Acórdão n.º 12/2007, de 06 de Dezembro de 2007

Acórdáo n. 12/2007

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - O Banco Mais, S. A., intentou, no dia 26 de Julho de 2006, na 5.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secçáo, acçáo declarativa de condenaçáo, com processo ordinário, contra Paulo Joaquim Ventura do Nascimento, residente em Olháo, pedindo a sua condenaçáo no pagamento de € 19 567,62 e juros vincendos e imposto do selo sobre os juros, com fundamento na omissáo de pagamento das prestaçóes derivadas de um contrato de mútuo, celebrado no dia 5 de Dezembro de 2005, com vista à aquisiçáo de um veículo automóvel.

O réu, em contestaçáo, invocou a incompetência territorial do tribunal, com fundamento no desconhecimento, ao assinar o contrato, do foro convencional e a sua falta de consciência da celebraçáo do contrato por virtude de doença, e requereu, por isso, a sua anulaçáo.

O autor, na réplica, afirmou estar validamente convencionado para as questóes emergentes do contrato o foro da comarca de Lisboa e desconhecer a doença invocada pelo réu.

O juiz, por despacho proferido no termo dos articulados, no dia 19 de Janeiro de 2007, aplicou a lei de processo vigente ao tempo da instauraçáo da acçáo, julgou verificada

a invalidade do pacto de competência, declarou o tribunal incompetente para o conhecimento da acçáo, afirmou ser competente para o efeito o Tribunal da Comarca de Olháo e ordenou a remessa do processo àquele Tribunal.

Agravou do mencionado despacho o autor, e a Relaçáo, por Acórdáo proferido no dia 26 de Abril de 2007, negou provimento ao recurso.

Interpôs o agravante recurso de agravo para este Tribunal, invocando estar aquele acórdáo em oposiçáo com outro da mesma Relaçáo sobre a mesma questáo fundamental de direito, e formulou, em síntese, as seguintes conclusóes de alegaçáo:

O acórdáo recorrido, ao aplicar à acçáo o disposto na alínea a) do n. 1 do artigo 110. do Código de Processo Civil, com a redacçáo que lhe foi dada pela Lei n. 14/2006, de 26 de Abril, apesar de as partes haverem escolhido um foro convencional ao abrigo do disposto no artigo 100., n.os 1 a 4, do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 5. e 12., n.os 1 e 2, do Código Civil;

Ao náo considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato, atenta a data da sua celebraçáo e o disposto no artigo 100., n.os 1 a 4, do Código de Processo Civil, e o que entáo se dispunha no artigo 110. do mesmo normativo legal, maxime na alínea a) do seu n. 1, o acórdáo incorreu na inconstitucionalidade, por violaçáo dos princípios da adequaçáo, da exigibilidade e da proporcionalidade, da náo retroactividade, consignados

8782 no artigo 18., n.os 2 e 3, da Constituiçáo e dos princípios da segurança jurídica e da confiança, ambos corolários do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2. da Constituiçáo;

Deve ser revogado e substituído por outro que reconheça a competência territorial da 5.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secçáo, para conhecer da acçáo.

O Presidente deste Tribunal determinou o julgamento alargado do recurso e o Ministério Público foi de parecer que o conflito fosse resolvido no sentido de que «a nova redacçáo dos artigos 74., n. 1, e 110., n. 1, alínea a), do Código de Processo Civil, operada pelo artigo 1. da Lei n. 14/2006, de 26 de Abril, aplica -se a todas as acçóes interpostas após a sua entrada em vigor, independentemente de nos contratos que constituem o seu objecto ter sido clausulada convençáo de foro».

II - É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso:

1 - O documento encimado pela expressáo «contrato de mútuo», subscrito no dia 5 de Dezembro de 2005, por representantes do autor e pelo réu, aquele na posiçáo de mutuante e este na posiçáo de mutuário, refere -se ao montante de € 12 500, financiamento da aquisiçáo do veículo automóvel com a matrícula n. 01 -81 -XO, fornecido por Luís & Viegas, L.da

2 - No n. 16 do instrumento mencionado no n. 1, sob a epígrafe «Foro convencional», consta que «para todas as questóes emergentes do presente contrato estipula -se como competente o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro».

3 - O autor intentou a acçáo no dia 26 de Julho de 2006, a que atribuiu o valor de € 19 621,07, e, no dia 19 de Janeiro de 2007, foi proferida a decisáo, que declarou a invalidade da cláusula mencionada no n. 2 e ser competente para conhecer da acçáo o Tribunal da Comarca de Olháo.

4 - A Relaçáo, por Acórdáo proferido no dia 26 de Abril de 2007, confirmou o conteúdo da decisáo mencionada no n. 3.

