Decreto-Lei n.º 219/2006, de 02 de Novembro de 2006

Decreto-Lei n.o 219/2006

de 2 de Novembro

O presente decreto-lei transpóe para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.o 2004/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril, relativa às ofertas públicas de aquisiçáo.

A directiva visa harmonizar e coordenar o regime das ofertas públicas de aquisiçáo nos Estados membros da Uniáo Europeia, respeitando os princípios gerais de equidade de tratamento, transparência na informaçáo prestada e protecçáo dos interesses dos accionistas minoritários e dos trabalhadores das entidades oferentes e visadas. A harmonizaçáo dos regimes vigentes na Uniáo Europeia é reforçada pelo princípio de reciprocidade que permite a um Estado membro facultar às entidades visadas a possibilidade de aplicar um regime tanto ou mais favorável consoante o regime aplicável à entidade visada, com especial impacte na capacidade da visada de aplicar medidas defensivas.

A directiva também estabelece medidas quanto às autoridades competentes para supervisionar as suas disposiçóes, em particular na escolha da autoridade em situaçóes em que entidade oferente e visada estáo situadas em ordenamentos jurídicos diferentes ou quando a visada tem valores mobiliários admitidos à negociaçáo em vários mercados regulamentados. A directiva prevê, ainda, a necessidade de coordenaçáo entre autoridades competentes.

O dever de lançamento de uma oferta pública de aquisiçáo surge assim que uma entidade ou grupo de entidades actuando em concertaçáo detenham valores mobiliários da entidade visada em tal percentagem dos direitos de voto que lhes permitam, directa ou indirectamente, dispor do controlo da visada. A directiva náo estabelece qual a percentagem, conferindo aos Estados membros a sua definiçáo. Neste aspecto, o legislador nacional opta por manter os actuais limiares previstos no Código dos Valores Mobiliários para as ofertas públicas de aquisiçáo obrigatórias, ou seja, um terço e metade dos direitos de voto.

O legislador nacional optou, contudo, por introduzir uma alteraçáo no cálculo de imputaçáo dos direitos de voto com relevância para a determinaçáo dos limiares de controlo. Esta alteraçáo náo resulta da transposiçáo da Directiva n.o 2004/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril, mas trata-se de uma antecipaçáo parcial do regime previsto na Directiva n.o 2004/109/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro, relativa à harmonizaçáo dos requisitos de transparência no que se refere às informaçóes respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estáo admitidos à negociaçáo num mercado regulamentado, e que altera a Directiva n.o 2001/34/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Maio, relativa à admissáo de valores mobiliários à cotaçáo oficial de uma bolsa de valores e à informaçáo a publicar sobre esse valores.

Assim, o artigo 20.o do Código dos Valores Mobiliários é alterado de modo a acomodar a noçáo de exercício concertado de direitos de voto e prevê que náo sejam imputáveis às sociedades que dominem sociedades que prestem serviços de gestáo de carteira por conta de outrem, os direitos de voto inerentes às carteiras geridas desde que a sociedade gestora actue de forma independente da sociedade dominante. Introduz-se, igualmente, um novo artigo 20.o-A, que permite às sociedades dominantes derrogarem a imputaçáo dos direitos de voto em determinadas circunstâncias que demons-trem autonomia de decisáo pelas sociedades dominadas.

O lançamento de uma oferta pública de aquisiçáo presume que a contrapartida oferecida seja equitativa, tanto no seu valor como na sua forma. Quanto ao primeiro aspecto, o artigo 188.o do Código dos Valores Mobiliários é alterado, densificando a norma já existente que estabelece a obrigatoriedade de a contrapartida ser determinada por auditor independente em determinadas circunstâncias - nomeadamente se a negociaçáo

7628 dos valores mobiliários objecto da oferta apresentar uma liquidez reduzida que implique pouca representativi-dade.

Quanto à forma da contrapartida, a directiva estabelece que pode revestir numerário ou valores mobiliários, sendo obrigatória uma alternativa em numerário se os valores mobiliários náo estiverem admitidos em mercado regulamentado. A directiva também permite aos Estados membros tornar obrigatória uma alternativa em numerário em todos os casos.

Neste aspecto, o legislador sopesou os argumentos que preconizam uma maior defesa dos pequenos accionistas com aqueles que pugnam por um mercado de controlo mais flexível e eficiente. A soluçáo apresentada no artigo 188.o do Código dos Valores Mobiliários estabelece que a contrapartida pode consistir apenas valores mobiliários de comprovada liquidez, excepto se o oferente tiver, no período anterior ao lançamento da oferta, adquirido acçóes da visada, caso em que é obrigatória uma alternativa em numerário.

A transparência é crucial numa oferta pública de aquisiçáo. A directiva prevê que a decisáo de lançamento de uma oferta seja imediatamente tornada pública, com especiais deveres de informaçáo aos trabalhadores das entidades oferente e visada, incluindo uma descriçáo detalhada dos objectivos em sede de manutençáo de emprego ou localizaçáo da actividade em caso de sucesso da oferta. As alteraçóes introduzidas no Código dos Valores Mobiliários, neste aspecto, sáo pontuais na medida que o regime nacional já é substancialmente próximo do previsto na directiva. O artigo 181.o densifica os deveres de informaçáo a prestar pelo órgáo de administraçáo da entidade visada. Pelo seu lado, o novo artigo 245.o-A estabelece o dever de informaçáo para todas as sociedades com acçóes admitidas à negociaçáo em mercado regulamentado relativamente às suas práticas de governo, nomeadamente sobre a estrutura de capital e existência de medidas restritivas ou defensivas, incluindo sobre a nomeaçáo dos órgáos de administraçáo.

O artigo 11.o da directiva prevê a aboliçáo de uma série de barreiras defensivas em ambiente de oferta pública de aquisiçáo, incluindo a inaplicabilidade das restriçóes à transmissáo de direitos de voto, das restriçóes em matéria de direito de voto ou relativas ao voto plural. Especial relevo é dado à possibilidade conferida ao oferente, caso passe a deter percentagem náo inferior a 75 % dos direitos de voto da visada na sequência da oferta, de desconsiderar restriçóes em matéria de transmissibilidade e direito de voto e direitos especiais dos accionistas relativos à nomeaçáo dos órgáos de administraçáo. Trata-se daquilo a que a doutrina tem apelidado de breakthrough rule.

O artigo 12.o da directiva prevê que os Estados membros possam conferir às entidades visadas a possibilidade de dispensar, no todo ou em parte, o disposto em deter-minadas disposiçóes da directiva, incluindo as previstas no artigo 11.o, sem prejuízo do princípio da reciprocidade. Deste modo, o legislador nacional opta, no novo artigo 182.o-A, por um regime ponderado, atenta mais uma vez a argumentaçáo que defende uma maior liber-dade de circulaçáo de capitais em contraponto com a que defende o primado da autonomia privada.

O regime das ofertas concorrentes e a revisáo de ofertas sáo matérias que a directiva náo detalha mas para as quais os Estados membros devem estabelecer regras.

As alteraçóes introduzidas neste âmbito resultam da opçáo clara do legislador por um mercado de controlo mais competitivo, sublinhando-se a reduçáo do limite de revisáo de contrapartida e a possibilidade de qualquer oferente rever os termos da oferta.

O regime de aquisiçáo e alienaçáo potestativas previsto na directiva náo oferece qualquer especialidade no ordenamento nacional, dado que pouco difere em substância do regime previsto no Código dos Valores Mobiliários. Deste modo, as alteraçóes introduzidas nos artigos 194.o a 196.o do Código dos Valores Mobiliários visam, no essencial, a harmonizaçáo dos prazos para lançamento destas ofertas e sobre a presunçáo da justeza da contrapartida.

É também alterado o regime sancionatório estabelecido no Código dos Valores Mobiliários, atentos os princípios de efectividade, proporcionalidade e dissuasáo previstos na directiva. A violaçáo dos deveres previstos na directiva passa a ser considerada ilícito susceptível de contra-ordenaçáo, destacando-se, pela sua severidade, a violaçáo dos deveres de informaçáo relativos a informaçáo sobre medidas defensivas, dos deveres de informaçáo pela visada tanto aos seus accionistas como aos seus trabalhadores ou relativamente à negociaçáo dos valores mobiliários objecto da oferta.

Finalmente, é também alterado o regime jurídico da concorrência no sentido da reduçáo dos prazos de aná-lise pela autoridade administrativa responsável pela área da concorrência. Com esta alteraçáo, procura-se mini-mizar o período durante o qual a administraçáo da socie-dade visada vê os seus poderes limitados e contribuir para uma rápida resoluçáo da oferta pública de aquisiçáo.

Foram ouvidos, a título facultativo, a Comissáo do Mercado de Valores Mobiliários, o Banco de Portugal, o Instituto de Seguros de Portugal, as associaçóes representativas dos sectores bancário e financeiro e a Euro-next Lisbon - Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, S. A.

Assim: No uso da autorizaçáo legislativa concedida pela Lei n.o 35/2006, de 2 de Agosto, e nos termos das alíneas a) e b) do n.o 1 do artigo 198.o da Constituiçáo, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.o

Objecto

1 - O presente decreto-lei transpóe para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.o 2004/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril, relativa às ofertas públicas de aquisiçáo.

2 - O presente decreto-lei procede, ainda, à primeira alteraçáo à Lei n.o 18/2003, de 11 de Junho.

Artigo 2.o

Alteraçáo ao Código dos Valores Mobiliários

Os artigos 20.o, 108.o, 111.o, 138.o, 173.o, 175.o, 176.o, 178.o, 180.o a 182.o, 184.o, 185.o, 188.o, 190.o, 191.o, 194.o a 196.o e 393.o do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 486/99, de 13 de Novembro, com a redacçáo que...

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