Decreto-Lei n.º 374-A/79, de 10 de Setembro de 1979

Decreto-Lei n.º 374-A/79 de 10 de Setembro 1. O Decreto-Lei n.º 714/75, de 20 de Dezembro, instituiu o sistema de estágios como forma de recrutamento e formação de magistrados. Depois de uma longa tradição de ingresso mediante concursos de feição teórica e académica, a ruptura não podia fazer-se sem a consciência de que neste, como noutros domínios, não há soluções definitivas.

Daí que o próprio diploma tivesse acentuado a sua natureza precária e experimental, em estreita dependência dos critérios que viessem a ser perfilhados em matéria de organizaçãojudiciária.

Em Março de 1977, face à experiência recolhida e perante dificuldades conjunturais de preenchimento dos quadros, tornou-se necessário rever o sistema (Decreto-Lei n.º 102/77, de 21 de Março).

E foi, nessa altura, anunciado o início dos trabalhos preparatórios de novo diploma, já articulado com as opções realizadas no âmbito da reforma judiciária. Opções que vieram a concretizar-se na adopção de dispositivos (artigos 41.º da Lei n.º 85/77, de 13 de Dezembro, e 106.º da Lei n.º 39/78, de 5 de Julho), que prevêem que os cursos e estágios de formação para magistrados decorram no Centro de Estudos Judiciários em moldes 'a definir pela lei que criar e estruturar o referido Centro'.

  1. O problema da formação de magistrados preocupa os dirigentes da maioria dos países.

    A crescente complexidade do direito, gerada num desenvolvimento nem sempre harmónico das relações sociais, torna cada vez menos recomendável que se confie a função judicial a pessoas sem adequada preparação profissional.

    Por outro lado, a experiência demonstrou que o recrutamento directo nas profissões jurídicas é insuficiente. O recurso a jovens juristas continuará a ser o maior garante do equilíbrio dos quadros.

    Mas daqui uma questão.

    Até que ponto não caminharão para a degradação instituições judiciárias entregues a um escol de juristas tidos por academicamente habilitados, mas sem uma razoável experiência de vida e, sobretudo, sem provas dadas no respeitante à sensibilidade e aptidão profissional que se lhes vai exigir? Para responder a esta e a interrogações semelhantes têm-se procurado meios de selecção e formação que realizem os objectivos de uma verdadeira formação judicial: familiarizando os candidatos com os tribunais, mostrando-lhes que a técnica não resolve tudo numa função que não actua em abstracto, mas num quadro vasto de intervenção de outros homens, sensibilizando-os para a necessidade de uma reflexão crítica permanente, despertando-os enfim para a obrigação de estarem definitivamente disponíveis e atentos à evolução do homem e da sociedade.

  2. Equacionada entre duas ordens de problemas - os da educação e os da justiça coexistem na formação de magistrados várias dificuldades: a necessidade de evitar que as actividades se transformem em acções de pós-graduação apenas dirigidas ao desenvolvimento teórico de anterior aprendizagem; a necessidade de fugir a esquemas utilitaristas em que se privilegie excessivamente o adestramento prático em prejuízo da investigação, da reflexão e da elaboração doutrinal; a necessidade, sobretudo, de repudiar fórmulas que imponham ou insinuem modelos de comportamento impeditivos do enriquecimento da personalidade.

    Dificuldades tanto mais graves quanto é certo projectarem-se em sector particularmente sensível, quando não rebelde, a fundas mutações - a justiça.

    De onde poder mesmo concluir-se pela impropriedade do termo 'formar magistrados', dada a sua carga voluntarista.

    Formar magistrados não será obviamente impregnar nos candidatos à magistratura ideologias ou modelos profissionais. Será, antes de mais, criar um amplo espaço de diálogo e reflexão que proporcione aos futuros magistrados oportunidade de desenvolvimento intelectual, de aperfeiçoamento da personalidade, de sensibilização à funçãojudiciária.

  3. Parece, hoje, adquirida a conclusão de que, neste domínio, é necessário um mínimo deinstitucionalização.

    O sistema de estágio, ainda vigente entre nós, revelou-se dispersivo e insusceptível, por isso, de assegurar uma suficiente rentabilidade. Estagiar de manhã, num tribunal, e participar, de tarde, em actividades formativas complementares é dificilmente praticável, sobretudo em grandes centros urbanos. A sobrevivência do esquema acaba por se realizar à custa de um dos programas, à margem de uma metodologia verdadeiramente pensada e coerente.

    A solução estará, pois, em concentrar os vários esquemas formativos a partir de um estabelecimento que possa coordenar as actividades lectivas e as de contacto, observação e estágio.

  4. A magistratura portuguesa goza hoje de um estatuto verdadeiramente autonómico.

    Estatuto que é, ao mesmo tempo, garantia de independência e sinal da delicadeza e importância das funções que constitucionalmente lhes estão atribuídas.

    Seria, no entanto, perigoso extrapolar tal estatuto para fora dos sectores em que residem os seus fundamentos.

