Decreto-Lei n.º 368/77, de 03 de Setembro de 1977

Decreto-Lei n.º 368/77 de 3 de Setembro 1. O presente diploma contém, antes de mais, as alterações ao Código de Processo Civil exigidas pelo artigo 293.º, n.º 3, da Constituição.

Contudo, para além do estrito âmbito dos direitos liberdades e garantias referidos nesse preceito, contém ainda os necessários à adequação do Código de Processo Civil à Constituição em todos os aspectos.

Muito embora se torne premente e seja geralmente reclamada uma profunda alteração do Código de Processo Civil, ou mesmo a sua substituição por um diploma novo, pareceu mais conveniente limitar, em princípio, a alteração agora introduzida à adequação aos preceitos constitucionais, reservando uma mais profunda alteração que se prepara desde já - para depois da revisão do direito substantivo e da organizaçãojudiciária.

As alterações cuja introdução se efectiva decorrem, de um modo geral, com clareza da situação e texto constitucional: supressão da referência a províncias ultramarinas, equiparação jurídica do marido à mulher, possibilidade de juízes do sexo feminino, indiscriminação dos filhos nascidos fora do casamento, extinção da enfiteuse, supressão de casos de prisão contrários às garantias constitucionais, alteração da designação do jornal oficial e outras matérias ainda.

Em alguns - não muitos - casos, avançam-se sob reserva prudente opções cujo melindre aconselha que para elas aqui se deixe expressa uma chamada de atenção.

Pareceu, com efeito, mais consentâneo com a neutralidade religiosa do Estado Português a admissão em actos oficiais como as audiências de julgamento, apenas do juramento de honra, e não também do juramento religioso, como presentemente acontece.

Encarou-se também o problema do privilégio concedido a certas entidades de serem ouvidas na sua residência ou na sede dos seus serviços. Pareceu mais adequado à actual situação democrática a restrição desses casos ao Presidente da República e a diplomatas de países que concedam igual regalia. Mas projecta-se ensaiar para outras entidades a possibilidade de primeiro deporem por escrito, só comparecendo na audiência se o juiz achar necessário, evitando-se deste modo as convocações de mero sensacionalismo ou com fins não processuais. Aliás, o ensaio de prévio depoimento por escrito poderá ser alargado mais tarde, se se entender haver dado bonsresultados.

Resolvidos ficam ainda outros casos de particular melindre.

O mais importante é, sem dúvida, o da testemunha faltosa. A mera incriminação da testemunha injustificadamente faltosa não obsta a que se verifique o facto da recusa a cumprir o mandado do tribunal, com desprestígio para este e desvantagem para a justiça. Por outro lado, o regime actual - prisão para depor - pode figurar-se contrário ao artigo 27.º da Constituição, muito embora o artigo 210.º, n.º 2, da Constituição possa constituir aqui elemento a ponderar.

Entendeu-se serem de considerar as regras seguintes: constitucionalidade da compulsão a vir à audiência; inconstitucionalidade da prisão verdadeira e própria, em cela, como forma de garantir o depoimento.

O problema, aliás, tem surgido lá fora em situações semelhantes, distinguindo-se, não apenas com argumentos de natureza pragmática, a prisão das simples medidas de compulsão ao cumprimento de um dever legal.

Teve-se presente a necessidade de conciliar o respeito pela Constituição com a interpretação que dela se impõe, para que a Constituição assegure a Portugal, como é desejo de todos, uma ordem jurídica democrática, justa e eficiente.

Usa dizer a doutrina que o pior inimigo da lei é o que a interpreta à letra. E é bem verdade.

  1. Adita-se, em brevíssimo resumo, um apontamento sobre a razão justificativa das principais alterações propostas.

    E assim: a) Não são poucas as alterações propostas em consequência do princípio da igualdade jurídica dos cônjuges, consagrado no artigo 36.º, n.º 3, da Constituição.

    Este preceito foi observado na sua projecção directa, suprimindo-se do Código desigualdades processuais entre os cônjuges - é o caso das alterações introduzidas nos artigos 17.º, 18.º, 1038.º, 1404.º, 1414.º, 1416.º e 1463.º, bem como da revogação do artigo 1415.º; e foi observado em implicações indirectas, como a que impõe a possibilidade, já reconhecida na lei portuguesa, de a mulher ser juiz, o que exigiu a alteração dos artigos 89.º, 122.º, 124.º, 127.º e 177.º Algumas destas disposições terão porventura de ser revistas de novo em face do regime substantivo da situação matrimonial; b) Outras alterações se explicam por si mesmas, como as que suprimem as referências às províncias ultramarinas (artigos 180.º, 181.º, 823.º, 834.º e 1332.º) ou à expressão 'filhos ilegítimos', condenada pelo artigo 36.º, n.º 4, da Constituição (artigo 1327.º).

