Decreto-Lei n.º 138/2006, de 26 de Julho de 2006

Decreto-Lei n.o 138/2006

de 26 de Julho

1 - O desiderato de implementaçáo cabal de uma política de segurança de documentos de identidade e de viagem em consonância com as directrizes fixadas no âmbito da Uniáo Europeia e das organizaçóes inter-nacionais competentes exige a adopçáo por Portugal de um novo modelo de passaporte.

Trata-se de acompanhar o movimento mundial tendente à introduçáo de dispositivos inovadores que, tirando partido das vastas possibilidades oferecidas pelas tecnologias da era digital, proporcionem mais segurança aos cidadáos e à comunidade internacional.

O sistema em construçáo à escala internacional, de forma mais célere após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, visa generalizar padróes comuns para a adopçáo de novas soluçóes de identificaçáo, assegurando a interoperabilidade das mesmas e melhor protecçáo contra a fraude, permitindo também assinaláveis vantagens práticas para os cidadáos, que, além da elevada segurança, poderáo beneficiar de múltiplas inovaçóes na recolha dos dados e de uma maior celeridade na passagem por controlos fronteiriços.

2 - Em 2003, diversos grupos de peritos criados no âmbito dos comités técnicos da Organizaçáo da Aviaçáo Civil Internacional (ICAO) aprovaram recomendaçóes sobre o novo paradigma de segurança (em especial as contidas no Documento 9303 sobre os documentos de viagem de leitura óptica), a cuja adopçáo e aplicaçáo prática tem vindo a assistir-se.

No que diz respeito aos passaportes, foi apurada a necessidade de recorrer ao reconhecimento facial para confirmaçáo, assistida por máquina, da identidade de viajantes, tendo sido considerada apropriada a utilizaçáo de um circuito integrado sem contacto (chip), com uma capacidade mínima de 32 kB como suporte de armazenamento de dados. Foi ainda ponderado e julgado útil o recurso em tempo ulterior a identificadores adicionais, designadamente impressóes digitais.

A Uniáo Europeia tem contribuído empenhadamente para que o processo de reforço da segurança dos documentos de viagem seja pautado por um equilíbrio rigoroso entre as especificaçóes decorrentes de possibilidades abertas pelas inovaçóes tecnológicas (em especial no tocante ao recurso à biometria) e os indeclináveis imperativos da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadáos, nomeadamente o direito à protecçáo dos dados e da vida privada, nos termos da Directiva n.o 95/46/CE e das disposiçóes nacionais de transposiçáo. Culminando um vasto trabalho preparatório, o Conselho Europeu de Salónica (19 e 20 de Junho de 2003) concluiu pela imprescindibilidade de dispor na UE de «uma abordagem coerente quanto aos identificadoresou dados biométricos, a fim de encontrar soluçóes harmonizadas para os documentos dos nacionais dos países terceiros, para os passaportes dos cidadáos da UE e para os sistemas de informaçáo (VIS e SIS II)».

Esta visáo estratégica foi confirmada por ulteriores Conselhos Europeus, nomeadamente o Conselho Europeu de Bruxelas de 16 e 17 de Outubro de 2003 que registou «com agrado os trabalhos em curso no âmbito da Uniáo e de instâncias internacionais (ICAO e G8) sobre a introduçáo de identificadores biométricos nos vistos, autorizaçóes de residência e passaportes [. . .]».

Fundamentando a sua proposta de Regulamento do Conselho visando estabelecer normas para os dispositivos de segurança e dados biométricos dos passaportes dos cidadáos da Uniáo Europeia (COM-2004-116 final, de 18 de Fevereiro de 2004), a Comissáo Europeia sublinhou três aspectos de grande relevância:

A importância da iniciativa na perspectiva do alar-gamento: «Os países em vias de adesáo estáo actual-mente a alterar os seus modelos de passaporte para os tornar mais seguros. Pretendem torná-los conformes com o modelo de passaporte utilizado na Uniáo Europeia. Um regulamento juridicamente vinculativo dar-lhes-á a possibilidade de introduzir as mesmas normas de segurança do que os outros Estados Membros após a adesáo.»;

A melhoria da circulaçáo nas fronteiras: «Dispositivos de segurança comuns facilitaráo os controlos da polícia nas fronteiras, pois esta poderá verificar, de imediato, alguns dispositivos de segurança visíveis constantes de todos os passaportes e apenas em caso de dúvida deverá proceder a uma verificaçáo mais aprofundada. Se forem vários os dispositivos de segurança, os guardas das fronteiras teriam de verificar passaportes de 25 modelos nacionais com dispositivos diferentes e de qualidade diferente.»;

A importância estratégica da medida: «A harmonizaçáo dos dispositivos de segurança, incluindo os dados biométricos, do passaporte europeu tem também um impacte significativo nas relaçóes da Uniáo Europeia com os países terceiros, designadamente os Estados Unidos. Os dados biométricos incorporados no passaporte corresponderáo às recomendaçóes da ICAO (Organizaçáo da Aviaçáo Civil Internacional), respeitando-se, assim, as exigências impostas pelos Estados Unidos para a participaçáo no seu programa de isençáo de visto.