    É o que sem dúvida aconteceria relativamente à formação de magistrados.

    Sujeitar sem mais a esse pendor autárquico as regras de selecção e formação de magistrados seria agravar os riscos de elitismo, hermetismo e agregação que ameaçam qualquer organização entregue exclusivamente a si própria.

    Por isso, e também por razões de ordem prática e de funcionalidade, entende-se que o Centro de Estudos Judiciários deve ser colocado sob a égide do Ministério da Justiça.

    Sem embargo, todo o funcionamento do Centro radica numa ideia fortemente participativa da magistratura, quer individualmente, quer através dos seus órgãos de gestão e disciplina. Assim: a) O conselho de gestão (órgão que define as grandes linhas de actuação do Centro), o conselho pedagógico e o conselho de disciplina incluem representantes da magistratura; b) Prevê-se o recurso a magistrados para constituir o corpo docente; c) Os estágios serão orientados directamente por magistrados.

    Considerou-se, por outro lado, que as características do Centro aconselhavam a sua autonomização administrativa e financeira.

    Já porque grande número de modalidades formativas (seminários, colóquios, conferências, visitas de estudo, estágios extrajudiciários, etc.) exigem uma gestão flexível e desburocratizada, apenas compatível com um contrôle de despesas a posteriori, já porque a autonomia fomentará um melhor aproveitamento dos recursos.

  5. Numa linha de abertura, que rejeita ao mesmo tempo qualquer ideia de escolaridade ou academismo, o Centro de Estudos Judiciários estará aberto a magistrados ou candidatos à magistratura de outros países, especialmente de países de expressão oficial portuguesa que nisso têm mostrado o maior empenho.

    É mera contrapartida de um intercâmbio já existente, e que se espera ver incrementado.

    O Centro de Estudos Judiciários ficará igualmente habilitado a desenvolver acções formativas relativamente a advogados, candidatos à advocacia e solicitadores, a pedido dos respectivos órgãos representativos, e a ministrar cursos de aperfeiçoamento a funcionários de justiça.

    Esta polivalência corresponde ao propósito de aproveitar as virtualidades do Centro até ao limite da sua dimensão desejável. Dimensão aliás planeada por forma a traduzir-se num encargo económico relativamente modesto.

  6. O Centro de Estudos Judiciários dedicar-se-á à formação inicial, à formação complementar e à formação permanente de magistrados.

    As duas primeiras modalidades constituem, em regra, condição do exercício da magistratura. A terceira destina-se a assegurar a actualização e o aperfeiçoamento dosmagistrados.

    Prevê-se o seguinte esquema de formação inicial e complementar: a) Dez meses de actividades teórico-práticas (a decorrer no Centro, cumulativamente com actividades de contacto e observação junto dos tribunais e com estágios extrajudiciais); b) Um estágio de iniciação junto dos tribunais, com a duração de dez meses; c) Um estágio de pré-afectação junto dos tribunais, com a duração de seis meses; d) Cerca de três meses de actividades de formação complementar, a realizar nos primeiros cinco anos de exercício da magistratura.

    São, no conjunto, vinte e nove meses de formação, dos quais nove já em exercício de funções.

  7. O acesso ao Centro de Estudos Judiciários, como forma de ingresso na magistratura, realiza-se, em regra, mediante graduação em testes de aptidão de natureza jurídica e cultural.

    São dispensados dos testes os doutores em Direito, e ainda os advogados, conservadores e notários com, pelo menos, sete anos de actividade profissional e boa informação de serviço. Os primeiros, como incentivo ao ingresso de candidatos habilitados com grau académico superior; os restantes, por se tratar de candidatos que exercem actividades parajudiciais (ou episodicamente judiciais, em alguns casos) e também como estímulo ao recrutamento de indivíduos já profissionalizados.

    Estes últimos não podem, no entanto, exceder, conjuntamente, um quinto do número total de vagas.

    Admitidos, os candidatos frequentarão o Centro com o estatuto de auditores de justiça.

    Preconiza-se uma ampla participação dos auditores de justiça na gestão do Centro. É aplicação do que hoje se pensa corresponder a uma correcta administração dos institutos formativos, aqui mais fortemente justificada por se tratar de candidatos a profissões em que assumem especial significado a responsabilização e o sentido crítico.

    A seguir a um período de actividades teórico-práticas, os auditores de justiça frequentam um estágio de iniciação, diferenciado consoante se trate de candidatos à magistratura judicial ou à do Ministério Público. Neste estágio, os trabalhos forenses são executados sob a direcção e responsabilidade dos magistrados titulares.

    Findo o estágio de iniciação, os auditores de justiça que tenham obtido aproveitamento são nomeados juízes de direito ou delegados do procurador da República, em estágio de pré-afectação, a que se segue a nomeação efectiva. Neste estágio, as funções judiciárias são exercidas sob responsabilidade própria, embora com a assistência de um magistrado mais...

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