das organizações internacionais.

A Organização das Nações Unidas (ONU) vem assumindo um...

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