Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro de 1990

Decreto-Lei n.º 34-A/90 de 24 de Janeiro A definição do regime estatutário aplicável aos militares das forças armadas constitui uma das matérias cujo desenvolvimento normativo se encontra previsto na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.º 29/82, de 11 deDezembro).

A razão de ser de tal previsão prendia-se, à data da aprovação daquele diploma, tal como hoje, com a reconhecida necessidade de traduzir em lei, de forma homogénea, coerente e estruturada, os elementos caracterizadores da condiçãomilitar.

De facto, o panorama existente no domínio do direito estatutário militar, se nuns casos se caracteriza pela insuficiência do quadro legislativo existente, noutros é marcado por uma legislação desactualizada, que, por força de inúmeras alterações a que foi sujeita, influenciadas por propósitos e concepções por vezes contraditórios, se transformou num conjunto de normas dispersas e de difícil aplicação.

Face a tal situação, impunha-se uma ampla reforma legislativa susceptível de abranger os militares das forças armadas, independentemente do ramo, categoria e forma de prestação de serviço, contendo, entre outras matérias, a definição dos seus direitos e deveres, o estabelecimento objectivo e transparente das regras a que se subordina a hierarquia militar e em que se traduzem as relações de autoridade e dependência, o desenvolvimento e estruturação das carreiras, por forma a constituírem factor de motivação, participação e responsabilidade, tudo no quadro das necessidades estruturais das forças armadas.

O relevo conferido a tão complexa e importante temática e a necessidade da sua estruturação legal têm, pois, desde há muito sido reconhecidos por sucessivos governos, tendo, além disso, constituído uma pretensão da própria instituição militar, no seio da qual se têm, na última década, produzido diversos estudos, ensaios e propostas.

Se com o novo sistema estatutário se visa, numa linha de modernização, responder a justos anseios e aspirações, num contexto de disciplina, coesão e eficácia, pressupostos irrenunciáveis da organização militar, com a sua concretização o Governo tem igualmente em vista assegurar a criação de um ordenamento director capaz de suportar o desenvolvimento de uma política homogénea e consistente no domínio da gestão dos recursos humanos das forçasarmadas.

Mas, se o circunstancionalismo descrito permite compreender a atenção que a esta matéria foi dedicada na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA), deve referir-se que, mais recentemente, a necessidade de se estabelecer em novas bases o regime estatutário dos militares das forças armadas não deixou de se fazer sentir na Lei do Serviço Militar (Lei n.º 30/87, de 7 de Julho).

Com efeito, esta lei, contendo a definição das modalidades de prestação de serviço efectivo nas forças armadas, contém inúmeras referências indiciadoras da necessidade de se proceder à caracterização estatutária respeitante aos oficiais, sargentos e praças, sejam dos quadros permanentes, em serviço militar obrigatório, nas variantes de serviço efectivo normal e serviço efectivo decorrente de convocação ou mobilização, ou em regime de contrato.

Este o contexto em que, oportunamente, o Governo apresentou na Assembleia da República a proposta de lei contendo as bases gerais do Estatuto da Condição Militar, que, em toda a sua extensão, procurou compatibilizar com a LDNFA e com o enquadramento constitucional vigente.

Com este procedimento e com a abertura evidenciada no decurso da apreciação da proposta de lei procurou o Governo criar condições para que em torno dos princípios fundamentais caracterizadores da condição militar se estabelecesse um largo consenso entre os partidos representados no Parlamento.

Este objectivo foi, pode dizer-se, plenamente atingido, porquanto a lei de bases (Lei n.º 11/89, de 1 de Junho) viria a ser aprovada por ampla maioria e sem votoscontra.

Com tal aprovação, importantes conceitos passaram a ter força de lei. Importa salientar alguns dos mais importantes: A condição do militar tem uma natureza própria, que, de modo claro e indiscutível, se distingue do estatuto funcional dos demais servidores do Estado, desde logo pela permanente disponibilidade para lutar em defesa da Pátria, se necessário com o sacrifício da própria vida; Pela sujeição aos riscos inerentes ao cumprimento das missões militares, bem como à formação, instrução e treino que as mesmas exigem, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra; Pela permanente disponibilidade para o serviço, seja em termos temporais, seja em termos de mobilidade territorial, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais do militar e da sua família; Pela restrição, constitucionalmente prevista, de alguns direitos e liberdades; Pela fixação de princípios deontológicos e éticos próprios em matérias muito importantes e sensíveis, como sejam o caso da hierarquia, subordinação e obediência, exercício do poder de autoridade, desenvolvimento de carreiras, treino e formação profissional.

