Acórdão n.º 40/2008, de 28 de Fevereiro de 2008

Acórdáo n. 40/2008

Processo n. 651/07

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional, 1. Relatório

José Manuel Pereira Rodrigues reclamou para o Presidente do Tribunal da Relaçáo de Évora, nos termos do artigo 405. do Código de Processo Penal (CPP), contra o despacho do Juiz do Tribunal de Instruçáo Criminal de Évora, de 6 de Outubro de 2006, que náo admitiu recurso por ele interposto de despacho do mesmo Juiz, de 8 de Setembro de 2006, que indeferiu impugnaçáo da deliberaçáo do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, que lhe havia negado a concessáo de apoio judiciário, por ele peticionada nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeaçáo e pagamento de honorários de patrono, tendo em vista a sua constituiçáo como assistente em processo penal pendente no DIAP de Évora (proc. n. 348/05.8TAEVR).

A reclamaçáo foi deferida por despacho do Vice -Presidente do Tribunal da Relaçáo de Évora, de 31 de Outubro de 2006, com a fundamentaçáo seguinte:

"A questáo que se coloca na presente reclamaçáo consiste em saber se a tramitaçáo da impugnaçáo da decisáo administrativa proferida sobre o pedido de apoio judiciário, formulado ao abrigo da Lei n. 34/2004, de 29 de Julho, admite recurso para o Tribunal da Relaçáo.

O regime de acesso ao direito e aos tribunais consagrado na Lei n. 30 -E/2000, de 20 de Dezembro, ao regular a tramitaçáo da impugnaçáo da decisáo administrativa proferida sobre o pedido de apoio judiciário, dispunha no seu artigo 29., n. 1, que «é competente para conhecer e decidir o recurso em última instância o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de apoio judiciário, ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acçáo, o tribunal em que esta se encontre pendente».

Nos termos deste regime, náo havia dúvida que a tramitaçáo da impugnaçáo judicial da decisáo sobre o pedido de apoio judiciário era decidida, em última instância, pelo tribunal de comarca, náo cabendo recurso da decisáo deste tribunal para o Tribunal da Relaçáo.

Entretanto, o regime consagrado na Lei n. 30 -E/2000, de 20 de Dezembro, foi revogado pela Lei n. 34/2004, de 29 de Julho, que estabeleceu novo regime, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n. 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

Este diploma legal, no seu artigo 28., n. 1, estatui que «é competente para conhecer e decidir a impugnaçáo o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecçáo jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acçáo, o tribunal em que esta se encontre pendente».

Por seu turno, o artigo 29., n. 1, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «Alcance da decisáo final», refere que «a decisáo que defira o pedido de protecçáo jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido».

Conjugando estas duas disposiçóes legais temos, pelo menos, uma decisáo do Tribunal da Relaçáo de Coimbra, de 24 de Maio de 2006, in www.dgsi.pt/jtrc, proferida em sede de reclamaçáo, que concluiu:

A tramitaçáo desta impugnaçáo, a processar nos termos dos artigos 27. e 28. da Lei n. 34/2004, contempla apenas a intervençáo do tribunal da comarca, isto é, da decisáo deste tribunal náo cabe já novo recurso para o Tribunal da Relaçáo.

A referência a 'decisáo final', constante do artigo 29. da Lei n. 34/2004, reforça a ideia de que o tribunal de comarca tem a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade.

Nós próprios, ao decidir a Reclamaçáo n. 1542/06 -1, na linha desta decisáo do Tribunal da Relaçáo de Coimbra, concluímos que a tramitaçáo da impugnaçáo judicial da decisáo sobre o apoio judiciário, descrita nos artigos 27. e 28. da Lei n. 34/2004, de 29 de Julho, admitia apenas recurso para o Tribunal de Comarca que decidia em última instância.

Entretanto, o Tribunal da Relaçáo de Lisboa proferiu várias decisóes, em sede de reclamaçáo, nas quais, embora reconhecendo que a questáo é duvidosa, abre a possibilidade de admissáo de recurso para o Tribunal

da Relaçáo [cf. decisáo das Reclamaçóes n. 2606/06 -3, 2378/06 -9, 3103/06 -9 e 2137/06 -9].

Esta posiçáo escora -se nos seguintes argumentos:

- No artigo 28. da Lei n. 34/2004, de 29 de Julho, náo está expressamente prevista a irrecorribilidade da decisáo proferida pelo tribunal de 1.ª instância sobre o pedido de apoio judiciário;

- Esta disposiçáo legal apenas regula a atribuiçáo da competência para conhecimento de recursos das decisóes administrativas e regras de definiçáo de competência entre tribunais duma mesma comarca, mas náo se pretende estabelecer uma regra de irrecorribilidade;

- A Lei n. 30/2000, de 20 de Dezembro, no seu artigo 29., previa apenas uma instância de recurso, pelo que o respectivo desaparecimento expresso a tal limitaçáo na Lei n. 34/2004 parece levar à conclusáo da admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relaçáo.

