Decreto-Lei n.º 383/77, de 10 de Setembro de 1977

Decreto-Lei n.º 383/77 de 10 de Setembro 1. A importância fundamental da água como recurso natural indispensável à vida tem sido reconhecida desde os inícios da humanidade. Porém, só nas últimas três décadas é que se tomou plena consciência do seu valor como elemento básico do desenvolvimento económico-social. Para tanto contribuiu a verificação das necessidades crescentes de água devidas ao aumento demográfico, à intensificação das urbanizações, ao desenvolvimento industrial acelerado e à subida do nível de vida das populações, que implicam, por um lado, um aumento constante de procura de água, acompanhada de exigências maiores quanto à qualidade e disponibilidade, e, por outro, um agravamento da sua poluição.

A poluição da água, seriamente agravada nos últimos anos nos países mais industrializados, tem forçado a uma série de medidas visando combatê-la e melhorar a qualidade da água, o que se impõe não apenas como medida de higiene pública, mas também para evitar a diminuição dos recursos hídricos disponíveis.

Desde há alguns anos dá-se mesmo conta de que estes dois factores - aumento da procura de água e poluição desta -, conjugados com a repartição (geográfica, sazonal e interanual) irregular dos recursos hídricos, implicam o risco de provocar uma escassez de água generalizada, a qual já se verifica nalgumas zonas.

Por toda a parte a água vem sendo considerada cada vez mais como um recurso económico que não existe senão em quantidades limitadas e é indispensável para múltiplos fins. A água tornou-se, assim, um factor determinante de implantação das actividades que a utilizam e a sua falta limita as possibilidades de desenvolvimento económico e social.

Somente um rigoroso estudo e uma correcta avaliação das disponibilidades, das necessidades e do respectivo balanço hídrico, uma planificação sistemática e integrada e uma gestão racional da utilização e da protecção dos recursos de água poderão, no futuro, assegurar a satisfação das necessidades impostas pelo natural desenvolvimentoeconómico-social.

A esta conclusão chegou, por exemplo, a maior parte dos países membros da Comissão Económica para a Europa (CEE) das Nações Unidas, que abrange a totalidade dos países da Europa, os quais, por esse motivo, têm vindo a proceder, nos últimos anos, à reavaliação das suas políticas em matéria de recursos hídricos e à revisão dos seus métodos de administração e gestão de águas e à consequente reorganização dos respectivos serviços técnicos.

Grande número desses países constatou que o desenvolvimento da sociedade moderna acentua a necessidade de resolver mais rapidamente os problemas da economia da água e da sua gestão racional com base em soluções técnico-económicas evoluídas e aplicando tecnologias modernas. Assim, não tardou a fazer-se sentir a necessidade de se proceder a trocas internacionais de dados e experiências, pelo que em diversas organizações intergovernamentais foram empreendidos programas respeitantes a aspectos específicos da economia hidráulica.

A Comissão Económica para a Europa (CEE) empreendeu o exame dos problemas relativos às políticas sócio-económicas gerais e à planificação prática e, para o efeito, criou um Comité dos Problemas da Água, que desenvolveu trocas de dados de experiência e empreendeu estudos sobre questões económicas, jurídicas, administrativas e técnicas, entre outros, um ciclo de estudos sobre a gestão de bacias fluviais, um estudo comparativo sobre problemas da água na Europa Meridional e um importante estudo sobre as tendências em matéria de utilização e de valorização dos recursos hídricos na região da CEE.

A OCDE, da qual são membros numerosos países europeus, incluindo Portugal, criou um Grupo Sectorial sobre a Gestão da Água, que entre outros estudos sobre medidas de defesa contra a poluição e a eutrofização, elaborou, com a colaboração de um grupo de técnicos consultores e sobre a base de completas monografias relativas às organizações de gestão das águas em oito dos mais evoluídos países membros, um completo estudo sobre 'Políticas e instrumentos de gestão das águas'. O relatório final deste estudo contém um perfeito quadro de análise sobre uma organização racional da gestão das águas, nos diversos aspectos técnicos, administrativos, jurídicos, económicos, financeiros e sociais.

Entre as primeiras conclusões deste estudo, que depois de aprovadas vão ser recomendadas aos países membros, incluem-se as seguintes: A gestão, em quantidade e em qualidade, dos recursos de água, quer de superfície, quer subterrânea, deve efectuar-se sob uma autoridade comum, no quadro das bacias ou grupos de bacias hidrográficas; Convém promover a gestão integrada do conjunto dos recursos hídricos, pela aplicação dos mesmos instrumentos económicos e regulamentares aos cursos de água, lagos, águas subterrâneas, estuários e águas costeiras; O contrôle das utilizações e das descargas deve efectuar-se por meio de uma conjugação de regulamentos e taxas com base no princípio poluidor-pagador ou utente-pagador.