5 - No Acórdáo da Relaçáo de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2007, proferido no recurso n. 10121/2006, 1.ª Secçáo, cujo recorrente foi o Banco Mais, S. A., e recorrido Paulo Renato Silva de Almeida, com residência em Guimaráes, foi declarada válida e em vigor, por náo lhe ser aplicável a Lei n. 14/2006, de 26 de Abril, a cláusula contida no contrato de mútuo invocado pelo primeiro, em que se estipulou a competência territorial da comarca de Lisboa para todas as questóes emergentes do aludido contrato, com expressa renúncia a qualquer outro foro, e que, em razáo disso, a acçáo deveria prosseguir os seus termos até final no tribunal onde fora distribuída.

III - A questáo essencial decidenda é a de saber se a

5.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secçáo, é ou náo territorial-mente competente para conhecer da acçáo em causa.

Considerando o conteúdo do acórdáo recorrido e das conclusóes de alegaçáo formuladas pelo recorrente, a resposta à referida questáo pressupóe a análise da seguinte problemática:

Contradiçáo de acórdáos sobre a mesma questáo fundamental de direito;

Perspectiva da doutrina e da jurisprudência sobre a questáo;

Motivaçáo da alteraçáo da lei de competência;

Conteúdo das normas envolvidas pela alteraçáo;

Estrutura em geral do pressuposto processual da competência territorial dos tribunais;

Natureza e efeitos do pactos de aforamento em geral; Afectou a referida alteraçáo a validade ou a eficácia do pacto de aforamento em causa?

As novas normas processuais envolveram ou náo eficácia retroactiva?

Impóe -se ou náo a sua desaplicaçáo por razóes de inconstitucionalidade?

Síntese da soluçáo para o caso decorrente da dinâmica substantiva e processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestóes.

1 - Comecemos pela verificaçáo da contradiçáo jurídica entre o acórdáo recorrido e o acórdáo fundamento.

A primeira questáo a resolver nos recursos ampliados para efeito de uniformizaçáo de jurisprudência é a de saber se existe ou náo oposiçáo entre o acórdáo recorrido e o acórdáo fundamento sobre a mesma questáo fundamental de direito.

A identidade da questáo de direito ocorre, grosso modo, quando à aplicaçáo normativa concernente está subjacente uma situaçáo de facto essencialmente similar.

O núcleo de factos em causa nos acórdáos recorrido e fundamento é essencialmente idêntico, ou seja, um deter-minado clausulado de um contrato de mútuo envolvido de uma cláusula de aceitaçáo dos tribunais da comarca de Lisboa para dirimir qualquer litígio daquele emergente.

Face a tal identidade de situaçóes de facto, foi resolvida em sentido diverso a questáo de saber se as cláusulas de convençáo de foro anteriores ao início da vigência do artigo 1. da Lei n. 14/2006, de 26 de Abril, que alterou os artigos 74., n. 1, e 110., n. 1, alínea a), do Código de Processo Civil, foram ou náo afectadas por tal alteraçáo.

Com efeito, no acórdáo recorrido concluiu -se no sentido positivo, enquanto no acórdáo fundamento se decidiu em sentido contrário, com a consequência de no primeiro caso se julgar náo ser competente para conhecer da acçáo o tribunal referenciado na convençáo de foro, e, no último, se excluí essa competência.

Houve, assim, dois julgamentos contraditórios quanto à validade de convençóes sobre a competência territorial relativo a acçóes sobre o cumprimento de contratos.

A conclusáo é, por isso, no sentido de que ocorre, na espécie, a contradiçáo sobre a mesma questáo fundamental de direito, no domínio da vigência da mesma legislaçáo, pressuposto do julgamento alargado do recurso de agravo com vista à uniformizaçáo da jurisprudência.

2 - Atentemos, ora, em breve síntese, na perspectiva da doutrina e da jurisprudência sobre a questáo.

Náo se conhece, naturalmente dada a novidade da questáo processual em análise, qualquer opiniáo da doutrina sobre esta específica problemática.

Os autores, porém, têm -se pronunciado, em geral, sobre as questóes da competência territorial dos tribunais, dos pactos de competência, da aplicaçáo das leis processuais no tempo, designadamente, entre outros, José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I,

Coimbra, 1960, p. 298; Manuel de Andrade, Noçóes Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pp. 44 e 45; Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório, vol. I,

Coimbra, 1981, p. 56; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, p. 46; Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, Lisboa, 1994, pp. 31 e 100, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, p. 128, e A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lisboa, 1999, p. 23; Joáo Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. da Associaçáo Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1997, pp. 154 a 171, Joáo Lebre de Freitas, Joáo Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 1. vol., 1999, p. 185, e Baptista Machado, Sobre a Aplicaçáo no Tempo do Novo Código Civil, Coimbra, 1968, p. 114.

Este Tribunal pronunciou -se, no dia 24 de Maio de

2007, pela primeira e última vez, no recurso de agravo n. 1372/2007, da 2.ª Secçáo, no sentido da aplicaçáo imediata do regime decorrente da Lei n. 14/2006, de 26 de Abril, com base no princípio geral da aplicaçáo imediata da lei processual nova, motivado pelo interesse e ordem pública.

Quanto às Relaçóes, pronunciaram -se sobre esta questáo, tanto quanto se sabia aquando do recebimento deste recurso, a Relaçáo do Porto em 2 acórdáos, ambos no...

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