Acórdão n.º 36/2002, de 22 de Fevereiro de 2002

Acórdão n.º 36/2002 Processo n.º 55/2002 Acordam no plenário do Tribunal Constitucional: 1 - O Presidente da República requer, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.os 1, 3, 4, 6 e 8, da Constituição e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo único do decreto da Assembleia da República n.º 185/VIII, recebido na Presidência da República no passado dia 11 de Janeiro, para ser promulgado como lei.

2 - O Presidente da República fundamentou as suas dúvidas sobre a constitucionalidade da referida norma nos seguintes termos: '1 - A norma cuja apreciação de constitucionalidade requeiro constitui uma alteração ao artigo 47.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, pelo que, respeitando ao regime de finanças das Regiões Autónomas, deverá, se for caso disso, ser promulgada como lei orgânica.

2 - A alteração legislativa insere-se no processo legislativo parlamentar aberto pela proposta de lei n.º 109/VIII apresentada pelo Governo e resulta da aprovação dessa proposta de lei por parte da Assembleia da República. A proposta de lei n.º 109/VIII foi aprovada na generalidade na sessão parlamentar realizada no passado dia 20 de Dezembro de 2001 e foi também, com as alterações introduzidas pelos Srs. Deputados, aprovada na especialidade e em votação global na sessão parlamentar desse mesmo dia.

3 - O projecto de acta referente a essa sessão parlamentar não menciona expressamente o número dos Srs. Deputados que aprovaram a proposta, mas nela consta uma declaração proferida pelo Sr. Presidente da Assembleia da República segundo a qual a proposta de lei teria sido votada pela maioria constitucionalmente exigida para a aprovação das leis orgânicas.

4 - Acontece, porém, que, como era do conhecimento público, a 20 de Dezembro de 2001 o Governo já estava demitido por força da aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro. É certo que o Decreto do Presidente da República n.º 60-A/2001, em que se dá conta da aceitação do pedido de demissão, ainda que tendo a data de 17 de Dezembro e tendo sido publicado no 2.º suplemento ao Diário da República, 1.' série-A, n.º 290, de 17 de Dezembro de 2001, só foi distribuído a 26 de Dezembro de 2001. Porém, era público e notório que o pedido de demissão fora aceite pelo Presidente da República em 17 de Dezembro de 2001, tal como foi publicamente anunciado aos órgãos de comunicação social pela Casa Civil da Presidência da República.

5 - Surge, assim, a dúvida quanto a saber a partir de que momento é que o Governo deve ser considerado demitido. Em princípio, pode considerar-se como data juridicamente relevante aquela em que se verifica a prática, por parte do Presidente da República, do acto político de aceitação do pedido de demissão, apresentado pelo Primeiro-Ministro e que, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, implica a demissão do Governo. Nessa altura, o Governo estaria demitido desde 17 de Dezembro, o que, no caso, corresponde, também, à data de assinatura do decreto de demissão e à data do Diário da República em que ele foi publicado. Mas pode também considerar-se que o Governo só é demitido a partir da data de distribuição do Diário da República em que é publicado o decreto presidencial que confirma a aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro. Nessa altura, o Governo só estaria demitido a partir de 26 de Dezembro.

6 - Uma ou outra hipótese parecem ter consequências determinantes na eventual inconstitucionalidade da norma cuja apreciação é requerida. É que a considerar-se que a data juridicamente relevante para o efeito é a data da aceitação efectiva do pedido de demissão, ou seja, 17 de Dezembro, então, por força do artigo 167.º, n.º 6, da Constituição, as propostas de lei apresentadas pelo Governo à Assembleia da República estão, a partir dessa data,caducas.

7 - Ora, a referida proposta de lei n.º 109/VIII só foi aprovada na generalidade pela Assembleia da República no dia 20 de Dezembro, ou seja, numa data em que podia já ter caducado.

8 - Consequentemente, suscita-se a dúvida se, nessa hipótese, a caducidade da proposta de lei n.º 109/VIII, e independentemente do sentido das posteriores alterações aprovadas em especialidade e votação final global pelos Srs.

Deputados, não inquina decisivamente todo o processo legislativo subsequente que vem dar origem à norma cuja apreciação de constitucionalidadesuscito.' 3 - Notificada a Assembleia da República, na pessoa do seu Presidente, para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, nos termos do artigo 54.º da LTC, foi recebida resposta, subscrita pelo Presidente da Assembleia da República, a oferecer o merecimento dos autos.

Com a resposta foram juntos exemplares do Diário da Assembleia da República, 2.' série-A, de 29 de Novembro e de 3 de Dezembro de 2001, e projecto de acta da reunião plenária de 20 de Dezembro de 2001.