    Na mesma linha se encontra a adaptação do artigo 656.º ao artigo 211.º da Constituição e dos artigos 769.º, 1269.º e 1305.º à mudança de denominação do jornal oficial; c) A exigente tutela do direito à liberdade e à segurança, contida no artigo 27.º da Constituição, determinou a supressão de figuras de prisão destinadas, não a punir, mas a compelir ao cumprimento de obrigações cuja garantia se encontrava deste modo reforçada. O Código previa claras medidas de prisão nos artigos 410.º (arresto em caso de alcance), 854.º (depósito judicial), 904.º e 906.º (arrematação); Procurou-se que a supressão destas penas fosse acompanhada onde possível, por medidas sucedâneas de tutela, como a prevista na actual redacção do artigo 905.º, n.º 1. Esta a base das alterações introduzidas nos artigos 410.º, 854.º, 894.º, 904.º, 905.º e906.º; d) Em alguns artigos reforçou-se a protecção dos direitos, liberdades e garantias caso dos artigos 519.º e 612.º Está neste caso também a alteração do artigo 972.º: pareceu contrária à ideia de igualdade a diferença introduzida pelo Decreto-Lei n.º 366/76, de 15 de Maio, entre as posições de autor e réu; e) A alteração da orgânica constitucional fez rever outros dispositivos do Código, designadamente a isenção ou escusa do cargo de perito e o privilégio de inquirição na residência ou sede de serviços. Quanto a este último ponto, procurou-se reduzir ao mínimo o tal privilégio, mas ensaiou-se para outras entidades um regime diferente, que talvez possa vir a ser alargado ou mesmo até generalizado - o já referido regime de depor primeiro por escrito, indo à audiência só se tal se considerar necessário ao esclarecimento dos factos. Nestes parâmetros gerais se inserem as alterações aos artigos 580.º, 581.º, 582.º, 583.º, 584.º, 624.º, 625.º e 626.º; f) Menção especial merece a alteração do artigo 559.º Como já se referiu, pareceu mais consentâneo com a neutralidade religiosa do Estado Português admitir em acto oficial apenas o juramento pela honra; g) A extinção da enfiteuse tornou caducos os preceitos dos artigos 604.º, n.º 2, 1031.º e 1352.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Civil, que subsistirão apenas como disposiçõestransitórias; h) Para além destes casos, introduziram-se alterações meramente pontuais: no artigo 591.º, para permitir a nomeação de verificadores de contas; no artigo 638.º, correspondendo a um desejo insistentemente significado pelos advogados; no artigo 721.º, n.º 3, por parecer mais consentânea a enumeração introduzida com o quadro actual das fontes de direito.

  2. Alguns problemas particularmente duvidosos se colocaram ao intérprete: quanto a parte deles, com hesitações embora, resolveu-se manter o texto actual.

    Destaque-se o problema, já atrás mencionado, da compulsão a depor da testemunha faltosa, problema suscitado pelo confronto entre o artigo 629.º, n.os 2 e 3, e o artigo 27.º da Constituição.

    Pareceu que não é contrária ao preceito constitucional a forma proposta de compulsão a depor. Só o encarceramento da testemunha até ao depoimento, previsto no artigo 629.º, n.º 3, poderia considerar-se contrário ao artigo 27.º da Constituição. Por esse motivo, estabeleceu-se o seguinte regime: a testemunha é compelida a vir a tribunal a fim de cumprir o seu dever de depor, sendo no tribunal mantida sob custódia para e apenas até ter prestado o seu depoimento, salvo se a parte que a tiver indicado prescindirdela.

    Igual solução se adopta na proposta de alteração do Código de Processo Penal, a partir de três considerações simples: a de que não pode nem deve confundir-se uma pena de prisão com uma simples medida de compulsão ao cumprimento de dever prescrito na lei; a de que soluções paralelas têm sido adoptadas lá fora, sem embargo de textos constitucionais neste ponto também paralelos ao nosso; enfim, a de que entendimento diverso poderia acarretar a paralisação da acção da justiça, com todo o previsível cortejo de funestas consequências.

    A única alternativa que se visiona, definição da recusa injustificada em depor como ilícito penal autónomo, punível com prisão, por um lado seria mais gravosa para a testemunha e por outro não evitaria, na generalidade dos casos, intoleráveis compassos de espera, quando não verdadeiras situações de impasse.

    Assim: No uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 54/77, de 26 de Julho, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: Artigo 1.º Os artigos 17.º, 18.º, 89.º, 122.º, 124.º, 127.º, 177.º, 180.º, 181.º, 410.º, 519.º, 559.º, 580.º, 581.º, 582.º, 583.º, 584.º, 591.º, 604.º, 612.º, 624.º, 625.º, 626.º, 629.º, 638.º, 656.º, 721.º, 769.º, 823.º, 834.º, 854.º, 894.º, 904.º, 905.º, 906.º, 972.º, 1038.º, 1181.º, 1183.º, 1238.º, 1269.º, 1279.º, 1305.º, 1327.º, 1332.º, 1352.º, 1404.º, 1414.º, 1416.º e 1463.º do Código de Processo Civil passam a ter a seguinte redacção: ARTIGO 17.º (Capacidade judiciária dos cônjuges) O casamento não produz efeitos sobre a capacidade judiciária dos cônjuges, salvo o que vai disposto nos artigos seguintes.

    ARTIGO 18.º (Acções que têm de ser propostas por ambos os cônjuges ou por um com consentimento do outro) 1. Têm de ser propostas por marido e mulher, ou por um deles com consentimento do outro, as...

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