Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2013, de 21 de Janeiro de 2013

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2013 Revista n.º 5903/09.4TVLSB.L1.L1.S1 (Acórdão de Uniformização) Recorrente: Paulo Jorge Ferreira Duarte.

Recorrido: Banco Espírito Santo, S A. I. – RELATÓRIO. Paulo Jorge Ferreira Duarte, interpôs recurso para uni- formização de jurisprudência, com fundamento em con- tradição de decisões proferidas neste processo e num outro proferido a 02-12-2008, deste Supremo Tribunal.

Para o desiderato por que propugna, consignou, a final, o acervo conclusivo que a seguir se deixa extractado. 1. “Em Novembro de 2007, o ora recorrente cedeu a sua participação social na empresa IMOACCESS, Lda. e disso mesmo deu conhecimento, via telefax e pessoalmente, ao Gerente do Balcão da Agência do BES da Castanheira do Ribatejo. 2. Na mesma comunicação de 03.01.2008, à qual juntou certidão comercial da sociedade onde demonstrou a venda da sua participação social, declarou expressamente que pretendia liberar o seu nome enquanto avalista, ou em qualquer outra qualidade, dos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, bem como de qualquer outra garantia anexa ao aludido contrato (livrança), ou a futuras operações financeiras da IMOACCESS, Ld.ª 3. Nos termos da jurisprudência do STJ, nomeadamente do acórdão de 29.10.2002, em que foi relator o Venerando Conselheiro Oliveira Barros e do acórdão de 02.12.2008 do STJ em que foi relator o Venerando Conselheiro Paulo Sá, é admissível a denúncia do aval. 4. E em consequência a declaração enviada pelo aqui recorrente à recorrida em 03.01.208 é valida e serve como denúncia. 5. Sendo que posteriormente a esta denúncia, recebida e conhecida, não podia vir a recorrida a preencher e accionar essas livranças, como o fez. 6. Em sede de Apelação, veio o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciar-se, dando parcial provimento à preten- são do recorrido. 7. Com efeito. o Tribunal da Relação (através de Acór- dão de 30.11.2010 que se dá aqui por integralmente re- produzido) cingiu o pleito a duas questões (o sublinhado é nosso): 8. se o autor tem direito a liberar-se da obrigação de aval por denúncia. e desde quando este produz efeitos: 9. se, em caso de resposta afirmativa os autos contêm todos os elementos que permitam conhecer do pedido de indemnização formulado na p. i veio autor. 10. E perante a factualidade, o Acórdão do tribunal a quo dispõe que: “4. A questão que se coloca prende-se com a validade da denúncia da obrigação de aval operada pela comunicação acima referenciada”’: 11. Continuando: “Enquanto causa de extinção do negó- cio jurídico, a denúncia tem como seu campo de aplicação os contratos de execução continuada e duradoura, em que as partes não estabelecem um prazo fixo de vigência.

Como a vigência do contrato ilimitada no tempo seria contrária à liberdade económica das partes, que não se compadece com a criação de vínculos perpétuos ou de duração indefinida, admite-se neste caso a denúncia a todo o tempo – cfr.

Meneses Leitão, Direito das Obrigações, VoI. III, pag. 101. 12. Adiante: “Encontramo-nos, por isso, em presença de contratos com prazo mas automaticamente renováveis, não tendo sido convencionada a não denunciabilidade da obrigação de aval pelo prestador deste’: 13. Concluindo nesta parte: “Daí que se reconheça a possibilidade legal do avalista/autor se desvincular uni- lateralmente dessa obrigação”. 14. Tendo a declaração de denúncia chegado ao poder do beneficiário no dia 03.01.2008, a declaração tomou-se eficaz (artigo 224.º, n.º 1, do CC) 15. Deste modo, o autor tem direito a que se declare o mesmo liberado das garantias prestadas no âmbito dos contratos de financiamento e livranças por si avalizadas, a produzir efeitos desde o termo dos prazos de 180 e 90 dias previstos em cada um daqueles contratos e que se encontrem em curso na data da denúncia (3.01.2008), impondo-se a condenação do réu a reconhecer tal” (o negrito é nosso). [ 1 ] 35. Perante a Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa veio a sociedade comercial BES, SA a recorrer de revista para este Alto Tribunal. 36. Tendo o Acórdão ora recorrido dado provimento à pretensão da sociedade comercial BES, SA e revogado a Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. 37. Para o efeito, a decisão recorrida fundamenta que existe uma diferença substancial entre aval e fiança. 38. Sendo que a obrigação do avalista é directa e inde- pendente e a do fiador é sempre acessória. 39. “Como se extrai da definição de denúncia supra extractada esta figura ou instituto jurídico só é exercitável e admissível para as situações em que a relação contratual arranque de um contrato duradouro e em que uma das partes, por declaração unilateral de vontade receptícia, pretenda pôr termo”. 40. “Não se constituindo o aval um contrato, mas um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, abs- tracto e com as mesmas características de uma obrigação cambiária não se prefigura correcto, em nosso aviso, que possa ser objecto de denúncia” . 41. Por isso mesmo, tendo em conta excertos da decisão de que se recorre, a mesma concedeu revista e revogou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. 42. Por isso mesmo, atendendo ao que ficou atrás ex- posto, existem manifestamente decisões contraditórias, sobre a mesma questão fundamental de direito, da admis- sibilidade de denúncia do aval, proferidas pelo ST]. 43. As decisões do ST], atrás citadas e nas quais se estribou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e o Acórdão em sentido contrário do STJ, proferido no âmbito dos presentes autos. 44. Não havendo jurisprudência uniformizada a este respeito. 45. Daí que, de acordo com o disposto no artigo 7630 do CPC, se requer a Vs.

