Decreto-Lei n.º 101/2006, de 06 de Junho de 2006

Decreto-Lei n.o 101/2006

de 6 de Junho

O efeito cumulativo da diminuiçáo da mortalidade e da natalidade tem-se traduzido, em Portugal, no progressivo envelhecimento da populaçáo. O aumento da esperança média de vida, que se tem verificado em paralelo, espelha a melhoria do nível de saúde dos Portugueses nos últimos 40 anos.

Apesar de tal sucesso, verificam-se carências ao nível dos cuidados de longa duraçáo e paliativos, decorrentes do aumento da prevalência de pessoas com doenças crónicas incapacitantes. Estáo, assim, a surgir novas necessidades de saúde e sociais, que requerem respostas novas e diversificadas que venham a satisfazer o incremento esperado da procura por parte de pessoas idosas com dependência funcional, de doentes com patologia crónica múltipla e de pessoas com doença incurável em estado avançado e em fase final de vida.

Tais respostas devem ser ajustadas aos diferentes grupos de pessoas em situaçáo de dependência e aos diferentes momentos e circunstâncias da própria evoluçáo das doenças e situaçóes sociais e, simultaneamente, facilitadoras da autonomia e da participaçáo dos destinatários e do reforço das capacidades e competências das famílias para lidar com essas situaçóes, nomeadamente no que concerne à conciliaçáo das obrigaçóes da vida profissional com o acompanhamento familiar.

Promover a funcionalidade, prevenindo, reduzindo e adiando as incapacidades, constitui uma das políticas sociais que mais pode contribuir para a qualidade de vida e para a consolidaçáo de uma sociedade mais justa e solidária.

Neste âmbito, o Programa do XVII Governo Constitucional define como meta a instauraçáo de políticas de saúde, integradas no Plano Nacional de Saúde, e de políticas de segurança social que permitam: desenvolver acçóes mais próximas das pessoas em situaçáo de dependência; investir no desenvolvimento de cuidados de longa duraçáo, promovendo a distribuiçáo equitativa das respostas a nível territorial; qualificar e humanizar a prestaçáo de cuidados; potenciar os recursos locais, criando serviços comunitários de proximidade, e ajustar ou criar respostas adequadas à diversidade que caracteriza o envelhecimento individual e as alteraçóes de funcionalidade.

A prossecuçáo de tal desiderato pressupóe a instituiçáo de um modelo de intervençáo integrado e ou articulado da saúde e da segurança social, de natureza preventiva, recuperadora e paliativa, envolvendo a participaçáo e colaboraçáo de diversos parceiros sociais, a sociedade civil e o Estado como principal incentivador. Tal modelo tem de situar-se como um novo nível inter-médio de cuidados de saúde e de apoio social, entre os de base comunitária e os de internamento hospitalar.

Neste contexto, pretende-se dinamizar a implementaçáo de unidades e equipas de cuidados, financeiramente sustentáveis, dirigidos às pessoas em situaçáo de dependência, com base numa tipologia de respostas adequadas, assentes em parcerias públicas, sociais e privadas, visando contribuir para a melhoria do acesso do cidadáo com perda de funcionalidade ou em situaçáo de risco de a perder, através da prestaçáo de cuidados técnica e humanamente adequados. Estas unidades e equipas devem assentar numa rede de respostas de cuidados continuados integrados em interligaçáo com as redes nacionais de saúde e de segurança social.

Porque a concretizaçáo de tal objectivo implica a devida ponderaçáo das soluçóes mais ajustadas à actual realidade, foi, pela Resoluçáo do Conselho de Ministros n.o 84/2005, de 27 de Abril, criada, na dependência do Ministério da Saúde, a Comissáo para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde às Pessoas Idosas e às Pessoas em Situaçáo de Dependência, com a incumbência de propor um modelo de intervençáo em matéria de cuidados continuados integrados destinados a pessoas em situaçáo de dependência.

Foram ouvidos, a título facultativo, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros, a Federaçáo Nacional dos Médicos, a Federaçáo Nacional de Sindicatos de Enfermeiros, o Sindicato Independente dos Médicos, o Sindicato dos Fisioterapeutas Portugueses e a Uniáo das Misericórdias Portuguesas.

Foram ouvidas a Comissáo Nacional de Protecçáo de Dados e a Associaçáo Nacional de Municípios Portugueses.

Assim: No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.o 48/90, de 24 de Agosto, e nos termos das alíneas a) e c) do n.o 1 do artigo 198.o da Constituiçáo, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposiçóes gerais

Artigo 1.o

Objecto e âmbito de aplicaçáo

1 - É criada, pelo presente decreto-lei, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, no âmbito dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social, adiante designada por Rede.

2 - O presente decreto-lei aplica-se às entidades integradas na Rede.

Artigo 2.o

Composiçáo da Rede

1 - A Rede é constituída por unidades e equipas de cuidados continuados de saúde, e ou apoio social, e de cuidados e acçóes paliativas, com origem nos serviços comunitários de proximidade, abrangendo os hospitais, os centros de saúde, os serviços distritais e locais da segurança social, a Rede Solidária e as autarquias locais.

