Decreto-Lei n.º 222/2015 - Diário da República n.º 197/2015, Série I de 2015-10-08

Decreto-Lei n.º 222/2015 de 8 de outubro O exercício da pesca nas águas interiores constitui uma atividade com valências em diversas áreas.

Tem valor económico com impacto socioeconómico importante a nível local, tanto na dimensão da pesca lúdica quanto na da desportiva e profissional.

Como atividade desportiva e recreativa, contribui para a dinamização do meio rural, particularmente importante no interior do país.

Acresce o valor cultural intrínseco da pesca, dado que alguns dos meios e processos utilizados na pesca profissional são de natureza tradicional, e as espécies capturadas têm um elevado interesse gastronómico, muitas vezes fortemente integrado na cultura de diversas regiões.

Por seu turno, a aquicultura constitui um setor em ex- pansão, fruto das crescentes expectativas dos consumi- dores no que toca à qualidade e diversidade dos produtos alimentares, da crescente procura mundial de proteína de qualidade, assim como do aumento das limitações impostas na exploração dos recursos haliêuticos naturais.

Até à presente data, a pesca e a aquicultura nas águas in- teriores têm sido regidas pela Lei n.º 2097, de 6 de junho de 1959, e pelo Decreto n.º 44 623, de 10 de outubro de 1962. Contudo, as profundas alterações sociais desde meados do século passado até hoje traduziram -se, nomeadamente, na utilização mais intensiva dos recursos hídricos, no acrés- cimo do número de praticantes de pesca, no aparecimento de novas modalidades de pesca lúdica e desportiva e no aumento de explorações de aquicultura.

Além disso, o exercício da pesca lúdica e desportiva, em particular, ao proporcionar um contacto privilegiado com a natureza, está cada vez mais associado à fruição dos espaços naturais, tornando imprescindível a sua proteção, conservação e utilização sustentável.

Neste contexto, as- sume particular relevo o incremento da «pesca e devolu- ção» ou «pesca sem morte», modalidade que perspetiva uma maior compatibilidade e sinergias entre a prática da pesca e a conservação das espécies aquícolas.

Por seu turno, no que diz respeito a algumas práticas ilícitas, o regime sancionatório contido naqueles diplomas encontra -se desajustado da realidade atual, designadamente no que concerne aos limites das coimas aplicáveis, situação que importa corrigir.

As alterações mencionadas têm reflexo no património piscícola e na biodiversidade, pelo que se impõe a moder- nização do quadro legislativo relativo à pesca nas águas interiores e à aquicultura, tendo em vista a promoção da uti- lização sustentável dos recursos aquícolas, a partilha justa e equitativa, pelos cidadãos e pelos agentes económicos, dos benefícios provenientes do aproveitamento daqueles recursos e a recuperação ou conservação da qualidade ecológica dos ecossistemas.

Por conseguinte, importa dar sequência ao esforço de modernização iniciado com a Lei n.º 7/2008, de 15 de feve- reiro, que estabelece as bases do ordenamento e da gestão sustentável dos recursos aquícolas das águas interiores e define os princípios reguladores das atividades da pesca e da aquicultura nessas águas.

Nesse sentido, o presente decreto -lei assenta em cinco grandes eixos: A instituição de um quadro vocacionado para a conser- vação dos recursos aquícolas e dos respetivos ecossistemas, através da definição dos condicionamentos ao exercício da pesca, da identificação das atividades com maior impacto nesses recursos e do estabelecimento de medidas minimi- zadoras dos impactos nas populações piscícolas; O estabelecimento de regras sobre concessão de zonas de pesca lúdica, assegurando uma gestão transparente e eficaz com os objetivos de conservação e preservação do património aquícola e de desenvolvimento sustentável da atividade da pesca; A indicação de títulos habilitantes da prática da pesca compatíveis com as necessidades específicas de gestão das diversas espécies; O enquadramento da aquicultura, procurando ao mesmo tempo um crescimento sustentado e responsável da respe- tiva produção e a preservação do estado dos ecossistemas aquáticos; A fixação de um regime contraordenacional orientado para a penalização de ações ou omissões que comprometam a conservação dos recursos aquícolas e dos ecossistemas aquáticos, com coimas ajustadas à realidade económica e dissuasoras de práticas lesivas do património.

Em síntese, o presente decreto -lei promove a pesca como uma atividade sustentável que contribui para a conservação da natureza e da biodiversidade e, simultaneamente, cons- titui um fator de desenvolvimento regional, procurando também conciliar a aquicultura com os objetivos de conser- vação da natureza e da biodiversidade, traçando as linhas orientadoras do exercício daquela atividade.

Foram ouvidos, a título obrigatório, os órgãos de go- verno próprio das Regiões Autónomas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Foram ouvidas, a título facultativo, a APPSE — Asso- ciação Pesca à Pluma da Serra da Estrela, a Associação Por- tuguesa de Carp fishing, a Associação Portuguesa de Aqua- cultores e a FENCAÇA — Federação Portuguesa de Caça.

