Acórdão n.º 461/87, de 15 de Janeiro de 1988

Acórdão n.º 461/87 Processo n.º 176/87 Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional (T. Const.): I Relatório 1 - O Primeiro-Ministro, no uso da faculdade conferida pelo artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, veio requerer a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 5 e 8 do artigo 10.º, do n.º 3 do artigo 13.º, do n.º 2 do artigo 14.º, do n.º 3 do artigo 16.º, dos n.os 2 e 4 do artigo 18.º, do n.º 2 do artigo 19.º, do artigo 25.º, do n.º 3, do artigo 26.º, do artigo 58.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 70.º e dos artigos 71.º, 87.º, 88.º e 89.º da Lei n.º 49/86, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1987.

São fundamentos do pedido, em síntese, os seguintes, que vão enunciar-se de acordo com a ordem por que são invocados no requerimento do Primeiro-Ministro e as epígrafes segundo as quais são aí agrupados:

  1. Relativamente aos n.os 5 e 8 do artigo 10.º, ao n.º 3 do artigo 13.º, ao n.º 2 do artigo 14.º, aos n.os 2 e 4 do artigo 18.º, ao artigo 25.º, ao n.º 3 do artigo 26.º, ao artigo 58.º, ao artigo 71.º e ao artigo 88.º (recte, ao seu n.º 1), a 'violação do regime constitucional da competência dos órgãos de soberania', traduzida concretamente, consoante cada um desses preceitos da Lei n.º 49/86, na infracção das disposições do n.º 2 do artigo 113.º e do n.º 1 do artigo 114.º, conjugadas com o 'princípio constitucional da liberdade de exercício das competências política e legislativa', ou do n.º 2 do artigo 106.º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º, ou ainda dos artigos 185.º ou 219.º, todos da Constituição; e a violação, além disso, dos artigos 29.º, n.os 1 e 3, e 39.º desta última, pelo que toca, respectivamente, aos artigos 18.º, n.º 4, e 25.º da Lei; b) Relativamente ao n.º 2 do artigo 19.º, a violação do disposto no n.º 6 do artigo 108.º, no n.º 2 do artigo 113.º, no n.º 1 do artigo 114.º e no artigo 185.º, todos da Constituição, bom como a infracção (que importará 'inconstitucionalidade indirecta', a apreciar e declarar pelo T. Const.) das disposições dos artigos 4.º, 6.º e 18.º da Lei n.º 40/83, de 13 de Dezembro (Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado); c) Relativamente ao artigo 87.º, a violação do disposto no n.º 3 do artigo 172.º da Constituição, o qual versa sobre o regime da recusa parlamentar de ratificação de decretos-leis; d) Relativamente ao n.º 3 do artigo 13.º (de novo), bem como ao n.º 3 do artigo 16.º e ao artigo 89.º (este por força do seu n.º 2), a violação do princípio constitucional da anualidade do Orçamento do Estado; e) Relativamente aos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 25.º (de novo), aos n.os 1 e 2 do artigo 70.º e aos artigos 87.º, 88.º e 89.º (estes três últimos também de novo), a violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 108.º da Constituição, decorrente da inserção dos preceitos referidos, todos eles 'não estritamente orçamentais', numa lei do orçamento, sem terem qualquer relação específica com as disposições estritamente orçamentais desta.

    Ao seu requerimento juntou o Primeiro-Ministro um parecer jurídico da autoria do Prof. Doutor José Joaquim Teixeira Ribeiro, versando sobre a questão da conformidade constitucional de alguns dos preceitos da Lei n.º 49/86 antes enunciados (concretamente: os artigos 10.º, n.º 8, 13.º, n.º 3, 18.º, n.os 2 e 4, 26.º, n.º 3, 58.º e 88.º, n.º 1) e concluindo pela sua inconstitucionalidade.

    2 - Notificada a Assembleia da República (AR), na pessoa do seu Presidente, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, para se pronunciar sobre o pedido, limitou-se aquele a oferecer o merecimento dos autos e a juntar os números do Diário da Assembleia da República, relativos à discussão das disposições impugnadas.

    3 - Cumpre agora, pois, passar à apreciação do pedido o que se fará analisando as questões nele abrangidas seguindo basicamente, com pequena diferença, a ordem já referida, constante do requerimento inicial.

    II Fundamentos II.I - As questões relativas ao regime constitucional da competência dos órgãos desoberania 4 - Além de respeitarem a diversos preceitos da Lei n.º 49/86, são de vária natureza as questões que vêm suscitadas sob esta epígrafe no requerimento do Primeiro-Ministro. Importando, assim, considerá-las separadamente, começará por apreciar-se as que têm a ver com os princípios gerais de distribuição da competência normativa entre a AR e o Governo. Respeitam elas, antes de mais, às seguintes disposições do diploma em apreço: ARTIGO 10.º ........................................................................................................................

