Despacho n.º 7148/2019

Data de publicação12 Agosto 2019
SeçãoSerie II
ÓrgãoAmbiente e Transição Energética e Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural - Gabinetes da Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza e do Secretário de Estado da Agricultura e Alimentação

Despacho n.º 7148/2019

Sumário: Aprova o Plano de Ação para a Conservação das Aves Necrófagas.

As aves necrófagas desempenham um papel fundamental na manutenção das cadeias tróficas, pelo consumo de cadáveres de animais mortos, assegurando um papel relevante na sustentabilidade do ciclo energético da matéria orgânica nos espaços naturais. Este grupo de aves constitui um recurso importante em termos socioeconómicos, tanto pelo papel higiossanitário que desempenham nas paisagens rurais ao eliminarem os cadáveres e subprodutos animais, como por constituírem atrativos turísticos em alguns dos Parques e Reservas Naturais e em áreas integradas na Rede Natura 2000.

O território português apresenta características singulares para a conservação das aves necrófagas. Com efeito, é na Península Ibérica que se encontra a maior população de abutre-preto (Aegypius monachus) da Europa, encontrando-se também aqui a última área europeia de ocorrência regular de britango ou abutre do Egito (Neophron percnopterus).

O Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, na sua redação atual, procedeu à transposição para o direito interno das Diretivas Aves e Habitats, cuja aplicação dá corpo à Rede Natura 2000, que tem por objeto contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território da União Europeia.

O Decreto-Lei n.º 384-B/99, de 23 de setembro, classificou como zonas de proteção especial (ZPE) as áreas da Malcata, do Tejo Internacional, Erges e Ponsul, de Moura/Mourão/Barrancos, do Vale do Guadiana, dos Rios Sabor e Maçãs, do Douro Internacional e Vale do Águeda e do Vale do Côa por conterem os territórios mais apropriados, em número e em extensão, para a proteção do abutre-preto, do britango e do grifo (Gyps fulvus), espécies que constam da lista de aves de interesse comunitário, cuja conservação requer essa classificação.

Nos termos do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, a execução da Rede Natura 2000 é objeto do Plano Setorial aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115-A/2008, de 21 de julho, onde consta um conjunto de orientações para a gestão territorial e para as medidas referentes à conservação das espécies e habitats (PSRN 2000).

O PSRN 2000 prevê a elaboração e implementação de planos de ação para espécies prioritárias em termos de conservação, que carecem de medidas urgentes de gestão, geralmente a nível nacional, como é o caso do abutre-preto, do britango e do grifo.

A ocorrência das referidas aves necrófagas não se circunscreve, porém, às ZPE, visto que também se verificam em áreas IBA (Important Bird Areas, inventariadas pela BirdLife International) e em vastas áreas em redor dos locais de nidificação, em grande parte não abrangidas pelos territórios integrados no Sistema Nacional de Áreas Classificadas. É, pois, relevante que o Plano de Ação tenha por âmbito de aplicação todos estes territórios.

A Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 (ENCNB 2030), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2018, de 7 de maio, alude à necessidade de aprovar o Plano de Ação referente às aves necrófagas, o que se enquadra no objetivo «Programar e executar intervenções de conservação e de recuperação de espécies (fauna, flora) e habitats ao nível nacional», que, por seu turno, se integra num dos três eixos estratégicos desta Estratégia: o Eixo 1 - Melhorar o estado de conservação de património natural.

Neste contexto foi desenvolvido o presente Plano de Ação para a Conservação das Aves Necrófagas, como documento orientador que traça as linhas de atuação, enquadra objetivos neste domínio e define as respetivas prioridades. Pretende-se, ainda, contribuir para a compatibilização das atividades humanas desenvolvidas nos espaços rurais com a conservação de aves necrófagas, nomeadamente reduzindo os conflitos com a produção pecuária, a agricultura, a silvicultura, a atividade cinegética e o lazer e turismo, potenciando o turismo de natureza.

Este Plano de Ação está em consonância com o estipulado nos planos de ação de âmbito europeu para o britango, o abutre-preto e o milhafre-real, que se destinam a assegurar o estado de conservação favorável dessas espécies no espaço comunitário e definem um conjunto de objetivos e medidas de conservação a implementar pelos Estados-Membros.

O Plano de Ação para a Conservação das Aves Necrófagas foi elaborado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. (ICNF), enquanto autoridade nacional para a conservação da natureza e biodiversidade, em articulação com a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), entidade competente nas matérias de saúde e proteção animal. Na elaboração deste documento foi tido em conta todo o conhecimento adquirido com o desenvolvimento das ações do projeto LIFE «Promoção do habitat do lince-ibérico e do abutre-preto no Sudeste de Portugal» (LIFE 08/NAT/PT/000227) dirigidas à conservação do abutre-preto, bem como os contributos de especialistas neste grupo de aves e de organizações não-governamentais envolvidas na sua conservação. Este documento foi ainda sujeito a auscultação de vários entes públicos e privados no período compreendido entre os dias 11 e 30 de junho de 2015, tendo os contributos recebidos sido objeto de ponderação.

