Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro de 1970

Decreto-Lei n.º 576/70 de 24 de Novembro 1. A deslocação para os centros urbanos, em especial para as grandes cidades, de massas populacionais cada vez maiores constitui um movimento irreversível, que se verifica por todo o mundo e é mesmo expressão ou índice de desenvolvimento económico.

Tal movimento ocasiona um aumento contínuo da procura de habitações e impõe um alargamento intenso dos trabalhos de urbanização e das instalações de equipamento social, exigindo, portanto, a ocupação de terrenos em áreas cada vez mais vastas. E esta exigência determina um fácil desequilíbrio entre a oferta e a procura dos terrenos, o que permite uma larga especulação nos respectivos preços e dificulta a sua disponibilidade para a execução dos empreendimentos necessários.

Ora, uma tal situação tesa efeitos perniciosos.

Assim, o encarecimento dos terrenos conduz a soluções aparentemente mais económicas, mas técnica e socialmente inapropriadas, tais como a implantação de bairros em zonas afastadas, que origina inconvenientes de vária ordem, desde o desordenado crescimento das infra-estruturas urbanísticas e dos equipamentos sociais, com o agravamento dos seus custos de instalação e funcionamento, até ao excessivo afastamento dos locais de trabalho dos habitantes, com as inevitáveis repercussões nos orçamentos familiares e na economia geral, para só falar nos inconvenientes de ordem económica.

Também os elevados valores atingidos pelos terrenos levam ao seu máximo aproveitamento, quer ultrapassando os limites adequados na densidade de ocupação do solo - por uma construção em altura superior à conveniente e pela diminuição dos espaços verdes e dos destinados a serviços e equipamentos sociais -, quer pela redução da área das habitações, com a generalização de fogos sem as condições necessárias para a média das famílias.

Além disso, o aumento dos preços dos terrenos provoca o aumento do custo total das construções e, como consequência, a elevação constante das rendas, levando também os construtores a diminuir os restantes encargos, designadamente à custa da qualidade dos edifícios, com prejuízo da conservação e até da sua duração.

Por fim, deixando de parte outros aspectos, é de salientar que o progressivo e intenso aumento dos preços dos terrenos suscita o encaminhamento de muitas economias para o entesouramento de terrenos urbanizáveis ou que como tais se julgam, ocasionando a imobilização, por períodos mais ou menos longos, de capitais que bem melhor poderiam ser utilizados em investimentos de utilidade social.

Trata-se, pois, de uma situação e de um mal cuja gravidade é inegável e que muito contribui para a carência de habitações de rendas acessíveis a largos estratos sociais, como, aliás, já foi reconhecido.

Assim, no Plano Intercalar de Fomento, ao referirem-se os vícios que dificultam as actividades no sector da habitação, apontou-se 'a especulação com os valores dos terrenos, que eleva demasiadamente o custo das habitações, fomenta as demolições e conduz a distorções no aproveitamento do solo'.

E a Câmara Corporativa, no parecer sobre o projecto do Plano, reconheceu constituir a especulação sobre terrenos o fenómeno mais chocante nos grandes meios urbanos do País.

Posteriormente, no III Plano de Fomento, depois de se dizer que a especulação no mercado de terrenos não se coaduna com a necessidade de construir casas acessíveis às famílias de fracos recursos, apontou-se como um dos objectivos principais 'o estabelecimento de uma política de terrenos que permita dispor, oportunamente e a preços não especulativos, dos terrenos necessários à realização de planos de desenvolvimento urbanístico e habitacional', admitindo-se a eventual necessidade de medidas especiais, como a revisão do sistema de avaliação dos terrenos e das normas legais tendentes a impedir a especulação.

A isso se destina o presente diploma, no qual se adoptam diversas providências tendentes a resolver os problemas da disponibilidade dos solos.

  1. De entre as diversas medidas apontadas para resolver os problemas da disponibilidade dos terrenos destinados a urbanização é a expropriação sistemática, com apropriação definitiva dos solos pela Administração, a que melhor serve os objectivos em vista.

    É essa medida, portanto, que se tem por aconselhável, não só para a expansão dos aglomerados urbanos em nítido desenvolvimento, onde os problemas da disponibilidade de terrenos revestem particular gravidade, como também para a criação de novos aglomerados, nos quais interessa impedir, desde o início, o aparecimento de dificuldades dessa ordem.