    8 - O Governo aprovará legislação tendente a não permitir a admissão e a renovação do exercício de funções remuneradas, no âmbito dos serviços da administração central e local, de pessoal aposentado, reformado ou abonado de pensão de reserva, bem como beneficiários de pensão atribuída por instituições de segurança social, exceptuando a modalidade de contrato de prestação de serviço regulado pela lei civil.

    ARTIGO 18.º ........................................................................................................................

    2 - Durante o ano de 1987 o Governo adoptará as providências necessárias à elaboração dos orçamentos dos serviços dos registos e do notariado, procederá, mediante decreto-lei, à revisão dos critérios de gestão integrada dos Cofres mencionados no número anterior e concluirá as acções destinadas a adequar o respectivo regime financeiro aos princípios da unidade e da universalidade do Orçamento do Estado.

    ARTIGO 26.º ........................................................................................................................

    3 - Serão objecto de debate na Assembleia da República as bases do sistema de informação sobre a situação económica e social, a cuja revisão o Governo procederá até ao termo do prazo previsto no número anterior.

    ARTIGO 58.º O Governo proporá à Assembleia da República com carácter de urgência um conjunto articulado de incentivos fiscais ao turismo, designadamente de exportação.

    ARTIGO 88.º 1 - O regime de alienação de participações do Estado ou de qualquer fundo autónomo, instituto público, instituições de segurança social, empresa pública ou sociedade de capitais públicos no capital de sociedades será estabelecido mediante decreto-lei, o qual assegurará que a mesma se processe exclusivamente mediante concurso público e sob proposta do conselho de gestãocompetente.

    2 - São revogadas as disposições legais que contrariam o disposto no presenteartigo.

    Como pode verificar-se, nos preceitos transcritos provê-se, seja sobre a emissão pelo Governo de diversa legislação (artigos 10.º, n.º 8, 18.º, n.º 2, em parte, 88.º, n.º 1, e ainda, ao que parece, 26.º, n.º 3, também em parte), seja sobre a apresentação por aquele de uma proposta de lei (artigo 58.º). Ora, justamente nessa medida sustenta o Primeiro-Ministro que tais preceitos são inconstitucionais.

    O argumento que conduz a tal conclusão arranca da consideração de 'dois princípios básicos da organização do poder político' consignados no artigo 113.º, n.º 2 e no artigo 114.º, n.º 1, da Constituição - a saber: o de que 'o conteúdo da competência dos órgãos de soberania resulta exclusivamente da Constituição' e o de que 'no exercício dessa competência devem os órgãos de soberania observar o princípio da separação e independência' - e desenvolve-se nos seguintes termos: dos princípios mencionados decorre que o regime constitucional das competências dos órgãos de soberania não pode ser alterado por lei ordinária; por outro lado, esse regime constitucional é o que deriva não só de normas expressas da Constituição, mas também da ausência destas, 'ausência que não cria uma lacuna integrável pela legislação ordinária, antes contém, em si mesma, um sentido prescritivo, normativo'; assim, a 'ausência de norma constitucional que imponha o exercício vinculado das competências política e legislativa traduz que o seu exercício é livre e discricionário; significa isto, designadamente, que, na falta de norma expressa da Constituição em contrário, o Governo dispõe de autonomia e liberdade legislativa e política no exercício das suas faculdades de emitir decretos-leis, requerer autorizações legislativas ou apresentar propostas de lei; e que, consequentemente, se verifica 'a impossibilidade de a Assembleia da República impor, em determinadas matérias, ao Governo, apropriando-se dos seus próprios juízos de oportunidade e conveniência, a apresentação de propostas de leis, de pedidos de autorização legislativa ou, sequer, a obrigação de este legislar no âmbito da competência não reservada àquela, sob pena de a essência própria do poder executivo se passar a ver como não autónoma da do poder legislativo'; a admitir-se o contrário, teríamos uma 'usurpação de campos de responsabilidade política', cuja ilegitimidade constitucional 'resulta bem patente se atentarmos no facto de a Constituição nunca atribuir à Assembleia da República a competência de dar 'ordem de legislar' ao Governo'. Ora, nas disposições indicadas está-se precisamente em face de ordens ou imposições desse tipo, feitas pela AR: daí, a inconstitucionalidade.

    De modo semelhante, é também partindo do postulado do carácter autónomo ou livre da competência do Governo para legislar e para apresentar propostas de lei, e por entender que nos mencionados n.º 8 do artigo 10.º, n.º 2 do artigo 18.º, n.º 3 do artigo 26.º e artigo 58.º se impõe ao Governo a 'obrigação' de fazer uma ou outra dessas coisas, ou (quanto ao artigo 18.º, n.º 2) é também por isso, que no seu parecer o Prof. Doutor Teixeira Ribeiro conclui pela inconstitucionalidade, nessa medida dos preceitos referidos.

    Pois bem: que dizer desta argumentação? 5 - Antes de mais, que há nela um ponto inquestionável e que deve ficar liminarmente claro: o de que a competência legislativa e de iniciativa legislativa do Governo é essencialmente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT