Decreto-Lei n.º 62/2020

ELIhttps://data.dre.pt/eli/dec-lei/62/2020/08/28/p/dre
Data de publicação28 Agosto 2020
SectionSerie I
ÓrgãoPresidência do Conselho de Ministros

Decreto-Lei n.º 62/2020

de 28 de agosto

Sumário: Estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Nacional de Gás e o respetivo regime jurídico e procede à transposição da Diretiva 2019/692.

O XXII Governo constitucional assumiu como primeiro desafio estratégico da sua governação enfrentar as alterações climáticas, garantindo uma transição energética justa e eficaz.

O território e o país têm uma particular vulnerabilidade às alterações climáticas e aos seus efeitos, sentindo-os já no presente. Em resposta à necessidade de combate das alterações climáticas, Portugal assumiu logo em 2016 o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050, objetivo inscrito no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. A estratégia para a implementação nesta década, por sua vez, foi inscrita no Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030.

Em Portugal, correspondendo ao setor energético a maior fatia de emissões de gases de efeito de estufa, a transição energética - de fontes de energia fósseis para fontes de energia renovável - assume um papel fundamental no cumprimento do compromisso de neutralidade carbónica. A eletrificação dos consumos, em conjunto com a descarbonização do setor elétrico por recurso a mais e mais diversificadas fontes de energia renovável para a produção de eletricidade, têm um contributo singular a oferecer ao combate às alterações climáticas.

Existem, no entanto, consumidores de gás natural para os quais a eletrificação pode não se revelar uma opção viável, por atualmente disporem de poucas opções tecnológicas alternativas e onde a eletrificação no curto-médio prazo pode não ser a melhor opção em termos de custo-benefício. São, a título de exemplo, os casos das indústrias com grandes necessidades de energia térmica, como as siderúrgicas, cerâmicas e vidreira.

A manutenção de um sistema elétrico nacional fiável, assegurando fornecimentos aos cidadãos e às empresas, exige, por enquanto, a existência de centros eletroprodutores movidos a gás natural, que constituem uma salvaguarda do sistema, numa fase de transição. Assim, importa também descarbonizar progressivamente o setor do gás.

A descarbonização do setor do gás atinge-se garantindo, a cada momento, a incorporação de gases de origem renovável e de gases de baixo teor de carbono no sistema, respeitando os constrangimentos técnicos e físicos do Sistema Nacional de Gás (SNG). O biometano e o hidrogénio, gerados a partir de fontes de energia renovável como a biomassa ou a eletrólise da água e incorporados no combustível circulante na rede pública de gás, asseguram assim a continuidade do fornecimento de gás e a progressiva descarbonização do setor. A incorporação de gases de origem renovável e de gases de baixo teor de carbono contribui também para que as redes concessionadas não se tornem ociosas, permitindo a continuidade da sua utilização.

A par dos operadores das redes públicas do setor, o presente decreto-lei prevê um novo ator no mercado do gás, do lado da produção.

Portugal é tradicionalmente um país importador de energia numa economia fóssil, não dispondo de recursos em território nacional que assegurem as suas necessidades, com os associados desafios de dependência externa e soberania energética. O combate às alterações climáticas e a descarbonização do setor energético têm-se revelado um instrumento fundamental para a inversão desse paradigma: Portugal é hoje um dos países com maior incorporação de fontes de energia renovável no seu mix energético, reduzindo a dependência da importação de fontes de energia fósseis ou de energia para alimentar as suas necessidades.

Os gases de origem renovável têm o potencial de completar a inversão do paradigma energético importador português. Com efeito, a produção de gases de origem renovável, em particular do hidrogénio, tem um evidente potencial exportador, atendendo à procura externa por estes gases nos países intensamente industrializados da Europa central e do Norte. O desafio que aqueles países enfrentam - a falta de recursos endógenos, em quantidade e qualidade, que possam ser afetos à produção de gases de origem renovável - são justamente os fatores de produção abundantes em Portugal, apresentando condições muito favoráveis à criação de um cluster industrial, focado na produção de gases de origem renovável. O reconhecimento crescente dos gases renováveis, em particular do hidrogénio, como oportunidade e vetor energético moderno, limpo e versátil, promove uma transição energética que aposta no desenvolvimento económico nacional, aliando competitividade e sustentabilidade.

A produção de gases de origem renovável e de gases de baixo teor de carbono é criada como uma atividade liberalizada, com baixos requisitos administrativos e com regulação adequada à garantia da segurança do abastecimento do SNG. Neste enquadramento, o produtor de gases de origem renovável ou de gases de baixo teor de carbono poderá, no entanto, destinar o seu produto a qualquer fim, como o autoconsumo, injeção na rede pública de gás, fornecimento por cisterna a qualquer consumidor industrial ou particular, exportação, aplicação ao setor dos transportes, entre outros.

O presente decreto-lei cria ainda as condições regulatórias para a definição das quotas de incorporação de gases de origem renovável e de gases de baixo teor de carbono, como instrumento fundamental para atingir a neutralidade carbónica em 2050. Tem-se demonstrado que em países com boa cobertura de rede de gás natural, como o setor do gás em Portugal, permitem desde já incorporações controladas de outros gases nas infraestruturas, sem necessidade de ajuste e investimentos adicionais significativos. Os operadores das infraestruturas da rede nacional de transporte, infraestruturas de armazenamento e terminais de GNL e da rede nacional de distribuição ficam agora confiados da missão de desenvolver as suas concessões e os investimentos necessários para a crescente incorporação de gases de origem renovável, em linha com as necessidades do mercado e de combate às alterações climáticas. Os planos de desenvolvimento das redes de transporte e distribuição, que presidem à definição dos investimentos e das infraestruturas necessárias ao desenvolvimento das redes, são também eles sujeitos nos termos da legislação aplicável a Avaliação Ambiental Estratégica, com vista a detetar os efeitos significativos para o ambiente que o seu cumprimento possa envolver. Assim assegura-se que a conceção, a construção e a operação das infraestruturas de rede são, elas mesmas, compatíveis com a política climática.

A par da obrigação dos consumidores consumirem uma determinada quota de gases de origem renovável ou de gases de baixo teor de carbono - e da correspetiva obrigação dos comercializadores assegurarem, no seu aprovisionamento, o fornecimento das quantidades de gases de origem renováveis necessárias ao cumprimento de tal obrigação -, o comercializador de último recurso grossista passa, com o presente decreto-lei, a ter a função de facilitador entre a produção e a comercialização, assegurando a aquisição dos gases de origem renovável e dos gases de baixo teor de carbono que lhe sejam requisitados pelos demais agentes do mercado para o cumprimento das quotas mínimas de incorporação. Essa compra para revenda poderá ser alavancada num mecanismo de subsidiação, sujeito à concorrência, que tenda a aproximar ou igualar o preço dos outros gases ao do gás natural, sendo o diferencial financiado, de forma a não onerar os consumidores. Não obstante, qualquer agente do mercado poderá, em condições de mercado, adquirir ou produzir os gases necessários ao seu aprovisionamento.

Foram ouvidos o órgão de governo próprio da Região Autónoma dos Açores e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.

Foi promovida a audição dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira e do Conselho Nacional do Consumo.

Assim:

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

1 - O presente decreto-lei estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Nacional de Gás (SNG).

2 - O presente decreto-lei estabelece, ainda, os regimes jurídicos aplicáveis às atividades de receção, armazenamento e regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL), de armazenamento subterrâneo de gás, de transporte e de distribuição de gás, incluindo as respetivas bases das concessões, bem como de produção de outros gases, de comercialização de gás, de organização dos respetivos mercados e de operação logística de mudança de comercializador.

3 - O presente decreto-lei estabelece também as regras relativas à gestão técnica global do SNG, ao planeamento da Rede Nacional de Transporte, Infraestruturas de Armazenamento e Terminais de GNL (RNTIAT), ao planeamento da Rede Nacional de Distribuição de Gás (RNDG), à segurança do abastecimento e sua monitorização e à constituição e manutenção de reservas de segurança.

4 - O presente decreto-lei procede à transposição da Diretiva 2019/692, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2019, que altera a Diretiva 2009/73/CE que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural.

5 - O presente decreto-lei incorpora a disciplina do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, na sua redação atual, e do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual, que transpuseram para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2009.

6 - O presente decreto-lei incorpora, ainda, a disciplina do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, na sua redação atual.

7 - O presente decreto-lei estabelece o regime aplicável à injeção de outros gases na rede nacional de gás, atendendo às metas constantes do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) e do Roteiro Nacional para o Carbono (RNC).

8 - O presente decreto-lei procede ainda à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.os 237-B/2006, de 18 de dezembro...

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