    É evidente, porém, que não se trata de uma apropriação geral de todos os solos, integrada numa concepção socialista do Estado, mas de uma apropriação limitada a certos terrenos, por se considerar essa a forma mais adequada de resolver os problemas de disponibilidade do solo destinado a urbanização, em face dos graves males sociais que produzem.

    Precisamente por isso, a expropriação sistemática, com apropriação definitiva dos solos pela Administração, não impede uma larga intervenção da actividade privada, consentindo, pelo contrário, uma intensa actuação dos promotores particulares.

    De facto, a utilização de direito de superfície, quando concedido por um prazo suficientemente longo, permitirá aos particulares obter o justo rendimento e a amortização oportuna dos capitais que investirem nas construções. E essa garantia será ainda maior desde que, como se prevê no diploma, o prazo do direito de superfície seja prorrogável, salvo nos casos em que se estabeleça o contrário, ou quando a Administração necessitar do terreno para obras de renovação urbana.

    Não se pretende, pois, afastar ou prejudicar a actividade privada - que se deseja até cada vez mais operante e frutuosa -, mas impedir apenas que ela se aproveite das especiais condições do mercado de terrenos, nas zonas de desenvolvimento urbano, para actuações especulativas, tão prejudiciais para o bem comum.

    Aliás, não se impõe o uso generalizado da exportação sistemática com apropriação definitiva dos solos pela Administração, até porque a utilização de tal medida pressupõe disponibilidades económicas que em muitos casos podem não existir.

    E assim, ao lado da referida medida e dos restantes meios já previstos na lei, o diploma admite o recurso a outros processos, como, por exemplo, certas formas de associação da Administração com os proprietários dos terrenos, que poderão revelar-se instrumentos válidos de cooperação e harmonização do interesse público com os interesses privados.

    Pretende-se criar, em suma, um sistema com a maleabilidade suficiente para ocorrer às várias circunstâncias e situações, deixando à Administração a faculdade de escolher as medidas mais convenientes para cada caso, embora em obediência a critérios gerais definidos na lei.

    E pretende-se, paralelamente, uma activa e fecunda intervenção dos promotores particulares, embora expurgada de actividades prejudiciais ao interesse geral.

  2. A necessidade de garantir a disponibilidade, a preços justos, dos terrenos indispensáveis à realização dos diversos empreendimentos impõe a correcção dos critérios legais na fixação do valor dos terrenos para efeitos de expropriação.

    Assim, modifica-se o conceito de terreno para construção, tornando-o mais adequado aos actuais critérios de exigência urbanística e às razões que justificam a sua especial valorização.

    De facto, a mencionada qualificação, justificativa dessa especial valorização, deve assentar na possibilidade de edificação de construções integradas num determinado aglomerado urbano. Mas essa integração não pode supor apenas uma ligação territorial ou espacial; requer também uma assimilação de condições urbanísticas, o que justifica que os requisitos a exigir para a aludida qualificação devam variar consoante os aglomerados.

    Paralelamente, pretende-se evitar certas interpretações que conduziram a valorizar pràticamente como terrenos para construção terrenos que não possuíam os requisitos legais para tal qualificação.

    Permite-se ainda a fixação pelo Governo de limites aos valores dos terrenos para construção, nas regiões ou localidades em que os preços do mercado se mostrem influenciados por factores de especulação e afastados dos valores socialmente justos. Tais limites, porém, serão estabelecidos em atenção à edificabilidade permitida pelos terrenos, dentro da ideia, que se reputa justa, de os valores dos terrenos não deverem ultrapassar certa percentagem do valor total das construções.

    Observe-se, no entanto, que as modificações introduzidas nos critérios legais sobre fixação do valor dos terrenos não deixam de apresentar aspectos favoráveis aos expropriados, dentro da preocupação, que o Governo teve, de consagrar as mais justas soluções. Assim, nos concelhos em que vigorar o regime de cadastro geométrico da propriedade rústica deixa de se atender, para efeitos de fixação do valor dos terrenos, ao respectivo rendimento colectável, por se reconhecer que esse sistema, em virtude de desactualização dos valores a que se reporta, podia conduzir com facilidade a resultados injustos.

  3. Como meio de facilitar o recurso à expropriação, passa a admitir-se o pagamento, em prestações e em espécie, das indemnizações devidas pela expropriação por utilidadepública.

    Todavia, estas formas de pagamento são estabelecidas em termos equilibrados e prudentes, de modo que os expropriados não sejam prejudicados e o benefício social não seja obtido exclusivamente à sua custa ou com o seu especial sacrifício.

    Daí, designadamente, o quadro dos casos em que não pode ser imposto o...

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