Tais aspectos, a par de outros, vincam bem o relevo excepcional das missões das forças armadas, a quem, recorde-se, por imperativo constitucional, compete a defesa militar da República contra quaisquer ameaças externas.

Por outro lado, correspondentemente, evidenciam de forma clara os sacrifícios que a Nação, por imperativos irrenunciáveis, exige e impõe aos militares.

Face a um tão exigente estatuto funcional do militar, a referida lei de bases consagrou, com especial significado para aqueles que voluntariamente ingressaram na carreira das armas, o reconhecimento de especiais direitos, compensações e regalias.

Estes, de forma sucinta, os grandes parâmetros cujo desenvolvimento se encontra consagrado nos presentes estatutos dos militares das forças armadas. A importância e o alcance da presente reforma legislativa e o seu significado para a instituição militar justificam amplamente algumas considerações sobre os aspectos mais salientes do novo regime.

As forças armadas são constituídas exclusivamente por cidadãos nacionais, com base no serviço militar obrigatório, e inscrevem-se na Administração do Estado, através do Ministério da Defesa Nacional. A missão fundamental confiada às forças armadas consiste em assegurar a defesa militar do País contra qualquer ameaça ou agressão externas, podendo, além disso, também complementarmente, executar outras missões de interesse geral, designadamente colaborando em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações.

Para cumprir tais missões as forças armadas estão estruturadas em órgãos militares de comando e em três ramos. Aqueles órgãos militares de comando são o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os chefes de estado-maior de cada um dos ramos, que são a Marinha, o Exército e a Força Aérea.

A referida estruturação em três ramos tem constituído sempre, e este problema não é privativo das nossas forças armadas, um óbice à criação de um único regime estatutário aplicável a todos os militares das forças armadas.

A dispersão daí decorrente conduziu à inexistência de um ordenamento director das funções militares e inviabilizou a definição e execução de uma política geral e única que presida às decisões adoptadas para o regime de pessoal das forças armadas, factores determinantes da já referida proliferação de sistemas casuísticos, que, por vezes, tem dado origem a tratamentos desiguais para aqueles que seguem o mesmo modelo geral de relação de serviço no exercício das funções militares.

De facto, presentemente, o nosso direito militar, em matéria estatutária, apenas contém um corpo ordenado de normas aplicáveis aos oficiais dos três ramos e, mesmo assim, trata-se de legislação concebida e produzida entre 1965 e 1971, que, através de alterações casuísticas contidas em mais de uma centena de diplomas, foi, como já se disse, de certo modo, descaracterizada.

De tal forma que tal ordenamento se transformou, em grande medida, num conjunto de preceitos destituídos de lógica sistemática, dando frequentemente origem a tratamentos desiguais para situações em tudo idênticas.

Tudo isto complementado por quadros de efectivos reconhecidamente desactualizados e afectados por mecanismos que, a par da sua discutível necessidade, os têm transformado em instrumentos destituídos de significado útil ao nível da gestão dos recursos humanos das forças armadas.

O mesmo panorama se apresenta ao nível dos sargentos e das praças, relativamente aos quais, em vez de um enquadramento estatutário aplicável aos três ramos, existem tão-só diplomas avulsos, que regulam todos os aspectos da carreira, e outros particulares, não obedecendo a um sistema integrado.

Mas, se, relativamente às categorias referidas, a situação se apresenta descaracterizada e lacunar, no que aos militares conscritos e em regime de contrato diz respeito, a nota dominante consiste na quase total inexistência de enquadramento legislativo estatutário, omissão que só muito recentemente e de forma muito parcial foi minimizada com a nova Lei do Serviço Militar e seu regulamento.

Em síntese, embora se deva realçar nesta matéria o alcance da reforma estabelecida com a organização do Exército de 1937, cujos reflexos se mantiveram até aos nossos dias nesse ramo, nunca, até ao presente, se conseguiu entre nós fixar um regime estatutário alicerçado em princípios comuns aplicável a todos os militares.

A complexidade e importância da matéria objecto do presente diploma não carece, pois, de maior explicitação.

De facto, não se está perante mais uma medida legislativa daquelas cuja concretização se encontra prevista na LDNFA, mas, verdadeiramente, perante uma importante reforma do direito militar português.

E, nessa perspectiva, a primeira e relevante opção do Governo, em íntima ligação com as forças armadas, traduziu-se na consagração num único diploma da disciplina estatutária aplicável a todos os militares, independentemente dos ramos e categoria, da forma...

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