4 - Com interesse para a decisão do pedido, dá-se por assente o seguinte: Na reunião plenária da Assembleia da República de 28 de Novembro de 2001, o Secretário da Mesa comunica que deu entrada na Mesa e foi aceite, entre outras, a proposta de lei n.º 109/VIII, que procede à revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, tendo a mesma baixado à 5.' Comissão.

A referida proposta de lei n.º 109/VIII altera a redacção dos artigos 2.º, n.os 2 e 3, 5.º a 9.º, 15.º, 19.º a 22.º, 25.º, 26.º e 30.º a 50.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.

Sobre essa proposta foram emitidos pareceres dos Governos Regionais da Madeira e dos Açores, de 12 e 13 de Novembro, respectivamente.

Em 20 de Dezembro de 2001, a Comissão de Economia, Finanças e Plano elabora relatório e parecer sobre a mesma proposta de lei, concluindo, nos seguintestermos: 'A Comissão de Economia, Finanças e Plano é de parecer que a proposta de lei n.º 109/VIII, procedente do Governo da República - Lei de Finanças das Regiões Autónomas -, está em condições de subir a Plenário para apreciação e votação na generalidade, guardando os grupos parlamentares a sua posição para a referida apreciação que versará apenas sobre a alteração ao artigo 47.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.' Na reunião plenária da Assembleia da República do mesmo dia foi submetida à votação na generalidade a proposta de lei n.º 109/VIII, que, nas palavras do Presidente que imediatamente antecederam a votação, 'tem um artigo único, que altera o artigo 47.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro), com a redacção que lhe foi dada pela proposta de alteração cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado Medeiros Ferreira'.

Aprovada a proposta na generalidade, passou-se, de seguida, à votação, na especialidade, da proposta de alteração, apresentada pelo Deputado Medeiros Ferreira, ao artigo 47.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, que foi igualmente aprovada, como aprovada foi na subsequente votação final global a 'proposta de lei n.º 109/VIII'.

O artigo 47.º da Lei n.º 13/98, nos termos da proposta aprovada, tem a seguinteredacção: 'Artigo 47.º Apoio especial à amortização das dívidas públicas regionais O Governo da República, directamente ou através dos seus serviços ou empresas de que seja accionista, comparticipará, em 2002, num programa especial de redução das dívidas públicas regionais, assegurando, de acordo com a programação a acordar com cada Região, a amortização ou assunção de dívida pública garantida, ou, na sua falta, de dívida não garantida das duas Regiões Autónomas, nos montantes máximos de (euro) 32421863 para a Região Autónoma dos Açores e (euro) 32421863 para a Região Autónoma da Madeira.' No 2.º suplemento ao Diário da República, 1.' série-A, n.º 290, de 17 de Dezembro de 2001, é publicado o Decreto do Presidente da República n.º 60-A/2001, de 17 de Dezembro, do teor seguinte: 'O Presidente da República decreta, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, o seguinte: É demitido o Governo, por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.

Assinado em 17 de Dezembro de 2001.

Publique-se.

O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.' O referido 2.º suplemento foi distribuído ao público em 26 de Dezembro de 2001.

5 - A questão que o Presidente da República coloca a este Tribunal é, antes do mais, a de saber em que momento temporal se deve considerar demitido o Governo, por força do disposto no artigo 195.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e em virtude da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro, quando a aceitação deste pedido ocorre em 17 de Dezembro de 2001 (o que adquiriu notoriedade por ter sido anunciada aos órgãos de comunicação social pela Casa Civil da Presidência da República), é da mesma data o suplemento ao Diário da República que publica o respectivo decreto presidencial, mas a distribuição desse suplemento só vem a verificar-se em 26 de Dezembro de 2001.

A questão está, porém, conexionada com o objecto do pedido de apreciação de constitucionalidade - uma norma aprovada pela Assembleia da República, em 20 de Dezembro de 2001, sob proposta do Governo -, pelo que, em direitas contas, o que se pretende é saber quando produz efeitos a demissão do Governo no procedimento legislativo iniciado por aquela proposta, considerando o disposto no artigo 167.º, n.º 6, da Constituição (caducidade das propostas de lei com a demissão do Governo).

Isto se diz para que fique claro que o entendimento do Tribunal quanto ao referido momento temporal se há-de compreender como estritamente limitado aos pretendidos efeitos (sem prejuízo de eventuais considerações de ordem geral sobre a eficácia dos actos sujeitos a publicação em jornal oficial), deixando em aberto a questão de saber se, para outros efeitos, a resposta não deva ser outra.

Determinado, assim, o momento da demissão do Governo e...

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