Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro de 1998

Decreto-Lei n.º 315/98 de 20 de Outubro A verificação da existência de um conjunto significativo de empresas com dificuldades económicas e financeiras, os efeitos da concorrência global que cada vez com maior intensidade se fazem sentir no mercado nacional, bem como a recessão económica vivida em Portugal nos primeiros anos da década de 90, suscitam a necessidade de se proceder à revisão do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril.

Na versão inicial do CPEREF encaram-se apenas, como pressupostos do processo, duas situações: a insolvência e a falência. A situação de insolvência é caracterizada por a empresa carecer de meios próprios e de crédito para cumprir as suas obrigações, sendo, no entanto, considerada economicamente viável. Esta circunstância permite que se acredite na ultrapassagem das suas dificuldades financeiras. Tratar-se-á de situação temporalmente reversível. A situação de falência é do mesmo modo caracterizada, mas havida como irreversível, não obstante se reconhecer o papel construtivo da própria irreversibilidade.

Admite-se agora um tertium genus, um novo pressuposto do processo, ou seja, uma situação económica difícil evidenciada por ponderáveis dificuldades económicas ou financeiras que embaracem o normal funcionamento da empresa ou a prossecução do seu objecto social. Para ajuizar dessa situação económica difícil, elege-se a enumeração de índices que mais frequentemente revelam as dificuldades subjacentes. Por igualdade de razões, mantém-se a fluida noção de insolvência já consagrada. É que, mesmo em microeconomia, não há critérios seguros para a sua definição.

Estas insuficiências não prejudicam o tratamento processual das situações em causa, dada a caracterização que é proposta para o impulso processual. Importante é que o empresário, ao aperceber-se das dificuldades iniciais, possa recorrer, em cada vez melhores condições, a um processo que conduza à superação das dificuldades de que ele, melhor que ninguém, é o primeiro a aperceber-se.

Para além do que veio a dispor o n.º 4 do artigo 30.º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, passa a permitir-se a coligação processual de sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo ou que tenham os seus balanços e contas aprovados consolidadamente. Pretende-se, por esta via, introduzir um factor de moralização nos abusos da personalidade jurídica e, mediatamente, combater situações de fraude.

Tendo em conta a criação dos 'tribunais de recuperação da empresa e de falência' (Lei n.º 37/96, de 31 de Agosto), alteram-se, em conformidade, as regras de competência. Explicitam-se as regras sobre a apensação de processos, por forma que o tribunal em que corra um processo relativo a sociedade detentora do maior valor do activo deva avocar os processos relativos a sociedades coligadas, cuja apensação seja requerida.

Por outro lado, continuando embora a afirmar-se o carácter urgente dos processos de recuperação da empresa e de falência, revoga-se o artigo 26.º do actual diploma, uma vez que se tornou inútil a sua manutenção, em razão da remissão para o Código de Processo Civil quanto à contagem dos prazos, como se revoga, pelo que acima se expôs, o n.º 4 do artigo 30.º deste Código, agora inserido no local adequado.

De entre a designação das providências de recuperação considera-se menos apropriada a do 'acordo de credores'. De facto, na base de todas as providências está um acordo de credores. Com o objectivo de maior precisão técnica, passa a designar-se tal providência por 'reconstituiçãoempresarial'.

A recuperação da empresa só colhe utilidade se for rápida e acertada.

Procura-se, para que seja acertada, que, sem prejuízo da segurança do comércio jurídico, e sempre que possível, as decisões que lhe respeitem sejam obtidas por consenso entre os interessados (devedor e credores); para que seja rápida, introduzem-se alterações na tramitação processual.

Reinveste-se o juiz na sua genuína função de decisor, de garante da legalidade do processo, na base do entendimento de que a recuperação da empresa se deve processar, no plano do mérito, através dos que, para o efeito, estão naturalmente vocacionados. O juiz funciona, eminentemente, como instância de fiscalização e de recurso, repondo a legalidade geradora de novos consensos. Os tribunais são, neste âmbito, e de futuro, instâncias de recurso de todas as decisões e deliberações das entidades directamente empenhadas na recuperação da empresa.

Reforçam-se, em contrapartida, quer em intensidade, quer em extensão, os poderes da comissão de credores, possibilitando, por esta via, uma mais próxima, oportuna e célere tomada de decisões.

Perfilha-se atitude idêntica em relação ao gestor judicial. Por isso, passa a poder intervir, logo na fase inicial do processo, nos casos de justificado receio de prática de actos de má gestão. Também se acolhe a possibilidade de a remuneração do gestor judicial ser determinada com base no êxito obtido na recuperação, success fee.

