Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro de 1982

Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro 1. Após a publicação do Decreto-Lei n.º 411-A/79, de 1 de Outubro, o regime das contra-ordenações, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho, ficou desprovido de qualquer eficácia directa e própria.

As transformações entretanto operadas tanto no plano da realidade político-social e económica como no ordenamento jurídico português vieram tornar mais instante a necessidade de reafirmar a vigência do direito de ordenação social, introduzindo, do mesmo passo, algumas alterações.

São conhecidas as necessidades de índole político-criminal a que este específico ramo do direito procura dar resposta. Elas foram, aliás, apresentadas com algum desenvolvimento no relatório que precedia o Decreto-Lei n.º 232/79 em termos que conservam plenamente a sua pertinência. Resumidamente, o aparecimento do direito das contra-ordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc. Tal característica, comum à generalidade dos Estados das modernas sociedades técnicas, ganha entre nós uma acentuação particular por força das profundas e conhecidas transformações dos últimos anos, que encontraram eco na Lei Fundamental de 1976. A necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de sanções. Só que tal não pode fazer-se, como unanimemente reconhecem os cultores mais qualificados das ciências criminológicas e penais, alargando a intervenção do direito criminal. Isto significaria, para além de uma manifesta degradação do direito penal, com a consequente e irreparável perda da sua força de persuasão e prevenção, a impossibilidade de mobilizar preferencialmente os recursos disponíveis para as tarefas da prevenção e repressão da criminalidade mais grave. Ora é esta que de forma mais drástica põe em causa a segurança dos cidadãos, a integridade das suas vidas e bens e, de um modo geral, a sua qualidade de vida.

  1. No mesmo sentido, ou seja, no da urgência de conferir efectividade ao direito de ordenação social, distinto e autónomo do direito penal, apontam as transformações operadas ou em vias de concretização no ordenamento jurídico português, a começar pelas transformações do quadro jurídico-constitucional.

    Por um lado, com a revisão constitucional aprovada pela Assembleia da República o direito das contra-ordenações virá a receber expresso reconhecimento constitucional (cf. v. g. os textos aprovados para os novos artigos 168.º, n.º 1, alínea d), e 282.º, n.º 3). Por outro lado, o texto aprovado para o artigo 18.º, n.º 2, consagra expressamente o princípio em nome do qual a doutrina penal vem sustentando o princípio da subsidiariedade do direito criminal. Segundo ele, o direito criminal deve apenas ser utilizado como a ultima ratio da política criminal, destinado a punir as ofensas intoleráveis aos valores ou interesses fundamentais à conveniência humana, não sendo lícito recorrer a ele para sancionar infracções de não comprovada dignidade penal.

    Também o novo Código Penal, ao optar por uma política equilibrada da descriminalização, deixa aberto um vasto campo ao direito de ordenação social naquelas áreas em que as condutas, apesar de socialmente intoleráveis, não atingem a dignidade penal. Mas são, sobretudo, as necessáriasreformasemdomínioscomoaspráticasrestritivasdaconcorrência,as infracções contra a economia nacional e o ambiente, bem como a protecção dos consumidores, que tornam o regime das contra-ordenações verdadeiramenteimprescindível.

    Só ele, com efeito, viabilizará uma política criminal racional, permitindo diferenciar entre os tipos de infracções e os respectivos arsenais de reacções.

  2. Para atingir estes objectivos, importava introduzir algumas alterações no regime geral das contra-ordenações. Tratava-se, fundamentalmente, de colmatar uma importante lacuna, estabelecendo as normas necessárias à regulamentação substantiva e processual do concurso de crime e contra-ordenação, bem como das vicissitudes processuais impostas pela alteração da qualificação, no decurso do processo, de uma infracção como crime ou contra-ordenação.

    Para além disso e das alterações introduzidas quanto às autoridades competentes para aplicar em primeira instância as coimas (retirando-se tal competência aos secretários das câmaras municipais), manteve-se, no essencial, inalterada a lei das contra-ordenações. Apesar de se tratar de um diploma de enquadramento, manifesta-se a vontade de progressivamente se caminhar no sentido de constituir efectivamente um ilícito de mera ordenação social.

    Manteve-se, outrossim, a fidelidade à ideia de fundo que preside à distinção entre crime e contra-ordenação. Uma distinção que não esquece que aquelas duas categorias de ilícito tendem a extremar-se, quer pela natureza dos respectivos bens jurídicos quer pela desigual ressonância ética. Mas uma distinção que terá, em última instância, de ser jurídico-pragmática e, por isso, também necessariamente formal.

    Assim, usando da faculdade conferida pela Lei n.º 24/82, de 23 de Agosto, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte: I PARTE Da contra-ordenação e da coima em geral CAPÍTULO I Âmbito de vigência Artigo 1.º (Definição) 1 - Constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.

    2 - A lei determinará os casos em que uma contra-ordenação pode ser imputada independentemente do carácter censurável do facto.

    Artigo 2.º (Princípio da legalidade) Só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.

    Artigo 3.º (Aplicação no tempo) 1 - A coima é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende.

    2 - Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se já tiver transitado em julgado a decisão da autoridade administrativa ou do tribunal.

    3 - O disposto no número anterior não se aplica às leis temporárias, salvo se estas determinarem o contrário.

    4 - O regime previsto nos números anteriores aplica-se, com as devidas adaptações, aos efeitos das contra-ordenações.

    Artigo 4.º (Aplicação no espaço) A presente lei é aplicável: a) A factos praticados em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; b) A factos praticados a bordo de navios ou aeronaves portuguesas, salvo tratado ou convenção internacional em contrário.

    Artigo 5.º (Momento da prática do tacto) O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.

    Artigo 6.º (Lugar da prática do facto) O facto considera-se praticado no lugar em que, total ou parcialmente e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou ou, no caso de omissão, devia ter actuado, bem como naquele em que o resultado típico se tenha produzido.

    CAPÍTULO II Da contra-ordenação Artigo 7.º (Da responsabilidade das pessoas colectivas ou equiparada) 1 - As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.

    2 - As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.

    Artigo 8.º (Dolo e negligência) 1 - Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

    2 - O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo.

    3 - Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.

    Artigo 9.º (Erro sobre a ilicitude) 1 - Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.

    2 - Se o erro lhe for censurável, a coima poderá ser atenuada.

    Artigo 10.º (Inimputabilidade em razão da idade) Para os efeitos desta lei, consideram-se inimputáveis os menores de 16 anos.

    Artigo 11.º (Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica) 1 - É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, é incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

    2 - Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tem no momento da prática do facto a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmentediminuída.

    3 - A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo próprio agente com intenção de cometer o facto.

    Artigo 12.º (Tentativa) 1 - Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de uma contra-ordenação que decidiu cometer sem que esta chegue a consumar-se.

    2 - São actos de execução: a) Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de contra-ordenação; b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico; c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.

    Artigo 13.º (Punibilidade da tentativa) A tentativa só pode ser punida quando a lei expressamente o determinar.

    Artigo 14.º (Desistência) 1 - A tentativa não é punível quando o agente voluntariamente desiste de prosseguir na execução da contra-ordenação, ou impede a consumação, ou, não obstante a consumação, impede a verificação do resultado não compreendido no tipo da contra-ordenação.

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