2 - A Rede organiza-se em dois níveis territoriais de operacionalizaçáo, regional e local.

Artigo 3.o Definiçóes

Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:

  1. «Cuidados continuados integrados» o conjunto de intervençóes sequenciais de saúde e ou de apoio social, decorrente de avaliaçáo conjunta, centrado na recuperaçáo global entendida como o processo terapêutico e de apoio social, activo e contínuo, que visa promover a autonomia melhorando a funcionalidade da pessoa em situaçáo de dependência, através da sua reabilitaçáo, readaptaçáo e reinserçáo familiar e social;

  2. «Cuidados paliativos» os cuidados activos, coordenados e globais, prestados por unidades e equipas específicas, em internamento ou no domicílio, a doentes em situaçáo de sofrimento decorrente de doença severa e ou incurável em fase avançada e rapidamente progressiva, com o principal objectivo de promover o seu bem-estar e qualidade de vida;

  3. «Acçóes paliativas» as medidas terapêuticas sem intuito curativo que visam minorar, em inter-namento ou no domicílio, as repercussóes negativas da doença sobre o bem-estar global do doente, nomeadamente em situaçáo de doença irreversível ou crónica progressiva;

  4. «Continuidade dos cuidados» a sequenciali-dade, no tempo e nos sistemas de saúde e de segurança social, das intervençóes integradas de saúde e de apoio social;

  5. «Integraçáo de cuidados» a conjugaçáo das intervençóes de saúde e de apoio social, assente numa avaliaçáo e planeamento de intervençáo conjuntos;

  6. «Multidisciplinaridade» a complementaridade de actuaçáo entre diferentes especialidades profissionais;

  7. «Interdisciplinaridade» a definiçáo e assunçáo de objectivos comuns, orientadores das actuaçóes, entre os profissionais da equipa de prestaçáo de cuidados;

  8. «Dependência» a situaçáo em que se encontra a pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência orgânica, sequelas pós-traumáticas, deficiência, doença severa e ou incurável em fase avançada, ausência ou escassez de apoio familiar ou de outra natureza, náo consegue, por si só, realizar as actividades da vida diária;

  9. «Funcionalidade» a capacidade que uma pessoa possui, em cada momento, para realizar tarefas de subsistência, para se relacionar com o meio envolvente e para participar socialmente;

  10. «Doença crónica» a doença de curso prolongado, com evoluçáo gradual dos sintomas e com aspectos multidimensionais, potencialmente incapacitante, que afecta, de forma prolongada, as funçóes psicológica, fisiológica ou anatómica, com limitaçóes acentuadas nas possibilidades de resposta a tratamento curativo, mas com eventual potencial de correcçáo ou compensaçáo e que se repercute de forma acentuadamente negativa no contexto social da pessoa por ela afectada;

  11. «Processo individual de cuidados continuados» o conjunto de informaçáo respeitante à pessoa em situaçáo de dependência que recebe cuidados continuados integrados;

  12. «Plano individual de intervençáo» o conjunto dos objectivos a atingir face às necessidades identificadas e das intervençóes daí decorrentes, visando a recuperaçáo global ou a manutençáo, tanto nos aspectos clínicos como sociais;

  13. «Serviço comunitário de proximidade» a estrutura funcional criada através de parceria formal entre instituiçóes locais de saúde, de segurança social e outras comunitárias para colaboraçáo na prestaçáo de cuidados continuados integra-

    3858 dos, constituído pelas unidades de saúde familiar, ou, enquanto estas náo existirem, pelo próprio centro de saúde, pelos serviços locais de segurança social, pelas autarquias locais e por outros serviços públicos, sociais e privados de apoio comunitário que a ele queiram aderir;

  14. «Domicílio» a residência particular, o estabelecimento ou a instituiçáo onde habitualmente reside a pessoa em situaçáo de dependência.

    Artigo 4.o Objectivos

    1 - Constitui objectivo geral da Rede a prestaçáo de cuidados continuados integrados a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situaçáo de dependência.

    2 - Constituem objectivos específicos da Rede:

  15. A melhoria das condiçóes de vida e de bem-estar das pessoas em situaçáo de dependência, através da prestaçáo de cuidados continuados de saúde e ou de apoio social;

  16. A manutençáo das pessoas com perda de funcionalidade ou em risco de a perder, no domicílio, sempre que mediante o apoio domiciliário possam ser garantidos os cuidados terapêuticos e o apoio social necessários à provisáo e manutençáo de conforto e qualidade de vida;

  17. O apoio, o acompanhamento e o internamento tecnicamente adequados à respectiva situaçáo;

  18. A melhoria contínua da qualidade na prestaçáo de cuidados continuados de saúde e de apoio social;

  19. O apoio aos familiares ou prestadores informais, na respectiva qualificaçáo e na prestaçáo dos cuidados;

  20. A articulaçáo e coordenaçáo em rede dos...

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