Foi promovida a audição do GEOTA — Grupo de Estudos e de Ordenamento do Território e Ambiente, da LPN — Liga para a Proteção da Natureza, da QUER- CUS — Associação Nacional de Conservação da Natu- reza, da Federação Portuguesa de Pesca Desportiva, da APPA — Associação Portuguesa de Pesca do Achigã e Defesa da Natureza, da APPP — Associação Portuguesa de Pesca à Pluma, da AAPACSACV — Associação de Arma- dores da Pesca Artesanal e do Cerco do Sudoeste Alente- jano e Costa Vicentina, da ANPC — Associação Nacional de Proprietários e Produtores de Caça e da CNCP — Con- federação Nacional de Caçadores Portugueses.

Assim: No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 7/2008, de 15 de fevereiro, alterada pelo Decreto -Lei n.º 221/2015, de 8 de outubro, e nos termos da alínea

  1. do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: CAPÍTULO I Disposições gerais Artigo 1.º Objeto O presente decreto -lei estabelece o regime jurídico do ordenamento e da gestão sustentável dos recursos aquí- colas das águas interiores, regulamentando a pesca e a aquicultura nessas águas.

    Artigo 2.º Âmbito territorial O presente decreto -lei aplica -se a todas as águas inte- riores superficiais, públicas ou particulares do território continental, tal como definidas na Lei n.º 7/2008, de 15 de fevereiro, alterada pelo Decreto -Lei n.º 221/2015, de 8 de outubro.

    Artigo 3.º Definições Para os efeitos do disposto no presente decreto -lei, considera -se:

  2. «Albufeiras de águas públicas de serviço público classificadas», as massas de água classificadas no âmbito do Decreto -Lei n.º 107/2009, de 15 de maio, alterado pelo Decreto -Lei n.º 26/2010, de 30 de março;

  3. «Balança ou ratel», o aparelho de rede de espera de fundo destinado à captura de lagostim de água doce, constituído por um ou dois aros metálicos aos quais está fixa uma rede em forma de saco onde é colocado o isco, sendo o aparelho sustentado por cabos de forma a que, quando içado, constitua uma armadilha;

  4. «Cana de pesca», o aparelho constituído por linha e anzol manobrado por intermédio de uma cana ou vara, equipada ou não com carreto ou tambor;

  5. «Carp fishing», a pesca lúdica ou desportiva à carpa ou a outros ciprinídeos com o objetivo da captura de gran- des exemplares através de meios e processos de pesca específicos;

  6. «Conetividade longitudinal», a existência de ligação ao longo do curso de água, possibilitando a circulação da fauna aquática no sentido de jusante para montante e em sentido inverso;

  7. «Covo», a armadilha de forma cilíndrica ou retangular constituída por rede entralhada em aros e com uma ou mais aberturas ou endiches;

  8. «Depósito», a unidade de detenção de espécies aquí- colas em cativeiro onde são mantidos transitoriamente exemplares provenientes de unidades de aquicultura ou da pesca profissional destinados ao circuito comercial;

  9. «Detenção de espécies aquícolas em cativeiro», a ma- nutenção de espécies aquícolas fora do seu habitat natural em instalações que não têm como objetivo a produção, sem prejuízo do aumento do peso individual dos espécimes;

  10. «Engodo», a matéria que o pescador utiliza para atrair o peixe ao local de pesca;

  11. «Espécie aquícola relevante», a espécie que carece de uma licença específica para a sua captura;

  12. «Esvaziamento parcial», a redução do volume arma- zenado numa massa de água associada a uma infraestrutura hidráulica, que não decorre da exploração normal da obra, e em que o nível da água desce abaixo do nível mínimo de exploração mas não atinge o nível da descarga de fundo;

  13. «Esvaziamento total», a redução do volume armaze- nado numa massa de água associada a uma infraestrutura hidráulica, que não decorre da exploração normal da obra e em que o nível da água atinge ou desce abaixo do nível da descarga de fundo;

  14. «Isco», qualquer material ou artefacto que se coloca no anzol ou no interior dos aparelhos de pesca;

  15. «Isco artificial ou amostra», o isco constituído uni- camente por materiais artificiais;

  16. «Largada», a libertação de exemplares de espécies piscícolas produzidos em cativeiro com o objetivo da sua pesca imediata ou num curto período de tempo;

  17. «Manga», o dispositivo de rede, de forma e dimen- sões variáveis que, quando submerso, se destina a manter exemplares da fauna aquícola confinados no seu meio natural e em boas condições de sobrevivência;

  18. «Massa de água», uma massa distinta e significativa de água superficial, designadamente, um rio, ribeira ou canal, uma albufeira, lagoa ou lago, e seus troços ou zonas;

  19. «Nassa ou galricho», a armadilha constituída por um saco de rede distendido a intervalos regulares por aros, cujo tamanho diminui de diâmetro da boca para o saco, calada por uma tralha que se lhe prende nos extremos e tendo interiormente endiches que orientam a entrada e impossibilitam a saída das espécies da fauna aquícola;

  20. «Parque de pesca», a instalação ou unidade de aqui- cultura ou de detenção...

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