Assim, no uso das competências delegadas pelo Ministro do Ambiente e da Transição Energética, na subalínea i) da alínea c) do n.º 3 do Despacho n.º 11198/2018, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 229, de 28 de novembro de 2018, e pelo Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, na alínea b) do n.º 3 do Despacho n.º 5564/2017, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 121, de 26 de junho de 2017, determina-se:

a) Aprovar o Plano de Ação para a Conservação das Aves Necrófagas, anexo ao presente despacho e que dele faz parte integrante;

b) As revisões que se justificarem aos anexos do Plano de Ação para a Conservação das Aves Necrófagas são aprovadas mediante despacho do Conselho Diretivo do ICNF e publicitadas na sua plataforma de Internet.

2 de agosto de 2019. - A Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, Célia Maria Gomes de Oliveira Ramos. - O Secretário de Estado da Agricultura e Alimentação, Luís Medeiros Vieira.

Plano de Ação para a Conservação das Aves Necrófagas

1 - Introdução

Em Portugal, as espécies de aves estritamente necrófagas são os abutres, representados por três espécies com presença regular no território português: o britango Neophron percnopterus, o grifo Gyps fulvus e o abutre-preto Aegypius monachus. Outras espécies de aves que, apesar de não basearem a sua dieta em cadáveres, comportam-se regularmente como necrófagas são o milhafre-preto Milvus migrans, o milhano ou milhafre-real Milvus milvus, a águia-real Aquila chrysaetos, a águia-imperial Aquila adalberti e o corvo Corvus corax. Ocorrem ainda no nosso território, de forma mais ou menos esporádica ou ocasional, outros abutres como o brita-ossos Gypaetus barbatus, o grifo de Rueppell ou o grifo-pedrês Gyps rueppellii ou o grifo-africano Gyps africanus, espécies divagantes ou com presença pouco expressiva no território português, que não são alvo deste Plano de Ação, mas que podem dele beneficiar.

Todas as espécies de aves necrófagas estão legalmente protegidas em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril (republicado pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de fevereiro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 156-A/2013, de 8 de novembro), que transpõe a Diretiva Aves, sendo que para as espécies anteriormente referidas (com exceção do corvo) essa legislação impõe, acessoriamente às disposições relativas à sua proteção rigorosa em todo o território, a designação de Zonas de Proteção Especial (ZPE).

No entanto, as aves necrófagas existentes em Portugal encontram-se genericamente em situação populacional vulnerável, como reflexo da existência de problemas de conservação de elevada complexidade. Interessa assinalar que espécies como o britango, o milhafre-real e o corvo têm sofrido regressão demográfica, com o desaparecimento de alguns núcleos nidificantes. Apesar de haver indícios positivos de recuperação populacional em espécies como o abutre-preto, a águia-imperial e a águia-real, na generalidade as aves necrófagas possuem populações nidificantes de reduzidas dimensões e estão localizadas em áreas muito restritas em termos geográficos, o que lhes confere grande vulnerabilidade populacional.

Este Plano de Ação baseia-se no diagnóstico da situação nacional de cada espécie e identifica as medidas necessárias para promover o seu estado de conservação favorável. Tem uma incidência particularmente relevante sobre as duas espécies de abutres com populações permanentes em Portugal que apresentam estatuto de ameaça: o britango, classificado como «Em Perigo» (EN), e o abutre-preto, classificado como «Criticamente em Perigo» (CR). Contudo, as medidas preconizadas devem ter repercussão noutras espécies com hábitos estrita ou parcialmente necrófagos, contribuindo para a recuperação ou manutenção do seu estado de conservação favorável, sendo de destacar a relevância da implementação destas medidas para inverter a tendência de regressão da população nidificante do milhafre-real, que, sendo parcialmente necrófago, apresenta um elevado estatuto de ameaça, estando classificado como «Criticamente em Perigo» (CR).

2 - Problemática da conservação das aves necrófagas

Em Portugal, as espécies de aves necrófagas apresentam padrões de ocorrência que resultam da distribuição heterogénea de recursos ecológicos disponíveis. Atualmente as condições mais favoráveis à nidificação de abutres encontram-se ao longo da faixa fronteiriça oriental embora, aparentemente, continuem a existir condições propícias para a nidificação destas espécies em algumas áreas localizadas na zona mais central e no sul do território continental, nomeadamente no Alentejo, e em algumas zonas serranas do centro e norte do país.

Contudo...

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