Conclui-se que depois da 2.' Guerra Mundial os países mais evoluídos começaram a elaborar uma verdadeira 'política da água', traduzida em medidas legislativas, acções administrativas e técnicas e planificação das utilizações da água. Comparando as diferentes acções empreendidas por esses países, pode-se estabelecer um certo número de princípios gerais orientadores, os quais vêm sendo discutidos, coordenados e consagrados em organismos especializados internacionais.

Verifica-se que o objectivo final de uma política hidráulica baseada nesses princípios é a exploração planificada, controlada e optimizada dos recursos hídricos de cada país.

Para que esse objectivo possa ser alcançado, dada a multiplicidade de utilizações da água e de outros problemas a ela ligados (produção de energia hidroeléctrica, irrigação, abastecimento de populações e da indústria, navegação, fins secundários recreativos, meio de derrame e de autodepuração de efluentes domésticos e industriais, regularização de caudais e amortecimento de cheias, regularização fluvial, contrôle da erosão e transporte sólido, correcção torrencial, alterações ecológicas e ambientais, defesa contra a poluição e eutrofização, interligação de recursos hídricos superficiais e subterrâneos e protecção destes) e a complexidade das interacções técnicas e económicas entre esses problemas e a elevada especialização que exigem, torna-se necessário o recurso a técnicas especializadas que permitam o planeamento hidráulico e a gestão dos recursos hídricos não em termos de objectivos particulares ou singulares, mas coordenando as várias solicitações de utilização e restantes problemas, tendo em vista uma optimização global nos aspectos económicos, técnicos e de valores mesológicos.

A execução de uma política hidráulica nesses moldes não pode ser parcelada nem confiada a um determinado sector de actividade económica, pois seria afectada pela visão parcial desse sector, ou de um objectivo particular, por mais importante que seja, mas tem de estar a cargo de um órgão técnico altamente especializado e experiente em problemas de recursos hidráulicos e da sua prospecção, estudo e planeamento, projecto e execução da respectiva infra-estrutura, protecção e polícia daságuas.

  1. Em Portugal, à semelhança e por razões análogas às de outros países, torna-se necessária e oportuna a adopção de uma política de gestão da água em moldes actualizados, devido a situações já surgidas: Falta de estudo e conservação de recursos hídricos subterrâneos, pois as reservas freáticas não são objecto de medições sistemáticas e têm uma exploração excessiva, mal controlada e sem recarga, tendendo, a curto prazo, para o exaurimento e degradação por invasão de águas salobras e salgadas; Defesa contra a poluição e eutrofização deficiente e insuficientemente conduzida por falta de instrumentos técnicos, legais e económicos adequados e eficazes; Necessidade, devida às nossas irregulares condições hidrológicas, do estabelecimento de cada vez maior número de albufeiras de armazenamento para fins múltiplos - rega, produção hidroeléctrica, abastecimento de populações, regularização de caudais e contrôle de cheias - e interdependência técnica e económica desses fins, os quais não podem ser tratados independentemente; Necessidade de revisão das condições de viabilidade económica do aproveitamento dos nossos recursos hidroeléctricos ainda potenciais, em face do considerável aumento de preços dos combustíveis para centrais térmicas e da dependência externa neste aspecto; Premência social de uma política acelerada de saneamento básico; Carência de sistematização da rede hidrográfica nacional, desordenada, com assoreamento e transporte sólido excessivos devido à erosão e ao inadequado uso dos solos das vertentes e com as margens e leitos de cheias invadidos por urbanizaçõesindisciplinadas.

    Quanto aos serviços executivos, que chegaram a ter apreciáveis tradições no campo da hidráulica, desactualizaram-se, pois não tiveram qualquer reorganização eficaz precisamente no período crítico das últimas três décadas e sofreram os efeitos da rarefacção dos quadros técnicos da Administração Pública, afectados pela falta de formação de técnicos especializados, pela sua saída para o sector privado e pela dificuldade de recrutamento provocada pela distorção da situação nos dois sectores.

  2. O serviço hidráulico foi estabelecido pela Lei de 6 de Março de 1884, que incluía um plano da sua organização, a qual veio a ser feita por decreto de 2 de Outubro de 1886, mediante o estabelecimento de quatro circunscrições hidráulicas. Esta orgânica veio a ser completada pelo regulamento do serviço hidráulico, segundo o qual cada circunscrição era superintendida por um engenheiro director e compreendia secções, lanços e cantões, a cargo, respectivamente, de um engenheiro, de um chefe de lanço e de um guarda-rios. Este esquema de organização, somente com alterações dos nomes, sedes e número das circunscrições (depois...

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