Ponderando sobre estes argumentos, parece-nos que a questáo náo é linear, o que é, desde logo, motivo para que se admita a reclamaçáo.

Na verdade, a eliminaçáo do segmento que constava no artigo 29., n. 1, da Lei n. 30 -E/2000, de 20 de Dezembro, «em última instância», poderá significar que o legislador, na lei em vigor, terá optado por seguir a regra geral de recorribilidade em dois graus de recurso, aplicando-se as regras gerais constantes nos artigos 399. e 400. do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, julga -se procedente a reclamaçáo e revoga -se o despacho impugnado, ordenando-se a sua substituiçáo por outro que admita o recurso."

Na sequência deste despacho, o recurso foi admitido no Tribunal de Instruçáo Criminal de Évora e remetido ao Tribunal da Relaçáo de Évora, mas, aí, o representante do Ministério Público suscitou a questáo prévia da inadmissibilidade do recurso, porquanto, "de acordo com a melhor interpretaçáo do disposto nos artigos 26., 27. e 28. da Lei n. 34/2004, de 29 de Julho, só existe uma instância de recurso da decisáo sobre o pedido de protecçáo jurídica".

Notificado deste parecer, nos termos e para os efeitos do artigo 417., n. 2, do CPP, o recorrente apresentou resposta, na qual defende como mais correcta a interpretaçáo dos artigos 26. a 28. da Lei n. 34/2004 no sentido da admissibilidade de recurso para a Relaçáo, até porque, "na falta de norma expressa na lei em vigor aplica-se, sem sombra de maior dúvida, a regra geral dos artigos 399. e 400. da lei adjectiva penal", suscitando desde logo a questáo da inconstitucionalidade, por violaçáo dos artigos 20., n.os 1, 4 e 5, 32., n.os 1 e 7, 202., n. 2, e 203. da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), de interpretaçáo diversa daquelas normas, isto é, de interpretaçáo que considerasse incabível recurso para a Relaçáo das decisóes dos tribunais de comarca que neguem provimento a impugnaçáo judicial da decisáo administrativa que indeferiu a concessáo do benefício de apoio judiciário.

Por acórdáo de 17 de Abril de 2007, o Tribunal da Relaçáo de Évora rejeitou o recurso, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420., n. 1, do CPP, com base na seguinte argumentaçáo:

"No actual regime de apoio judiciário, decorrente da Lei n. 34/2004, de 29 de Julho, à semelhança, aliás, do que sucedia no âmbito da Lei n. 30-E/2000, de 20 de Dezembro, a decisáo proferida sobre tal matéria pelo máximo dirigente dos Serviços da Segurança Social está sujeita a impugnaçáo judicial - v. artigo 26., n. 2, da Lei n. 34/2004, de 29 de Julho.

Invoca o recorrente que a referência a última instância feita no artigo 29., n. 1, da Lei n. 30-E/2000 já náo consta do correspondente preceito da Lei n. 34/2004, de 29 de Julho, ou seja, do artigo 28., n. 1, desta Lei.

Por tal facto, o certo é que a tramitaçáo actual da impugnaçáo judicial

da decisáo proferida no procedimento administrativo que decidiu o apoio judiciário prevê táo-somente a intervençáo do Tribunal de Comarca e, logo, de um só grau de jurisdiçáo em matéria de recurso.

Se tivesse havido o propósito de ser fixado um duplo grau de jurisdiçáo, com recurso para o Tribunal da Relaçáo, isso náo teria deixado de estar expressamente consagrado no texto da Lei n. 34/2004, de 29 de Julho.

Conforme salienta o Ex.mo Presidente do Tribunal da Relaçáo de Coimbra, na decisáo da Reclamaçáo n. 61/2005, datada de 24 de Maio de 2006, «a referência a decisáo final constante do artigo 29. da Lei n. 34/2004, reforça a ideia de que o Tribunal de Comarca tem a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade».

8126 No mesmo sentido se pronunciou o Ex.mo Presidente do Tribunal da Relaçáo do Porto, na decisáo da Reclamaçáo n. 0612090, datada de 2 de Abril de 2006, ao escrever taxativamente: «Náo há, segundo a lei, recurso para o Tribunal da Relaçáo, em matéria de apoio judiciário, conforme se infere de todo o regime actual, apenas se prevendo a 'impugnaçáo' que é para o Tribunal de Comarca».

Atenta a natureza da matéria em causa, aliás, sempre seria incompreensível a fixaçáo de um duplo grau de jurisdiçáo, devendo manter-se, à luz do actual quadro legal (Lei n. 34/2004, de 29 de Julho), o entendimento existente, de uma forma inquestionável, ao abrigo da anterior Lei n. 30-E/2000, de 20 de Dezembro."

É contra este acórdáo que pelo recorrente vem interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70. da lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n. 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violaçáo dos "princípios do acesso ao direito e aos tribunais e do direito ao recurso, imperativos dos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20., n.os 1 e...

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