Além disso, a sua introduçáo instauraria um nível de segurança harmonizado para os passaportes europeus, evitando-se assim que alguns cidadáos da UE sejam privados de certas vantagens unicamente pelo facto de serem titulares de um passaporte nacional menos seguro.

Um esforço comum poderia reforçar a posiçáo da Europa em relaçáo aos Estados Unidos.»

Chamados a emitir parecer, os peritos do «Grupo do artigo 29.o» (Grupo de Protecçáo das Pessoas no que Diz Respeito ao Tratamento de Dados Pessoais, instituído pela Directiva n.o 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro) examinaram aprofundadamente os problemas suscitados pela iniciativa, concluindo designadamente que:

Deve ser garantida uma distinçáo rigorosa entre dados biométricos recolhidos e armazenados para fins públicos (por exemplo, controlo fronteiriço), com base nas obrigaçóes legais, por um lado, e para fins contratuais, com base no consentimento, por outro;

A utilizaçáo da biometria em passaportes e bilhetes de identidade tem de ser tecnicamente restringida à verificaçáo em que se comparam os dados no documento com os dados apresentados pelo titular quando apresenta o documento;

A Comissáo Europeia e os Estados membros devem garantir que os passaportes dos cidadáos europeus que incluam dados de impressóes digitais náo possam ser lidos por leitores que náo suportem o controlo de acesso alargado;

Deve garantir-se que apenas as autoridades competentes possam ter acesso aos dados armazenados no chip

(sendo necessário que os Estados membros criem um registo das autoridades competentes).

A perspectiva proposta pela Comissáo e pelo Conselho e as sugestóes dos peritos do Grupo do artigo 29.o tiveram acolhimento favorável do Parlamento Europeu.

No parecer que sobre a iniciativa emitiu a Comissáo das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Inter-nos assinalou-se:

O relator é globalmente favorável à proposta da Comissáo. Considera que, de facto, a biometria contribuirá para tornar mais seguros os nossos documentos. A introduçáo de um identificador biométrico dificultará sobremaneira a falsificaçáo de passaportes, uma vez que a biometria garantirá que uma pessoa que apresente um passaporte é, de facto, a pessoa para quem o mesmo foi originalmente emitido. Além disso, uma vez que os passaportes sáo igualmente utilizados no quotidiano e náo só na passagem de fronteiras, a biometria proporciona uma soluçáo para o problema do roubo de identidade.

O relator entende, simultaneamente, que, no atinente ao acto legislativo, cumpre que as especificaçóes técnicas (que contêm soluçóes caracterizadas por uma boa relaçáo custo-eficácia e que sáo seguras para a recolha, o tratamento, o armazenamento e a utilizaçáo de dados biométricos), bem como a implementaçáo, pelos Estados membros, de requisitos diversos de protecçáo dos direitos dos cidadáos, estejam operacionais antes da emissáo de passaportes biométricos.

A utilizaçáo da biometria é uma questáo muito delicada do ponto de vista da protecçáo dos dados. É indubitável que o relator apoia as propostas de alteraçáo apresentadas numa recente carta do presidente do Grupo de trabalho previsto no artigo 29.o As necessárias salvaguardas teráo de estar criadas, a fim de garantir o pleno respeito do disposto na directiva relativa à protecçáo dos dados. Como referido no documento de trabalho geral sobre biometria do Grupo de trabalho previsto no artigo 29.o, os dados pessoais devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e náo seráo posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. Além disso, os dados pessoais devem ser adequados, pertinentes e náo excessivos relativamente às finalidades para que sáo recolhidos e para que sáo tratados posteriormente (finalidade e princípio da proporcionalidade, cf. artigo 6.o da Directiva). O relator entende que, no contexto da transposiçáo destes dois princípios fundamentais, cumpre definir de modo mais específico no texto legal o objectivo da introduçáo da biometria e referir de modo preciso que os utilizadores destes dados devem estar claramente identificados. No tocante ao objectivo da utilizaçáo dos dados, cumpre clarificar, sem qualquer margem para dúvida, que os dados apenas podem ser

5258 utilizados para efeitos de verificaçáo e em caso algum para efeitos de identificaçáo ou, mesmo, de vigilância oculta

(Parecer A6-0028/2004, de 28 de Outubro).

A criaçáo, a longo prazo, de um registo europeu dos passaportes emitidos, aventada pela Comissáo, náo obteve consenso do Parlamento Europeu, que entendeu, na linha preconizada pelo relatório citado, que uma tal base de dados centralizada náo seria necessária para garantir «um nexo mais fiável entre o passaporte e o seu titular», além de poder acarretar excessivos riscos de «desvirtuaçáo da funçáo», facultando a utilizaçáo de dados para fins outros que os originalmente previstos.

A versáo final do Regulamento (CE) n.o 2252/2004, do Conselho, de 13 de Dezembro, incorporando...

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