Mantém-se o papel primordial da assembleia de credores. Mitiga-se, no entanto, a actual exigência da maioria de 75% e adopta-se como regra a da maioria absoluta fixada em dois terços. Espera-se, assim, agilizar a tomada das deliberações e permitir maior autonomia à comissão de credores e ao gestor judicial. Essa autonomia acrescida, no entanto, não deve pôr em causa as suas responsabilidades, quer pelo cumprimento do princípio da igualdade de tratamento dos credores, quer do princípio da recuperação da empresa. Constitui ela também um estímulo ao bom desempenho das respectivas funções, designadamente no que concerne ao gestor judicial.

No tocante ao processo de falência, de raízes milenares, as modificações são de menor monta. Não podem esquecer-se as importantes alterações que foram acolhidas pelo Código Penal e que aos crimes falimentares se referem imediata e directamente. Além disso, e no plano da responsabilidade civil, instituem-se mecanismos de responsabilização solidária dos dirigentes das empresas que, por sua culposa actuação, tenham contribuído significativamente para a situação de insolvência daquelas, caso em que, com a falência da empresa, se declarará a falência dos responsáveis.

Cumpre ainda realçar outras alterações introduzidas no processo de falência.

Reduz-se para 30 dias o prazo para a reclamação de créditos fixado na sentença declarativa da falência; dispensam-se de nova reclamação os créditos que tenham previamente sido reclamados no processo de recuperação; atribui-se direito de preferência ao credor hipotecário na aquisição do bem vendido e institui-se o dever de o juiz proceder à verificação e graduação dos créditos independentemente do apuramento das operações deliquidação.

A economia portuguesa necessita que do seu tecido empresarial façam parte empresas viáveis. São viáveis muitas das empresas em processo de recuperação. Os mecanismos constantes do CPEREF têm idoneidade para a consecução daquele objectivo, quer pelos meios consagrados à recuperação da empresa, quer pela segurança oferecida pelo processo de falência. Não há, por isso, razões que impeçam que o Código se aplique, em princípio, a todos os processos pendentes. Não se justifica, assim, arredar a regra da aplicação imediata da lei processual; para que esta se realize sem grandes sobressaltos, introduz-se disposição transitória que visa permitir a utilização de todos os dispositivos destinados à recuperação da empresa económica e financeiramente viável.

Assim: Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º e do n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: Artigo 1.º O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, passa a ter a seguinteredacção: 'Artigo 2.º Os regimes de recuperação da empresa e de falência não são aplicáveis às pessoas colectivas públicas, às empresas de seguros, às instituições de crédito, às sociedades financeiras, às empresas de investimento que prestem serviços que impliquem a detenção de fundos ou de valores mobiliários de terceiros e aos organismos de investimento colectivo, nem prejudicam a legislação especial relativa às empresas públicas.' Artigo 2.º Os artigos 1.º, 3.º a 5.º, 7.º, 8.º, 10.º, 13.º, 14.º a 16.º, 18.º a 20.º, 22.º a 25.º, 27.º a 30.º, 32.º, 34.º, 38.º, 41.º a 46.º, 49.º a 56.º, 58.º, 62.º, 65.º a 67.º, 77.º a 87.º, 90.º a 92.º, 97.º, 99.º, 103.º a 109.º, 114.º a 116.º, 119.º, 123.º, 124.º, 127.º a 130.º, 132.º, 134.º, 139.º, 142.º, 145.º, 148.º, 150.º, 152.º, 155.º, 158.º, 161.º, 172.º, 179.º a 181.º, 184.º, 186.º a 188.º, 191.º a 193.º, 195.º, 196.º, 198.º a 200.º, 203.º, 205.º, 209.º, 213.º, 215.º, 216.º, 220.º, 221.º, 223.º, 224.º, 232.º a 234.º, 236.º e 240.º a 244.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, passam a ter a seguinte redacção: 'Artigo 1.º [...] 1 - Toda a empresa em situação económica difícil ou em situação de insolvência pode ser objecto de uma medida ou de uma ou mais providências de recuperação ou ser declarada em regime de falência.

2 - .....................................................................................................................

3 - Sem prejuízo dos efeitos patrimoniais da existência de personalidade jurídica distinta, é permitida a coligação activa ou passiva de sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, ou que tenham os seus balanços e contas aprovadosconsolidadamente.

Artigo 3.º Situação de insolvência e situação económica difícil 1 - É considerada em situação de insolvência a empresa que se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível.

2 - É considerada em situação económica difícil a empresa que, não...

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