Exas. uma Decisão do Pleno das Secções Cíveis que decida de acordo com a pretensão do ora recorrente e de forma uniformizar a jurisprudência do STJ a este respeito.

Em contra-alegações, o recorrido, Banco Espírito Santo, S.A. repontou a pretensão do recorrente tendo, dessumido o acervo conclusivo que a seguir queda extractado. 1. “Em 22 de Setembro de 2009 Paulo Jorge Ferreira Duarte propôs acção que correu termos pela 10.ª Vara Cível de Lisboa, 1.ª Secção, sob o número de processo 5903/09.4 TVLSB, em que pedia a liberação da garantia prestada no âmbito de dois contratos de financiamento celebrados em 2006 e 2007, um primeiro de € 70.000,00, e outro de € 30.000,00, para apoio à tesouraria, celebrados entre a sociedade “ lmoacess-Imobiliária e Construção, Lda” e o Banco Espírito Santo, SA. 2. Para garantia do efectivo e integral cumprimento de todas as responsabilidades que adviessem para a sociedade do não cumprimento de qualquer obrigação resultante de cada um dos acima identificados contratos, Paulo Jorge Ferreira Duarte e outros, entregaram ao BES duas livran- ças em branco avalizadas, que o banco ficou desde logo autorizado a preencher, pelas quantias que se mostrassem devidas. 3. Nessa acção, Paulo Jorge Ferreira Duarte, pedia a liberação da garantia prestada no âmbito dos identificados contratos e bem assim a condenação do BES no pagamento da quantia de € 25.000,00 a título de danos morais – uma vez que em 03 de Janeiro de 2008, o ora recorrido, havia enviado um fax ao BES, no qual informava que, em virtude de ter cedido a sua participação na sociedade “ lmoacess- Imobiliária e Construção, Lda ”, pretendia ser liberado da sua qualidade de avalista nas indicadas livranças. 4. Em primeira instância foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente por não provada, tendo em consequência sido o BES absolvido da totalidade do pe- dido. 5. Inconformado com esta decisão, interpôs o ora Recor- rente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. 6. O Acórdão de 30 de Novembro de 2010, veio a julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença proferida em primeira instância, declarando “ o autor li- berado das garantias prestadas no âmbito dos contratos de financiamento ( .. .) e livrança em causa”. 7. Considerou a Relação de Lisboa, ao abrigo do prin- cípio da livre denunciabilidade dos contratos por termo indeterminado, que a pretensão do ora Recorrido Paulo Jorge Ferreira Duarte era válida. 8. Deste acórdão da Relação foi interposto recurso pelo Banco Espírito Santo, tendo o acórdão ora recorrido con- cedido a revista e, consequentemente, reposta a decisão proferida em 1.a instância. 9. Estabelece o artigo 30.º LULL, ex vi art. 77.º do mesmo diploma que, «o aval é o acto pelo qual um ter- ceiro ou um signatário da letra (ou livrança) garante o pagamento desse título por parte de um dos respectivos subscritores.» 10. Não se encontra prevista na LULL, a denúncia como modo de fazer extinguir a obrigação do avalista.

Pelo que não pode o intérprete encontrar no respectivo sistema nacional outras causas extintivas para além das previstas na LULL. 11. Não tem pois, na perspectiva do ora Recorrido, qualquer fundamento a criação por via jurisprudencial de causas extintivas do aval que não têm a menor aderência ao estabelecido na convenção que o regula: A Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças (LULL). 12. O aval é o negócio cambiário unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar e por função a garantia desse pagamento.

O aval pode ser prestado por um terceiro ou por um signatário da letra, art. 30.º/2 LULL e tem de ser prestado a favor de um dos obrigados – (In, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, pág. 74) 13. Pelo que a confiança que o aval traduz, não se com- pagina com a possibilidade da sua denúncia pelo avalista.

O aval é um valor de “per si” autónomo da realidade que lhe subjaz. 14. Acresce, que a posição do avalista, como a de qual- quer outro interveniente na letra é também autónoma.

O aval subsiste mesmo que o acto do avalizado seja nulo por qual- quer razão que não o vício de forma, art. 32.º /2 da LULL. 15. Donde esclarece e bem o douto Acórdão de 10 de Maio de 2011 que: “A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT