Acórdão n.º 3/2007, de 21 de Fevereiro de 2007

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão n. o 3/2007 Processo n. o 256/06 -- 3. a Secção Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I -- Diamantino Gonçalves Maia, identificado no pro- cesso, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação do Porto (pro- cesso n. o 1599/2005, 4. a Secção), proferido em 8 de Junho de 2005, que, confirmando a decisão recorrida, decidiu, além do mais, que a suspensão do procedimento penal, por motivo de impugnação fiscal, nos termos dos arti- gos 43. o , n. o 4, e 50. o do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, resulta directamente da lei, não dependendo, pois, de despacho judicial a declará-la.

O recorrente alegou, em síntese, que quanto àquela declarada natureza ope legis da suspensão do procedi- mento penal fiscal, no domínio da mesma legislação, o Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Janeiro de 2001, publicado em Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI , t.

I , de p. 56 a p. 58, sufragou entendimento oposto: a suspensão da prescrição por efeito de exis- tência de processo de impugnação fiscal só ocorre se no processo penal fiscal houver despacho judicial que declare tal suspensão.

Nestes termos, o recorrente entendeu que deve ser fixada jurisprudência no sentido de que, «para haver suspensão do processo crime, há necessidade de des- pacho que [. . .] a declare». Remetido o processo a este Supremo Tribunal, a Sec- ção, em conferência, pronunciou-se no sentido da exis- tência de oposição de julgados, determinando o pros- seguimento do recurso.

Ordenado o cumprimento do disposto no n. o 1 do artigo 442. o do Código de Processo Penal, foram noti- ficados o Ministério Público e o recorrente para apre- sentarem as respectivas alegações.

O Ministério Público considerou que o acórdão recor- rido deve ser mantido, propondo que a jurisprudência seja fixada nos seguintes termos: «A suspensão da prescrição do procedimento cri- minal por crime fiscal, prevista no artigo 50. o , n. o 1, do RJIFNA, opera ope legis, não tendo assim de ser declarada no processo criminal fiscal para ter efi- cácia.» O recorrente, por sua vez, terminou as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões: «a) Sobre a questão em causa, decidida pelos acór- dãos recorrido e fundamento, verifica-se oposição de julgados;

  1. Assim sendo, o recurso extraordinário para fixa- ção de jurisprudência tem fundamento;

  2. Esta jurisprudência deve ser fixada no sentido de que `a suspensão do procedimento criminal por crime fiscal, prevista no n. o 4 do artigo 43. o e no n. o 1 do artigo 50. o do RJIFNA por efeito de oposição ou impugnação pelo arguido do acto tributário que definiu o montante do imposto que com o crime fiscal o arguido deixou de pagar, só ocorre se, no processo crime fiscal, tiver sido proferido despacho judicial que, reconhecendo a existência de fundamento legal para a suspensão do processo, a declare'.» Colhidos os vistos, nos termos determinados pelo artigo 442. o , n. o 3, do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.

    II -- Tal como a Secção decidiu, os dois acórdãos em conflito, o acórdão recorrido e o indicado acórdão da Relação de Coimbra -- acórdão fundamento --, ambos transitados em julgado, pronunciaram-se em sen- tido contrário relativamente a uma mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação e no que res- peita a factos idênticos: quanto à suspensão do prazo de prescrição do procedimento penal fiscal, em virtude de impugnação judicial fiscal, o acórdão recorrido con- cluiu no sentido de que essa suspensão decorre ope legis, ao passo que o acórdão fundamento entendeu que tal suspensão só opera se houver despacho judicial a determiná-la.

    Verifica-se, pois, a existência da oposição de julgados a que se refere o artigo 437. o , n. os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

    III -- Atento o pedido deduzido e os respectivos fun- damentos, o objecto do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência consiste em saber se a impugnação judicial fiscal suspende por si só o prazo prescricional do procedimento penal fiscal ou antes impõe que a suspensão seja declarada por despacho judicial.

    Atento o teor dos acórdãos recorrido e fundamento, embora neles haja referências ao processo fiscal gracioso e à oposição de executado, tais referências são mera- mente circunstanciais, decorrentes da alusão a normas legais sem qualquer conexão com a matéria factual em causa em tais acórdãos; por isso, no caso, a oposição de julgados que importa apreciar circunscreve-se aos efeitos da impugnação judicial fiscal na suspensão do procedimento criminal.

    IV -- 1 -- O presente recurso respeita ao direito penal fiscal.

    Relaciona-se, pois, com o chamado direito penal secundário, entendido este como o campo essencial- mente conexo com a ordenação jurídico-constitucional relativa aos direitos sociais e à organização económica, em que o escopo predominante é a protecção da esfera de actuação social do homem (cf., neste sentido, Eduardo Correia, Direito Criminal, vol.

    I , 1971, pp. 28 e segs.; Germano Marques da Silva, Direito Penal Por- tuguês, vol.

    I , pp. 106 e 107; Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, t.

    I , Questões Fundamentais.

    A Doutrina Geral do Crime, 2004, pp. 115 e segs.). Com relevo ético-social crescente, os bens jurídicos tutelados pelo direito penal secundário encontram-se hoje num estado aproximado da relevância ética ao direito penal clássico, sendo expressão de tal aproxi- mação a identidade, o nível acrescido de exigência, a...

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